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Voltou para a cozinha, pegou uma garrafa de uísque e se sentou ao lado da janela, bebendo de uma vez, assistindo ao brilho vermelho do fogo lentamente morrer sobre o Bairro dos Curingas.

Quando finalmente desmaiou no sofá, sonhou com tentáculos e a carne úmida e elástica, e os bicos que se abriam e fechavam com uma risada longa e reverberante.

1985

Jube: Um

Após ter trancado a banca de jornal à noite, Jube encheu o carrinho de compras com jornais e partiu para a ronda diária pelos bares do Bairro dos Curingas.

Faltando menos de uma semana para o Dia de Ação de Graças, o vento frio de novembro tinha uma ponta amarga quando chegava assobiando pela Bowery. Jube arrastava-se com uma das mãos no velho chapéu-palheta surrado, enquanto a outra puxava o carrinho sobre a calçada rachada. Via-se, pelo tamanho da calça, que o defunto era muito maior, e sua camisa havaiana azul de mangas curtas era coberta de surfistas. Ele nunca usou casaco. Jube vendia jornais e revistas na esquina da Hester Street com a Bowery desde o verão de 1952, e nunca tinha usado um casaco até então. Sempre que lhe perguntavam sobre isso, ele ria, mostrando as presas, dava um tapa na barriga avantajada e dizia:

— Esta é toda a proteção de que preciso, sim, senhor.

Em um dia bom, usando sapatos com salto, Jube Benson media no máximo pouco mais de um metro e meio, mas havia muito dele no pacote compacto, mais de 130 quilos de carne oleosa e negra azulada que lembrava borracha meio derretida. Seu rosto era largo e esburacado, seu crânio coberto com tufos de cabelo crespo ruivo, e duas pequenas presas curvadas nos cantos da boca. Cheirava a pipoca amanteigada e sabia mais piadas que qualquer outra pessoa no Bairro dos Curingas.

Jube caminhava bamboleando de forma enérgica, sorrindo aos transeuntes, vendendo os jornais aos carros que passavam (mesmo naquela hora, a avenida principal do Bairro dos Curingas estava longe de estar deserta). No Funhouse, deixava uma pilha de Daily News para o porteiro entregar aos clientes na saída, junto com um New York Times para Des, o dono. Alguns quarteirões adiante havia o Chaos Club, onde também entregava uma pilha de jornais. Jube havia guardado uma edição da National Informer para Brilhante. O porteiro pegou-a com a mão magra e reluzente.

— Obrigado, Morsa.

— Leia com atenção — disse Jube. — Está falando aí que conseguiram um novo tratamento, transformam curingas em ases.

Brilhante riu.

— Ah, claro — disse ele, folheando as páginas. Um sorriso lento se abriu no rosto fosforescente. — Ei, olha aqui, Sue Ellen vai voltar para J.R.

— Sempre volta — Jube comentou.

— Dessa vez vai ter o bebê-curinga dele — disse Brilhante. — Meu Deus, que mulherzinha burra. — Dobrou o jornal sob o braço. — Ficou sabendo? — perguntou. — Gimli vai voltar.

— Não diga — Jube respondeu. A porta se abriu atrás deles. Brilhante pulou para segurá-la e assobiou chamando um táxi para o casal bem-vestido que surgiu. Enquanto os ajudava a entrar, entregou-lhes o Daily News gratuito, e o homem deixou uma nota de cinco na mão do curinga. Brilhante a fez desaparecer, com uma piscadela para Jube, que acenou e pôs-se em marcha novamente, deixando o porteiro fosforescente no meio-fio em sua libré do Chaos Club, lendo atentamente a Informer.

O Chaos Club e o Funhouse eram estabelecimentos de categoria; os bares, tavernas e cafés nas ruas laterais raramente forneciam algo de graça. Mas ele era conhecido em todos eles, e deixavam-no vender os jornais de mesa em mesa. Jube parou no Pit e no Hairy’s Kitchen, jogou shuffleboard no Squisher’s Basement, entregou uma Penthouse para o Wally, do Wally’s. No Black Mike’s Pub, sob o sinal em neon da cerveja Schaefer, fez piada com algumas garotas que estavam trabalhando e deixou que contassem sobre o político limpo e estranho com quem transaram a três.

