- Eu ataquei novamente. Peguei outro biscoito. E, por um momento, os nossos olhos se encontraram.
- Assim?
- Sim, bem, não, não desse jeito. Mas se encontraram. Por um breve instante. E nós dois desviamos o olhar. Mas devo dizer - disse Arthur - que houve uma pequena eletrícidade no ar. Havia uma pequena tensão crescendo naquela mesa. Àquela altura.
- Imagino.
- Acabamos com o pacote assim. Ele, eu, ele, eu.
- O pacote todo?
- Bom, eram só oito biscoitos, mas parecia que toda uma vida de biscoitos havia se passado diante de nós. Nem mesmo os gladiadores enfrentavam algo tão difícil.
- Os gladiadores - disse Fenchurch - teriam que fazer tudo isso sob um sol forte. Exige mais do condicionamento físico.
- É, tem isso. Enfim. Quando o pacote vazio jazia morto entre nós, o cara finalmente se levantou, já tendo feito o pior e foi embora. Eu suspirei aliviado, é claro. Anunciaram o meu trem um pouco depois, então terminei o meu café, levantei, apanhei o jornal e, embaixo do jornal...
- Ahn?
- Estavam os meus biscoitos.
O quê? - perguntou Fenchurch. - O quê?
- É sério.
- Ela ficou sem ar e se jogou de costas na grama, morrendo de rir. Sentou-se novamente.
- Seu bobalhão - disse ela, levantando a voz -, seu bobo, tolo e completo idiota!
Empurrou Arthur para trás, rolou sobre ele, lhe deu um beijo e rolou de volta ao seu lugar. Ele ficou impressionado ao sentir como ela era leve.
- Agora é a sua vez de me contar uma história.
- Pensei - disse ela, com uma voz rouca e baixa - que você estivesse doido para voltar.
- Não estou com pressa - disse ele, aéreo -, quero que você me conte uma história. Ela olhou em volta, pensando.
-Tá bem - disse ela -, mas é uma história bem curta. E não é engraçada como a sua, mas... tudo bem.
Olhou para baixo. Arthur podia sentir que era um daqueles momentos. O ar parecia estar parado em torno deles, esperando. Arthur queria que o ar fosse embora, cuidar de sua própria vida.
- Quando eu era criança... - disse ela. - Essas histórias sempre começam assim, né?
"Quando eu era criança..." Tudo bem. É nesse ponto em que a garota diz, de repente, "Quando eu era criança" e começa a desabafar. Chegamos a esse ponto. Quando eu era criança, eu tinha esse quadro pendurado aos pés da cama... O que você está achando até agora?
- Estou gostando. Está fluindo bem. Você está conseguindo tornar o quarto interessante bem no início. Provavelmente seria bom desenvolver melhor a história do quadro.
- Era um desses quadros de que as crianças supostamente gostam - disse ela -, mas na prática não. Cheio de animaizinhos carinhosos, fazendo coisas carinhosas, sabe como é?
- Sei. Também fui atormentado por eles. Coelhos usando coletes.
- Exatamente. Na verdade, os meus coelhos estavam em uma balsa com ratos e corujas. Acho até que tinha uma rena
- Na balsa.
- Na balsa. E tinha um garoto sentado lá também.
- No meio dos coelhos de colete, das corujas e da rena
- Exatamente. Um garoto com aquele jeito de moleque cigano sorridente.
- Argh.
- O quadro me deixava preocupada, tenho que admitir. Tinha uma lontra nadando na frente da balsa e eu costumava ficar acordada à noite, preocupada com aquela lontra puxando a balsa, com todos aqueles animais desprezíveis lá dentro, que não deveriam nem estar numa balsa, para começar, e a pobre lontra tinha um rabo tão fininho para puxar a balsa... eu ficava imaginando que devia doer muito, puxar aquilo o tempo todo. A coisa me preocupava. Não muito, mas levemente, o tempo todo.
- Aí um dia - lembre-se de que eu olhava para esse quadro todas as noites, durante anos de repente percebi que a balsa tinha uma vela. Nunca tinha visto antes. A lontra estava bem, ela só estava nadando, na dela.
