tão grande quanto eu esperava."
O humor deles foi melhorando enquanto passeavam pela praia em Malibu e viam todos aqueles milionários em seus barracos de praia chiques, cada um vigiando cuidadosamente o outro para verificar o quão ricos estavam ficando.
O humor melhorou ainda mais quando o sol começou a descer na parte ocidental do céu. Quando voltaram para o seu carro chinfrim e dirigiram em direção a um pôr-do-sol diante do qual ninguém com um mínimo de sensibilidade sonha em construir uma cidade como Los Angeles, estavam se sentindo do surpreendente e irracionalmente felizes e nem se incomodavam que o rádio daquele carro velho só pegasse duas estações, ao mesmo tempo ainda por cima. E daí? Ambas estavam tocando o bom e velho rock'n'roll.
- Tenho certeza de que ele vai poder nos ajudar - disse Fenchurch, convicta. - Tenho certeza. Como é mesmo o nome dele aquele pelo qual gosta de ser chamado?
- Wonko, o São.
- Tenho certeza de que ele vai poder nos ajudar.
Arthur se perguntava se Wonko ajudaria mesmo e esperava que sim, e torcia para que o que Fenchurch perdera pudesse ser encontrado aqui, nesta Terra, fosse lá o que esta Terra fosse. Ele esperava, assim como tinha esperado ininterrupta e fervorosamente desde o dia em que conversaram às margens do Serpentine, que não lhe obrigassem a lembrar de coisas que ele firme e deliberadamente enterrara nos recantos mais remotos da sua memória, onde esperava que as lembranças parassem de implicar com ele.
Pararam em Santa Bárbara em um restaurante de frutos do mar, instalado no que parecia ser um armazém reformado.
Fenchurch pediu um salmonete e disse que estava uma delícia.
Arthur pediu um filé de peixe-espada e disse que estava irritado. Puxou o braço de uma garçonete que ia passando e a repreendeu:
- Por que diabos esse peixe está tão gostoso? - perguntou ele, irado.
- Por favor, desculpe o meu amigo - disse Fenchurch para a garçonete assustada. - Acho que ele está tendo um grande dia.
capítulo 31
Se você pegasse dois David Bowies e colocasse um David Bowie em cima do outro, depois colocasse um David Bowie na extremidade de cada braço do David Bowie que estava por cima e daí cobrisse tudo com um roupão de praia sujo, você teria algo que não seria exatamente parecido com John Watson, mas aqueles que o conheciam na certa o julgariam assombrosamente familiar.
Ele era alto e desengonçado.
Quando ficava sentado na sua espreguiçadeira contemplando o Pacífico, não mais com nenhum tipo de desconfiança tresloucada, e sim com uma profunda e tranqüila tristeza, era um pouco difícil dizer exatamente onde terminava a espreguiçadeira e onde começava o homem, e você hesitaria em colocar a mão, digamos, no seu antebraço, temendo que toda a estrutura se fechasse com um estalo e arrancasse o seu dedão.
Mas o seu sorriso, quando se virava para você, era extraordinário. Parecia ser composto de todas as piores coisas que a vida pode fazer com uma pessoa, mas que, quando ele reagrupava rapidamente naquela ordem específica em seu rosto, fazia com que você sentisse que "ah, bom, então está tudo bem".
Quando ele falava, você ficava contente por ele usar o sorriso que o fazia sentir-se assim com bastante freqüência.
- Ah, sim - disse ele - , eles vêm me ver. Eles sentam aí mesmo. Aí onde vocês estão sentados.
Estava falando sobre os anjos com barbas douradas, asas verdes e sandálias ortopédicas do Dr. Scholl.
- Comem nachos, porque dizem que lá, de onde eles vêm, não tem nada parecido. São viciadões em cocaína e maravilhosos, no geral.
- São mesmo? - perguntou Arthur. - É mesmo? Então... quando é que isso acontece?
Quando eles vêm?
Arthur também voltou os seus olhos para o Pacífico. Havia pequenos ituituís correndo ao longo do litoral e, aparentemente, todos com o mesmo problema: precisavam encontrar comida na areia logo após a onda ter retornado para o mar, mas não suportavam ter de molhar os pezinhos. Para contornar o problema, corriam de um jeito esquisito, como se tivessem sido criados por alguém muito esperto na Suíça.
