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Tomou o seu suco de tomate, um pouco acanhada, e consultou o relógio. Arthur continuou gorgolejando por alguns minutos.

- Vou ter que ir daqui a pouquinho - disse Fenchurch - e você ainda nem começou a me contar qual é a coisa terrivelmente extraordinária que você queria tanto desabafar.

- Por que não me deixa levar você de carro até Londres? - perguntou Arthur. - Hoje é

sábado, eu não tenho nada de especial para fazer, eu...

- Não - respondeu Fenchurch -, obrigada, você é um doce, mas é melhor não. Preciso ficar sozinha por uns dias. - Ela sorriu e deu de ombros.

- Mas...

- Você pode me contar depois. Vou te dar o meu telefone.

O coração de Arthur começou a fazer bum bum tchacabum enquanto ela rabiscava sete números a lápis em um pedaço de papel que em seguida entregou a ele.

-Agora podemos relaxar - ela disse, com um sorriso calmo que preencheu Arthur a tal ponto que achou fosse explodir.

- Fenchurch - disse ele, gostando do som daquele nome -, eu...

- Uma caixa - disse uma voz arrastada - de licores de cereja e, sei que vão gostar disso, um disco com música de gaita de foles escocesa...

- Sim, obrigado, excelente - insistiu Arthur.

- Achei que deveria mostrar para vocês - disse a mulher do permanente - porque vieram de Londres...

Ela estava exibindo os prêmios orgulhosamente para Arthur. Ele podia ver que eram realmente uma caixa de licores de cereja e um disco de gaita de foles. Era exatamente o que eram.

- Vou deixar vocês tomarem os seus drinques em paz agora - disse ela, dando uma leve batidinha no ombro fervilhante de Arthur -, mas tinha certeza de que vocês gostariam de ver. Os olhos de Arthur encontraram os de Fenchurch novamente e, de repente, não soube mais o que dizer. O momento tinha surgido e ido embora, mas a sintonia entre eles fora arruinada por aquela maldita mulher imbecil.

- Não se preocupe - disse Fenchurch, olhando fixamente para ele por cima do seu copo -, vamos conversar novamente. - Tomou um gole do suco. - Talvez - acrescentou ela - não tivesse funcionado tão bem se não fosse por ela. - Ela deu um sorrisinho sutil e o seu cabelo caiu novamente sobre o rosto.

Isso era realmente verdade.

Ele tinha que admitir que era realmente verdade.

capítulo 13

Naquela noite, em casa, enquanto galopava pela casa fazendo de conta que estava correndo por entre campos de milho em câmera lenta e explodindo sem parar em ataques súbitos de riso, Arthur imaginou que poderia até mesmo agüentar ouvir o disco de gaita de foles que ganhara na rifa. Eram oito horas e ele havia decidido que se forçaria, que se obrigaria a ouvir o disco inteiro antes de ligar para ela. Talvez fosse até mesmo melhor deixar para o dia seguinte. Aquela talvez fosse a melhor coisa a fazer. Quem sabe, até mesmo para a próxima semana.

Não. Nada de jogos. Ele a desejava e não dava a mínima se alguém percebesse. Ele a desejava, definitiva e absolutamente, queria estar ao lado dela, adorava-a e tinha tantas coisas que queria fazer com ela que não haveria nomes suficientes para todas. Chegou a se surpreender dizendo coisas como "Iupi!" enquanto saltitava ridiculamente pela casa. Os olhos dela, o cabelo, a voz, tudo...

Parou.

Era melhor colocar o disco de gaita de foles de uma vez. E ligar para ela depois. Ou ligar para ela antes, que tal?

Não. Ia fazer o seguinte. Ia colocar o disco de gaita de foles. Ia ouvir o disco todo, até o último lamúrio. E só então ligaria para ela. Aquela era a ordem certa. Era aquilo que ia fazer. Tinha medo de tocar as coisas, achando que iria fazer que explodissem. Apanhou o disco. Ele não explodiu. Tirou da capa. Abri toca-discos, ligou o amplificador. Ambos sobreviveram. Dava risadas tolas enquanto pousava a agulha sobre o disco. Sentou-se e ouviu solenemente A Scottish Soldier.

