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Verificou duas vezes a tela do computador sobre a cama de resfriamento, diminuiu as luzes e verificou novamente.

- No terceiro bipe será...

Saiu na ponta dos pés e voltou para a cabine de controle

- ...uma hora... trinta e quatro minutos... e vinte segundos.

A voz soava tão clara como se estivesse em um telefone em Londres, coisa que não estava, nem de longe.

Contemplou a noite escura. A estrela do tamanho de uma migalha brilhante de biscoito que conseguia ver lá longe era Zondostina ou, como era conhecida no mundo de onde vinha a voz afetada e cantarolante, Zeta de Plêiades.

A brilhante curva alaranjada que preenchia mais da metade da área visível era o gigante planeta gasoso Sesefras Magna, onde as naves de guerra xaxisianas atracavam e, logo acima do seu horizonte, via-se uma pequena lua azulada, Epun.

- No terceiro bipe será...

Durante vinte minutos ele ficou sentado, olhando enquanto a distância entre a nave e Epun diminuía, e o computador da nave arredondava e massageava os números que a aproximariam da órbita em torno da pequena lua, depois transformariam aquilo em uma órbita permanente, aprisionando e mantendo a nave ali, em perpétua obscuridade.

- uma hora... cinqüenta e nove minutos...

O seu plano inicial tinha sido o de desligar todas as sinalizações e emissões de radiação externas da nave para deixá-la o mais invisível possível, a não ser que você estivesse olhando diretamente para ela, mas então teve uma outra idéia e e achou que era muito melhor. A nave agora emitiria um único feixe contínuo, tão fino quanto um lápis, transmitindo o sinal de tempo recebido para o planeta de onde o sinal se origina

O sinal levaria uns quatrocentos anos para chegar lá à velocidade da luz mas certamente causaria uma boa comoção quando finalmente chegasse.

- Bipe-bipe... bipe.

Riu baixinho.

Não gostava de pensar que era uma dessas pessoas que riem baixinho ou seguram o riso, mas tinha de admitir que estava rindo baixinho e segurando o riso sem parar havia mais de meia hora.

- No terceiro bipe...

A nave estava agora quase perfeitamente alinhada em sua órbita perpétua ao redor de uma lua pouco conhecida e jamais visitada. Quase perfeito.

Faltava só uma coisa. Acionou novamente no computador a simulação do lançamento da cápsula de fuga da nave, estimando ações, reações, forças tangenciais e toda aquela poesia matemática do movimento e viu que estava tudo o.k.

Antes de sair, apagou as luzes.

Quando a sua minúscula navezinha de fuga partiu zunindo no início de sua viagem de três dias até a estação espacial de Porto Sesefron, acompanhou por alguns segundos um longo feixe de radiação, fino como um lápis, que estava começando uma viagem muito mais longa. No terceiro bipe serão duas horas... treze minutos... e cinqüenta segundos. Ele riu baixinho, segurando o riso. Gostaria de ter rido bem alto, mas não tinha espaço.

- Bipe... bipe... bipe.

capítulo 11

-Chuvas de abril, essas são especialmente detestáveis.

Apesar dos grunhidos evasivos de Arthur, o homem parecia determinado a conversar com ele. Chegou a pensar em levantar-se e ir para outra mesa, mas aparentemente não havia uma única mesa vazia no restaurante. Mexeu o seu café, irritado.

- Malditas chuvas de abril. Detesto, detesto, detesto.

Arthur estava olhando fixamente para fora da janela, franzindo a testa. Uma chuva fininha e ensolarada pairava sobre a estrada. Fazia dois meses que ele voltara para casa. Retomar a sua vida havia sido ridiculamente fácil. As pessoas tinham uma memória incrivelmente curta, inclusive ele. Oito anos de perambulações malucas pela Galáxia agora lhe pareciam não como uma espécie de pesadelo, mas como um filme gravado na tevê que ele deixara esquecido atrás de um armário, sem a menor vontade de assistir.

