Ele esquadrinhou a mente de Balsam. O conhecimento tinha de estar lá em algum lugar. Algum fragmento daquilo que era a coisa na floresta, o que ela disse ou fez.
Foi quando Balsam se levantou num solavanco e disse:
— A mulher está dentro do meu cérebro.
Ele procurou novamente através dos olhos de Eileen, enfurecido com a própria falta de cuidado. As coisas estavam dando muito errado. Ele se viu encarando o rosto do homenzinho com óculos de lentes grossas e manto.
E então estava de volta na cela.
Dois guardas o pegaram pelos braços e o arrastaram na direção da porta.
— Não — disse ele. — Por favor. Apenas alguns minutos.
— Ah, você gosta daqui, não é? — disse um dos guardas. Eles empurraram Fortunato para a porta da cela. O pé de Fortunato escorregou no linóleo liso e ele caiu de quatro. O guarda chutou-o perto do rim esquerdo, não forte o suficiente para fazê-lo desmaiar.
Então, eles o arrastaram novamente pelos corredores sem-fim de um verde desbotado para dentro de uma sala com painéis escuros sem janelas e uma longa mesa de madeira. Um homem num terno barato, talvez com 30 anos, sentou-se do outro lado da mesa. Seu cabelo era castanho médio, seu rosto, comum. Havia uma placa dourada presa ao bolso de seu paletó. Ao lado dele estava sentado um homem de camisa polo e blazer caro. Tinha uma boa aparência, excessivamente ariana, cabelos loiros ondulados, olhos azuis gélidos. Fortunato lembrou-se do maçom que Eileen havia descrito, Roman.
— Sargento Matthias? — disse o segundo guarda. O homem de terno barato concordou com a cabeça. — É este aqui.
Matthias recostou-se na cadeira e fechou os olhos. Fortunato sentiu algo varrer sua mente.
— E aí? — Roman perguntou.
— Não muito — disse Matthias. — Alguma telepatia, um pouco de telecinesia, mas é fraco. Duvido que consiga arrombar um cadeado.
— Então, o que você acha? O chefe precisa se preocupar com ele?
— Não vejo por quê. Você poderia detê-lo um pouco por assassinar aquele garoto, ver o que acontece.
— Para quê? — disse Roman. — Ele acabou de alegar legítima defesa. O juiz provavelmente vai dar uma medalha pra ele. Ninguém se importa com aqueles moleques desgraçados.
— Tudo bem — disse Matthias. Ele se voltou aos guardas. — Podem liberá-lo. Já acabamos com ele.
Levou mais uma hora para estar de volta à rua e, claro, ninguém lhe ofereceu uma carona para casa. Mas tudo bem. O Bairro dos Curingas era onde precisava estar.
Sentou-se nos degraus da delegacia e alcançou a mente de Eileen.
Viu-se encarando a parede de tijolos de um beco. Estava vazio de pensamentos ou emoções. Quando lutou para irromper na névoa do cérebro dela, sentiu a bexiga dela se soltar e a urina morna espalhar-se numa poça sob ela e, rapidamente, ficar gelada.
— Ei, cara, sem dormir nos degraus.
Fortunato caminhou até a rua e sinalizou para um táxi. Colocou uma nota de vinte na pequena gaveta de metal e disse:
— Para o sul. E rápido.
Ele saiu do táxi na Chrystie Street, bem ao sul da Grand Street. Ela não se moveu. Sua mente estava vazia. Ele agachou à sua frente e buscou por alguns segundos, então não conseguiu aguentar e caminhou até o fim do beco. Esmurrou a lateral de uma caçamba até as mãos ficarem praticamente inúteis. Então, voltou para tentar novamente.
Abriu a boca para falar algo. Nada saiu. Não restaram palavras na sua cabeça, apenas os aglomerados vermelhos de sangue e uma enxurrada de ácido que se elevava continuamente diante dos seus olhos.
Caminhou pela rua e discou o número da emergência. Um carro buzinou para ele, que não entendeu por quê. Ajoelhou-se diante de Eileen. Sua boca pendia aberta e um fio de saliva balançava sobre a blusa. Ele não aguentava olhar para ela. Fechou os olhos e alcançou sua mente, parando gentilmente seu coração.