Deixou o New York Times do Capitão McPherson com o sargento de plantão na delegacia do Bairro dos Curingas, e vendeu uma revista Sporting News para um policial à paisana, que achou que ele tinha uma pista sobre o Jokers Wild, onde um garoto de programa foi castrado no palco na semana anterior. No Twisted Dragon, às margens de Chinatown, Jube livrou-se dos jornais chineses antes de seguir para o Freakers, na Chantham Square, onde vendeu um exemplar do Daily News e meia dúzia do Grito do Bairro dos Curingas.

Os escritórios do Grito ficavam do outro lado da praça. O editor da noite sempre pegava um New York Times, um Daily News, um Post e um Village Voice, e servia uma xícara de café preto e lodoso para Jube.

— Noite fraca — disse Patola, mascando um charuto apagado enquanto virava as páginas dos concorrentes com suas pinças.

— Ouvi dizer que a polícia vai fechar o estúdio de pornô curinga na Divisa — disse Jube, bebericando educadamente o café.

Patola apertou os olhos para olhá-lo.

— Você acha? Não fiquei sabendo, Morsa. Aquele bando tem alguma ligação. Com a família Gambione, eu acho. Onde você ouviu isso?

Jube lançou para ele um sorriso elástico.

— Tenho que proteger minhas fontes, chefe. Ouviu aquela sobre o cara que casou com uma curinga, muito linda, cabelos loiros compridos, rosto de anjo, corpo perfeito? Na noite de núpcias, ela vem com a camisola branca e diz pra ele: “Querido, tenho boas e más notícias”. Ele fala “Tudo bem, fale primeiro as boas notícias”. “Bem”, ela diz, “a boa notícia é que o carta selvagem fez isto aqui comigo”, dá uma voltinha e mostra sua beleza até ele sorrir e se babar todo. “Então, qual é a má notícia?”, ele pergunta. Daí ela fala: “A má notícia é que meu nome é Joseph”.

Patola fez uma careta.

— Cai fora daqui — ele diz.

Os frequentadores do Ernie’s levaram alguns exemplares do Grito e um Daily News, e para o próprio Ernie ele havia trazido uma edição da revista Ring, que chegara naquela tarde. Era uma noite tranquila, então Ernie lhe serviu uma piña colada, e Jube lhe contou aquela da noiva curinga que tinha boas e más notícias para o marido.

O balconista da loja de donuts 24 horas pegou um Times. Quando virou na Henry Street para a última parada, a carga de Jube estava tão leve que o carrinho saltitava atrás dele.

Havia três táxis fora da entrada abobadada do Crystal Palace, esperando passageiros.

— Ei, Morsa — chamou um dos taxistas enquanto ele passava. — Tem um Grito aí?

— Claro — disse Jube. Vendeu o jornal por uma moeda. O motorista tinha um ninho de filamentos parecido com cobras no lugar do braço direito, e nadadeiras no lugar das pernas, mas seu carro tinha controles manuais especiais e ele conhecia a cidade como a palma dos tentáculos. Também lucrava boas gorjetas. Nesses dias as pessoas ficavam tão aliviadas quando pegavam um táxi cujo motorista falasse inglês que nem ligavam para a aparência.

O porteiro levou o carrinho de Jube degraus de pedra acima até a entrada principal da casa geminada de três andares da virada do século. Dentro do vestíbulo vitoriano, Jube deixou o chapéu e o carrinho com a garota da chapelaria, juntou os jornais que restavam embaixo do braço e caminhou para dentro do salão imenso com pé-direito alto do bar. Elmo, o leão de chácara anão, estava carregando para fora um homem com cara de lula e uma máscara dominó de lantejoulas quando Jube entrou. Havia uma contusão feia num lado da cabeça.