Ela deu de ombros.
- Gostou da história? - perguntou ela.
- O final é fraco - disse Arthur -, deixa a plateia perguntando "Sim, mas e daí?". A história estava indo bem, mas precisa de um fechamento antes dos créditos. Fenchurch riu e abraçou as pernas.
- Foi uma revelação tão inesperada, anos de preocupação quase despercebida subitamente abandonados, como se eu tirasse um peso das costas, como se o que era preto e branco passase a ser colorido, como uma plantinha seca finalmente regada. Aquele tipo de mudança de perspectiva súbita que dizer "Deixe as suas preocupações de lado, o mundo é um lugar maravilhoso e perfeito. Na verdade, tudo é muito fácil" Você deve estar achando que estou dizendo isso porque e senti assim hoje à tarde, ou algo do tipo, não é?
- Bem, eu... - disse Arthur, perdendo a compostura de repente.
- Não, tudo bem - disse ela. - É verdade. Foi exatamente assim que me senti. Mas, veja bem, já me senti assim antes, e foi até mais forte. Incrivelmente forte. Acho que sou do tipo disse ela, com o olhar perdido no horizonte - que tem revelações surpreendentes. Arthur estava confuso, mal conseguia falar e sentiu que era sábio, portanto, não tentar ainda.
- Foi muito estranho - disse ela, mais ou menos como teria dito um dos egípcios em perseguição a respeito do comportamento do mar Vermelho quando Moisés moveu seu cajado.
- Muito estranho - repetiu ela -, porque dias antes já estava sentindo uma coisa estranha crescendo dentro de mim, como se estivesse para dar à luz ou algo assim. Não, na verdade não foi bem isso, era mais como se eu estivesse sendo conectada a alguma coisa, aos poucos. Não, também não era isso, era como se toda a Terra, através de mim, fosse...
- O número quarenta e dois significa algo para você? - perguntou Arthur gentilmente.
- O quê? Não, sobre o que você está falando? - perguntou fenchurch.
- É so algo que me passou pela cabeça - murmurou Arthur.
- Arthur isso e muito importante para mim, e sério.
- Minha pergunta era bem séria - disse Arthur. - Já o Universo, bem, nunca tenho muita certeza sobre ele.
- O que você quer dizer com isso?
- Me conte o resto - disse ele. - Não se preocupe se parecer estranho. Acredite, você está
falando com alguém que já viu de tudo que é estranho - acrescentou ele. - E não esto referindo aos biscoitos.
Ela concordou com a cabeça e parecia acreditar nele. Derepente, agarrou o braço de Arthur.
- Foi tão simples - disse ela -, tão maravilhosa dinariamente simples, quando me ocorreu.
- O que foi? - perguntou Arthur, baixinho.
- Veja bem, Arthur - disse ela -, é isso que eu não sei mais. E a perda é insuportável. Se eu tento voltar até aquele momento, fica tudo confuso e, mesmo quando me esforço, chego até a parte da xícara de chá e depois acabo desmaiando.
- O quê?
- Bom, como na sua história, a melhor parte também aconteceu numa lanchonete. Eu estava lá sentada, tomando um chá. Isso aconteceu dias depois da tal sensação crescente de estar me conectando a alguma coisa. Acho que meu corpo estava até vibrando um pouco. O
prédio em frente à lanchonete estava em obras e eu estava observando pela janela, por cima da borda da minha xícara de chá, que para mim continua sendo a melhor maneira de observar os outros trabalhando. E aí, de repente, surgiu na minha cabeça uma mensagem, vinda de não sei onde. E ela era tão simples. Fazia com que tudo fizesse tanto sentido. Eu me endireitei na cadeira e pensei: “Ah! Ah, sim, então está tudo bem.” Fiquei tão sobressaltada que quase derrubei a xícara de cha..-verdade, derrubei, sim. É - acrescentou ela, pensativa -, tenho certeza de que derrubei mesmo. Você está entendendo.
- Estava, até a parte da xícara de chá.
Ela sacudiu a cabeça e depois sacudiu novamente, como se tentasse limpar a mente, que era exatamente o que estava tentando fazer.