Foi fácil encontrar o templo. Estava somente a três quarteirões de distância. Seguiu apenas os rastros de energia dos homens que deixaram Eileen no beco.
Ele estava em pé, diante da rua da igreja de tijolos. Tinha que piscar os olhos o tempo todo para mantê-los focalizados. O rastro dos homens levavam ao prédio, e dois ou três outros traços levavam para fora. Mas Balsam ainda estava lá dentro, Balsam, Clarke e mais uma dúzia.
Isso era bom. Queria todos, mas acertaria as contas com aqueles que estavam ali. Com eles, e suas moedas e suas máscaras douradas, seus rituais, seu templo, tudo que fazia parte da tentativa de trazer a monstruosidade alienígena para a Terra, que derramaram sangue e destruíram mentes e arruinaram vidas para fazê-lo. Queria aquilo terminado, acabado, de uma vez por todas.
A noite estava extremamente fria, um vácuo tão frio quanto o espaço sugando o calor e a vida de tudo que tocava. Suas bochechas queimaram e, então, ficaram dormentes.
Ele buscou o poder que restava, e não era suficiente.
Por alguns segundos, ficou ali, e tremia com uma raiva impotente, pronto para ir ao prédio de mãos vazias e desgastadas. Então, ele a viu, no canto, em pé na pose clássica sob a luz de um poste. Calças pretas sensuais, jaqueta de pele de coelho, xale de pele falsa. Saltos de puta e maquiagem demais. Ele ergueu o braço lentamente e acenou para ela.
Ela parou na frente dele, olhando-o cuidadosamente de cima a baixo.
— Ei — disse ela. Sua pele estava ressequida e os olhos, cansados. — Vamos fazer um programa?
Ele tirou uma nota de cem dólares da jaqueta e abriu o zíper da calça.
— Bem aqui na rua? Querido, você deve estar a perigo mesmo. — Ela olhou para a nota de cem e se ajoelhou. — Ai, esse cimento gelado. — Ela fuçou nas calças dele e então olhou para cima. — Que merda é essa? Sangue seco?
Ele tirou outra nota de cem. A mulher hesitou por um segundo, enfiou as duas notas na bolsa e prendeu a bolsa sob o braço.
Com o toque daquela boca, Fortunato endureceu instantaneamente. Sentiu uma onda subindo dos pés, fazendo seu couro cabeludo e as unhas doerem. Seus olhos rolaram para cima até estar encarando o segundo andar da velha igreja.
Queria usar seu poder para levantar o quarteirão inteiro e lançá-lo para o espaço, mas não tinha força para quebrar uma janela. Testou os tijolos e as vigas de madeira e a fiação elétrica, e encontrou o que buscava. Seguiu o encanamento do gás até o porão e de volta ao encanamento central, então começou a mover o gás por ele, formando a pressão do jeito que ela se formava dentro dele, até os canos vibrarem, as paredes balançarem e o cimento rachar.
A puta olhou para cima e na direção da rua, viu rachaduras fendendo as paredes.
— Corre — disse ele. Enquanto ela corria estalando os saltos, Fortunato esticou o braço e apertou os dedos na base do pênis, forçando a volta do jorro quente de sua ejaculação. Seus intestinos viraram fogo, e na água-furtada acima do templo, o cano de aço preto entortou e desligou-se de suas conexões. Esguichou gás e foi ao chão, lançando faíscas pelas paredes de alambrado e gesso.
O prédio inchou por um instante, como se estivesse se enchendo de água, e em seguida explodiu numa bola de chama laranja enfumaçada. Os tijolos chocaram-se na parede do outro lado, onde Fortunato estava, mas ele não conseguia desviar os olhos, não até as sobrancelhas ficarem chamuscadas e a pele e suas roupas começarem a queimar. O rugido da explosão estilhaçou janelas pela rua inteira, e quando finalmente ela feneceu, o balir das sirenes e alarmes ocupou seu lugar.
Ele queria tê-los ouvido gritar.
Por fim, um táxi parou para ele. O motorista queria levá-lo ao hospital, mas Fortunato o dissuadiu disso com uma nota de cem dólares.
Escalar as escadas até o apartamento levou mais tempo do que qualquer outra coisa de que pudesse se lembrar. Entrou no quarto. Os travesseiros ainda tinham o cheiro de Eileen.