Fenchurch estava sentada no chão, desenhando umas figuras na areia, vagarosamente.
- Geralmente nos fins de semana - respondeu Wonko, o São -, em pequenas motonetas. São ótimas máquinas. - Ele sorriu.
- Entendi - comentou Arthur. - Entendi.
Uma tosse de Fenchurch chamou a sua atenção e ele olhou para ela. Havia rascunhado uma imagem na areia, representando os dois nas nuvens. Por um momento, ele achou que ela estava tentando deixá-lo excitado, depois percebeu que aquilo era uma reprimenda. "Quem somos nós", ela estava querendo dizer, "para dizer que ele é louco?" A casa dele era certamente peculiar, e, como essa foi a primeira coisa que Fenchurch e Arthur encontraram, ajudaria Se vocês soubessem como ela era.
Era assim:
Do avesso.
Do avesso mesmo, a ponto de terem de estacionar no carpete
Ao longo do que normalmente chamaríamos de parede externa, muito bem decorada em um elegante tom de rosa havia estantes, duas daquelas estranhas mesinhas de três pés, com tampo semicircular, que dão a impressão de que alguém acabou de derrubar a parede no meio delas, e quadros que foram claramente produzidos para relaxar. O que ficava realmente estranho era o teto.
Dobrava-se sobre si mesmo, como algo que Maurits C. Escher (caso ele fosse chegado a madrugadas de farra na cidade, coisa que esta narrativa não visa de modo algum sugerir, embora seja difícil, ao olhar para os seus quadros, especialmente aquele dos degraus, não pensar a respeito) poderia ter sonhado ao chegar de uma delas, pois os pequenos candelabros que deveriam estar pendurados do lado de dentro estavam do lado de fora, apontando para cima.
Confuso.
A placa na porta da frente dizia "Entre Fora" e assim, meio apreensivos, eles fizeram. Dentro, é claro, era onde ficava Fora. Alvenaria rústica, pintura bem-feita, calhas em ordem, um pequeno jardim, algumas árvores, alguns quartos dando para fora. E as paredes internas estendiam-se para baixo, dobrando-se curiosamente e alargavam-se no fim como se - em uma ilusão de ótica que teria feito Maurits C. Escher franzir a testa e se perguntar como havia sido criada - envolvesse o próprio oceano Pacífico.
- Oi - disse John Watson, Wonko, o São.
Ótimo, pensaram consigo mesmos, "Oi" é algo com o qual podemos lidar.
- Oi - responderam eles e, surpreendentemente, todos sorriram. Durante um bom tempo ele pareceu curiosamente relutante em falar sobre os golfinhos, aparentando estar estranhamente distraído e dizendo "Esqueci..." sempre que eles tocavam no assunto, após ter mostrado aos dois, não sem um certo orgulho, as excentricidades da sua casa.
- Isso me dá prazer - disse ele - de uma maneira bem peculiar e não causa nenhum mal que um bom oculista não possa corrigir.
Gostaram dele. Tinha um jeitão aberto, cativante e parecia ser capaz de debochar de si mesmo antes que outra pessoa o fizesse.
- A sua mulher - disse Arthur, olhando à sua volta - mencionou uns palitos de dente. Disse isso com um olhar acossado, como se estivesse achando que a qualquer momento ela sairia de trás de uma porta para mencioná-los novamente.
Wonko, o São, deu uma gargalhada. Era uma risada leve e franca que, aparentemente, ele já usara muitas vezes e que o deixava muito satisfeito.
- Ah, sim - disse ele -, isso tem a ver com o dia em que finalmente percebi que o mundo tinha enlouquecido completamente e decidi construir o Asilo e colocá-lo lá dentro, coitadinho, torcendo para que ficasse melhor logo.
Foi nessa hora que Arthur voltou a ficar um pouquinho nervoso.
- Aqui - explicou Wonko, o São - estamos fora do Asilo. - Apontou novamente para a alvenaria rústica, a pintura, as calhas. - Atravesse aquela porta - ele apontou para a primeira porta pela qual haviam entrado - e você entrará no Asilo. Tentei decorá-lo direitinho, para deixar os internos contentes, mas não é possível ir muito além. Nunca entro lá. Se por acaso me sinto tentado, o que raramente acontece atualmente, basta dar uma olhadinha na placa pendurada na porta que dou no pé imediatamente.