Um efeito que ainda permanecia, porém, era a sua alegria por estar de volta. Agora que a atmosfera da Terra havia se fechado de vez sobre a sua cabeça, pensou ele, completamente enganado, tudo no planeta lhe proporcionava um extraordinário prazer. Olhando o brilho prateado dos pingos chuva, sentiu-se na obrigação de discordar.

- Bem eu gosto delas - disse, de repente -, e por vários motivos. São leves e refrescantes. Cintilam e fazem a gente se sentir bem.

O homem bufou, debochado.

- É o que todos dizem - comentou, com a cara fechada, do outro canto na mesa. Era um motorista de caminhão. Arthur sabia disso porque o comentário inicial e absolutamente espontâneo havia sido: "Sou motorista de caminhão. E detesto dirigir na chuva. Irônico, não é? Irônico pra cacete."

Se havia uma conexão lógica oculta entre os dois fatos daquele comentário, Arthur não foi capaz de adivinhá-la e apenas resmungou de maneira afável, mas sem puxar papo. Ainda assim, o homem não tinha parado de falar naquela hora e continuava falando agora.

- Sempre dizem a mesma coisa sobre as insuportáveis chuvas de abril - disse ele. - Tão insuportavelmente boas, tão insuportavelmente refrescantes, um clima tão insuportavelmente agradável.

Inclinou-se para a frente, fazendo uma careta feia, como se estivesse prestes a dizer algo sobre o governo.

- O que eu quero saber é o seguinte: se o tempo vai ficar bom, por que - ele quase cuspiu não pode ficar bom sem essa maldita chuva?

Arthur desistiu. Decidiu abandonar o seu café, que estava quente demais para ser bebido depressa e ruim demais para ser bebido frio.

- Bom, vejo que já está de saída - disse, levantando-se. - Tchau. Deu uma parada na lojinha do posto de gasolina e depois atravessou o estacionamento, fazendo questão de desfrutar um pouco aquele agradável chuvisco no rosto. Havia até como pôde notar, um tênue arco-íris resplandecendo sobre colinas de Devon. Desfrutou aquilo também.

Entrou no seu velho mas amado Golf GTi preto cantando os pneus e seguiu, deixando para trás as ilhas de bombas de gasolina, em direção à estrada de acesso, de volta à rodovia principal.

Estava enganado ao pensar que a atmosfera da Terra havia finalmente se fechado, e se fechado para sempre, sobre a sua cabeça.

Estava enganado ao pensar que algum dia seria possível deixar para trás a emaranhada teia de irresoluções para a qual as suas viagens galácticas o haviam arrastado. Estava enganado ao pensar que podia esquecer que a Terra - imensa, sólida, oleosa, suja e pendurada em um arco-íris - na qual vivia não passava de um pontinho microscópico em um outro pontinho microscópico na infinitude inimaginável do Universo. Continuou dirigindo, cantarolando, redondamente enganado sobre todas essas coisas. O motivo pelo qual ele estava enganado estava parado na beira da estrada, cobrindo-se com um pequeno guarda-chuva.

O seu queixo caiu. Torceu o tornozelo contra o pedal do freio e derrapou tão violentamente que o carro quase capotou.

- Fenny! - gritou ele.

Tendo evitado por pouco não atingir a garota com o carro em si, atingiu-a com a porta do carro ao abri-la para que ela pudesse entrar. A porta bateu na mão da moça e fez com que deixasse cair seu guarda-chuva, que saiu rodopiando descontroladamente pela estrada.

- Merda! - gritou Arthur, enquanto saltava para fora do carro o mais gentilmente que podia, não sendo atropelado pelo "Fretes McKeena - Faça chuva ou faça sol" por um triz e assistindo, horrorizado, ele destruir o guarda-chuva de Fenny. O caminhão seguiu pela estrada, indiferente.

O guarda-chuva jazia como um pernilongo recém-esmagado, tristemente moribundo no chão. Pequenas rajadas de vento faziam com que ele estrebuchasse um pouco. Arthur o apanhou.

- Ah - disse ele. Não fazia muito sentido oferecer aquela coisa de volta para ela.

- Como é que você sabe o meu nome?

-Ah, bem - disse ele. - Olha, eu compro outro para você...

Olhou para ela e ficou fraco.