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Soava extremamente cética, como era de se esperar, e Arthur ficou desanimado. Aquele era o ambiente menos adequado, pensou, para tentar explicar a ela por que estava sentada ali, subitamente distante e na defensiva, que, numa espécie de sonho extracorpóreo, ele teve uma sensação telepática de que o colapso nervoso que ela sofrerá estava ligado ao fato de que a Terra, apesar das aparências contrárias, tinha sido demolida para abrir caminho para a construção de uma nova via expressa hiperespacial, algo que somente ele em todo o planeta sabia tendo realmente presenciado a demolição de dentro de uma nave vogon, e de que, além disso, o seu corpo e a sua alma desejavam insuportavelmente e ele precisava ir para a cama com ela tão rápido quanto fosse humanamente possível.

- Fenny - começou a dizer.

- Vocês gostariam de comprar alguns bilhetes da nossa rifa? Unzinho, pelo menos?

- Ele olhou para cima, irritado.

- Para ajudar a Anjie, que está se aposentando.

- O quê?

- Ela precisa de uma máquina de diálise.

Estava sendo abordado por uma senhora de meia-idade cadavericamente magra, usando um delicado conjuntinho de tricô um delicado permanentezinho e um delicado sorrisinho que provavelmente recebia freqüentes lambidas de delicados cachorrinhos. Ela estava segurando um bloquinho de rifas e uma latinha para coletar as contribuições.

- Custa apenas dez pence cada - disse ela -, então de repente dá para comprar até duas. Sem quebrar a conta! - Ela deu uma risadinha tilintante, seguida de um suspiro curiosamente longo. Ter dito "Sem quebrar a conta" obviamente lhe dera mais prazer do que qualquer outra coisa desde que alguns soldados americanos ficaram alojados na sua casa durante a Segunda Guerra.

- Ah, tá, tudo bem - respondeu Arthur, metendo a mão no bolso apressadamente e tirando algumas moedas.

Com uma moleza irritante e uma delicada teatralidade, se é que isso existe, a mulher destacou dois bilhetes, que entregou Para Arthur.

- Eu realmente espero que você ganhe - disse ela, com um sorriso que de repente se dobrou como um modelo avançado de origami. -Os prêmios são tão bons.

- Obrigado - respondeu Arthur, colocando os bilhetes no bolso meio bruscamente e olhando para o seu relógio.

Virou-se para Fenny

A mulher com os bilhetes de rifa também.

- E você, mocinha? - perguntou ela. - É para a máquina diálise de Anjie. Ela está se aposentando, sabe. E então? Levantou o sorrisinho ainda mais em seu rosto. Ela ia ter parar uma hora ou outra, ou a sua pele ia arrebentar.

- Está bem, aqui vai - disse Arthur, estendendo uma moeda de cinqüenta pence para ela, na esperança de que fosse logo embora

- Ah, estamos com dinheiro, hein? - disse a mulher com um longo suspiro sorridente. Viemos de Londres, não é?

Arthur gostaria que ela não falasse tão irritantemente devagar.

- Não, tudo bem, pode deixar - disse ele, agitando a mão mas já era tarde, ela estava começando a destacar os cinco bilhetes, um por um, com uma lentidão pavorosa.

- Ah, mas você tem que ficar com os bilhetes - insistiu a mulher - ou não vai poder pegar seu prêmio. E são ótimos prêmios, sabe. Muito apropriados.

Arthur apanhou os bilhetes e agradeceu o mais rapidamente que pôde. A mulher virou-se para Fenny novamente.

- E, agora, que tal...

- Não! - Arthur estava quase berrando. - Esses aqui são para ela - explicou ele, sacudindo os cinco novos bilhetes.

- Ah, sim, entendi! Que gentileza!

Ela atirou mais um sorriso nauseante para eles.

- Bem, eu realmente espero que...

- Está bem - cortou Arthur. - Obrigado.

A mulher finalmente partiu para a mesa ao lado. Arthur virou-se desesperadamente para Fenny e ficou aliviado ao ver que ela estava se sacudindo em uma risada silenciosa. Ele suspirou e sorriu.