Ouviu Amazing Grace.

Ouviu algo sobre um glen ou algo no gênero.

E relembrou a sua miraculosa hora do almoço.

Estavam prestes a sair quando foram perturbados por uma terrível explosão de "iúhuuuus". A pavorosa mulher de permanente estava acenando para eles do outro lado do recinto, como um pássaro idiota com a asa quebrada. Todo mundo no bar estava olhando para eles e pareciam esperar alguma resposta.

Não haviam ouvido a parte sobre quão satisfeita e feliz Anjie ficaria com as quatro libras e trinta pence que haviam conseguido recolher para ajudar a comprar sua máquina de diálise. Haviam percebido vagamente que alguém na mesa ao lado ganhara uma caixa de licores de cereja e levaram um momento ou dois para descobrir que a senhora do “iú-hu” estava tentando saber se o bilhete número 37 era deles.

Arthur descobriu que era, de fato. Olhou irritado para o relógio. Fenchurch lhe deu um empurrão.

- Vai lá - disse ela. - Vai lá buscar. Não seja mal-humorado. Faça um discurso bem bonito e diga o quanto está contente, depois você me liga e me conta como foi. Vou querer ouvir o disco, hein? Vai lá.

Ela deu um tapinha amigável no seu braço e foi embora.

Os fregueses acharam o seu discurso de agradecimento um pouco efusivo demais. Afinal, era só um disco de gaita de foles. Arthur lembrou de tudo, ouviu a música e continuou tendo acessos de riso.

capítulo 14

Trim trim.

Trim trim.

Trim trim.

- Alô, pois não? Sim, isso mesmo. Dá pra falar mais alto, tá a maior barulheira aqui. O

quê? [...] Não, eu só trabalho aqui no bar à noite. Quem fica aqui na hora do almoço é a Yvonne e o Jim, que é o dono. Não, eu não estava. O quê? [...] Fala mais alto, meu filho. [...] O quê?

[...] Não, não tô sabendo nada de rifa, não. [...] Não, realmente não sei nada sobre isso. Güenta aí, eu vou chamar o Jim.

A garçonete tapou o fone com a mão e chamou o Jim.

- Jim, tem um cara no telefone dizendo que ganhou uma rifa. Fica repetindo que tinha o bilhete 37 e que ganhou.

- Não, o cara que ganhou estava aqui no bar - gritou o barman.

- Ele tá querendo saber se o bilhete ficou aqui.

- Ué, como é que ele acha que ganhou se nem tem um bilhete?

- O Jim está perguntando como é que você sabe que ganhou se nem tem um bilhete. O

quê?

Ela tapou novamente o fone.

- Jim, ele fica me xingando, me enchendo a paciência, dizendo que tem um número no bilhete.

- Claro que tem um número no bilhete, era um maldito bilhete de rifa, né?

- Ele tá dizendo que tem um número de telefone no bilhete.

- Desliga esse telefone e vai servir os malditos clientes, tá?

capítulo 15

Oito horas a oeste, um homem sozinho estava sentado em uma praia, lamentando uma perda inexplicável. Só conseguia refletir sobre essa perda em pequenos pacotes de dor um de cada vez, porque se pensasse na coisa toda seria grande demais para suportar. Observava as grandes e lentas ondas do Pacífico avançando pela areia e esperava e esperava pelo nada que sabia que estava prestes a acontecer. Quando chegou a hora de nada não acontecer, realmente nada não acontecia e assim a tarde se consumia e o sol descia por trás da longa linha do mar e o dia chegava ao fim.

A praia era uma praia cujo nome não vamos citar, porque era onde ficava a sua casa particular, mas era uma pequena faixa arenosa dentre as centenas de milhas do litoral que parte de Los Angeles rumo ao oeste - o mesmo que é descrito em um verbete da nova edição do Guia do Mochileiro das Galáxias como "enlodada, enlameada, emporcalhada, embostada e mais aquela outra palavra que esqueci, além de várias outras coisas ruins", e em outro, escrito poucas horas depois, como "parecido com milhares de milhas quadradas de impressos de marketing do American Express, mas sem mesmo sentido de profundidade moral. E, além disso, por algum motivo o ar é amarelo".