- Onde estávamos?

- Você estava me chamando de Fenny e eu estava prestes te pedir para não me chamar mais assim.

Como assim?

Ela mexeu o seu suco de tomate com um longo palitinho de madeira.

- Foi por isso que eu perguntei se você era amigo do meu irmão. Do meu meio-irmão, na verdade. Ele é a única pessoa que me chama de Fenny e eu não gosto dele por causa disso.

- Então qual é...

- Fenchurch.

- O quê?

- Fenchurch.

- Fenchurch.

Ela lançou um olhar severo para ele.

- Isso mesmo - disse ela -, e eu estou te observando como um lince para ver se você vai me fazer a mesma pergunta idiota que todo mundo faz até eu ficar com vontade de gritar. Vou ficar chateada e decepcionada com você, se fizer. E vou gritar. Por isso, muito cuidado. Ela sorriu e sacudiu o cabelo, deixando que caísse sobre sua testa. Ficou olhando para Arthur por trás das mechas.

- Ah, isso é um pouquinho injusto, não é?

-É.

- Tudo bem.

- Tá bom - ela disse, rindo -, pode perguntar. Assim nos livramos logo disso. De qualquer forma, é melhor do que você ficar me chamando de Fenny o tempo todo.

- Possivelmente... - disse Arthur.

- Estão faltando apenas dois bilhetes, sabe, e já que você foi tão generoso agora há

pouco...

- O quê? - interrompeu Arthur.

A mulher do permanente, do sorriso e do agora praticamente vazio bloquinho de rifas estava sacudindo os dois últimos bilhetes debaixo do nariz de Arthur.

- Quis lhe dar essa chance, porque os prêmios são ótimos.

Franziu o nariz e acrescentou, confiante:

- De muito bom gosto. Tenho certeza de que vocês gostar. E é para o presente de aposentadoria de Anjie, sabe. Nós queremos lhe dar...

- Uma máquina de diálise, já sei - disse Arthur. - Aqui está.

Estendeu mais duas moedinhas de dez pence e apanhou os bilhetes. Um pensamento pareceu ocorrer então à mulher. Ocorreu bem devagarzinho. Era possível vê-lo chegando, como uma onda bem grande se aproximando da praia.

- Oh, Deus - disse ela. - Não estou interrompendo nada, estou? Olhou aflita para os dois.

- Não, tudo bem - respondeu Arthur. - Tudo o que poderia possivelmente estar bem insistiu ele -, está bem. Obrigado - acrescentou.

- Digo - ela disse, em um prazeroso êxtase de preocupação - vocês não estão... apaixonados, estão?

- Olha, é difícil dizer - respondeu Arthur. - Ainda não tivemos chance de conversar. Olhou de soslaio para Fenchurch. Ela estava sorrindo.

A mulher balançou a cabeça, num gesto cúmplice.

- Vou deixar vocês darem uma olhadinha nos prêmios em um minuto - disse ela e saiu. Arthur, suspirando, virou-se para a garota pela qual achava difícil dizer se estava apaixonado.

- Você ia me fazer uma pergunta - disse ela.

- Sim.

- Podemos fazer isso juntos se você quiser - disse Fenchurch. - Você queria saber se eu fui encontrada...

- ...em uma bolsa de mão - acrescentou Arthur.

- ...no balcão de Achados e Perdidos - disseram juntos.

- ...na estação de Fenchurch Street - terminaram.

- E a resposta - disse Fenchurch - é não.

- Exato - disse Arthur.

- Fui concebida lá.

- No balcão de Achados e Perdidos? - perguntou Arthur, espantado.

- Não claro que não. Não seja ridículo. O que meus pais estariam fazendo no balcão de Achados e Perdidos? - perguntou ela, meio confusa com aquele idéia.

- Bem eu não sei - disse Arthur, perplexo -, ou melhor...

- Foi na fila para comprar passagens.

- Na...

- Fila para comprar passagens. Pelo menos é o que eles dizem. Recusam-se a dar maiores explicações. Apenas dizem que ninguém imagina como é chato ficar parado na fila para comprar passagens na estação de Fenchurch Street.