Eles balançaram a cabeça, em um gesto negativo lento e silencioso.
- Talvez - disse ele -, vocês devessem.
capítulo 32
O profundo clamor do oceano.
As ondas dissolvendo-se na arrebentação em litorais mais longínquos do que o pensamento pode imaginar.
Os silenciosos trovões das profundezas.
Em meio a isso, vozes falando, vozes que não são vozes, trinados, morfemas, as canções semi-articuladas do pensamento.
Saudações, ondas de saudações, deslizando novamente até o inarticulado, palavras na arrebentação.
Uma onda de mágoa chocando-se nos litorais da Terra.
Ondas de alegria em - onde? Um mundo indescritivelmente descoberto, indescritivelmente alcançado, indescritivelmente molhado, uma canção de água.
Súbito, uma fuga de vozes, explicações clamorosas sobre um desastre irreversível, um mundo a ser destruído, uma onda de impotência, um espasmo de desespero, uma queda fatal e novamente palavras na arrebentação.
E então um fio de esperança, a descoberta da sombra de uma Terra nas implicações do tempo redobrado, dimensões submersas, a tração dos paralelos, profunda tração, a torção da yontade, seu arremesso e a rachadura, a passagem. Uma nova Terra puxada para o mesmo lugar; os golfinhos se foram.
Então, uma única voz espantosamente clara.
- Este aquário é um oferecimento da Campanha para Salvar os Humanos. Adeus para vocês.
Depois o som de corpos grandes, pesados e perfeitamente cinzentos, girando para uma profundeza desconhecida e insondável, rindo baixinho.
capítulo 33
Naquela noite ficaram Fora do Asilo e assistiram à tevê que vinha de dentro.
- Era isso o que eu queria que vocês vissem - disse Wonko, o São, quando repetiram as notícias na tevê. - Um antigo colega meu. Ele está no país de vocês conduzindo uma investigação. Vejam isso.
Era uma coletiva de imprensa.
"Receio não poder mencionar o nome Deus da Chuva no momento. Acreditamos que seja um exemplo de um Fenômeno Meteorológico Paracausal Espontâneo.
"O senhor pode nos explicar o que isso significa?
"Ainda não sei ao certo. Mas sejamos francos: quando encontramos alguma coisa que não compreendemos, gostamos de chamá-la usando um nome que vocês também não possam compreender e, de preferência, sequer consigam pronunciar. Digo, se deixássemos vocês saírem por aí chamando o sujeito de Deus da Chuva, ia parecer que vocês sabem de alguma coisa que nós não sabemos, o que seria totalmente inadmissível.
“Então, não, primeiro temos que encontrar um nome que deixe bem claro que isso é coisa nossa e não de vocês. Depois damos um jeito de provar que ele não é nada do que vocês disseram e sim aquilo que dissermos que é.
"Para terminar, mesmo que vocês estejam corretos ainda assim estarão errados, porque diremos que ele é... ah... 'Sobrenormal' - não paranormal ou sobrenatural, porque vocês acham que já sabem o significado destas palavras, não, será um 'Indutor de Precipitação Incremental Sobrenormal'. É bem provável que alguém consiga encaixar um quasi aí no meio, por precaução. Deus da Chuva! Bolas, nunca ouvi uma coisa tão absurda em toda a minha vida. Óbvio, contudo, que vocês não vão me pegar saindo de férias com o sujeito. Obrigado, é tudo que tenho a dizer por enquanto, gostaria apenas de mandar um 'oi' para o Wonko, se ele estiver assistindo."
capítulo 34
No avião de volta para Londres a mulher que estava sentada ao lado deles olhava os dois de forma bem estranha. Eles conversavam baixinho entre si.
- Eu ainda tenho que descobrir isso - disse Fenchurch - e tenho certeza absoluta de que você sabe de alguma coisa que não quer me contar.
Arthur suspirou e apanhou um pedaço de papel.
- Você tem um lápis aí? - perguntou ele. Ela revirou a bolsa e encontrou um.
- O que você está fazendo, querido? - perguntou ela, depois de observar Arthur durante vinte minutos, franzindo a testa, mordiscando o lápis, rabiscando algumas coisas no papel, riscando outras, rabiscando novamente e resmungando irritado.
- Estou tentando me lembrar de um endereço que alguém me deu uma vez.
- A sua vida seria infinitamente mais simples - disse ela -se você comprasse um caderninho de endereços.
Finalmente ele passou o papel para ela.
- Fique com isso - pediu ele.
Ela olhou para o papel. Em meio a todas as anotações e os rabiscos, Arthur escrevera as palavras "Montanhas de Quentulus Quazgar. Sevorbeupstry. Planeta Preliumtarn. Sol Zarss. Setor Galáctico QQ7, Ativo J Gama".
- E o que é que tem lá?
- Aparentemente - respondeu Arthur - é a Mensagem Final de Deus para a Sua Criação.
- Ah, agora sim a coisa está ficando interessante - disse Fenchurch. - E como é que a gente chega lá?
- Você tem certeza de que...?
- Quero, sim - respondeu Fenchurch, decidida. - Eu preciso saber. Arthur olhou pela janelinha do avião para o céu aberto lá fora.
- Com licença - disse, de repente, a mulher que estava olhando os dois com uma cara esquisita. - Espero que não me achem grosseira. É que fico tão entediada nesses vôos muito longos e é sempre bom conversar com alguém. O meu nome é Enid Kapelsen, eu sou de Boston. E vocês? Voam muito?
capítulo 35
Foram para a casa de Arthur no West Country, enfiaram algumas toalhas e algumas coisinhas em uma mochila e depois ficaram sentados fazendo o que todo mochileiro galáctico acaba fazendo na maior parte do seu tempo. Ficaram esperando um disco voador passar.
- Um amigo meu fez isso durante quinze anos - disse Arthur em uma noite, quando estavam sentados observando o céu, desanimados.
- Quem?
- O nome dele era Ford Prefect.
Arthur se pegou fazendo algo que jamais imaginara fazer novamente. Quis saber por onde andava Ford Prefect.
Por uma extraordinária coincidência, no dia seguinte saíram duas matérias no jornal, uma sobre incidentes espantosos com um disco voador e a outra sobre uma série de brigas indecorosas em bares.
Ford Prefect apareceu um dia depois desse, com ressaca, e queixando-se de que Arthur nunca atendia o telefone.
Ele aparentava estar realmente muito mal, não só como se tivesse sido puxado através de uma cerca viva ao contrário, mas como se a cerca viva em si estivesse ao mesmo tempo sendo puxada ao contrário através de uma ceifadeira e debulhadora. Cambaleou pela sala de Arthur, rejeitando todas as ofertas de ajuda, o que foi um erro, porque o esforço fez com que ele perdesse o equilíbrio de vez, e Arthur teve, no fim das contas, que arrastá-lo até o sofá.
- Obrigado - disse Ford -, muito obrigado. Você tem... - disse ele, e dormiu por três horas seguidas.
- ...idéia - continuou subitamente, quando voltou a si - de como é difícil acessar o sistema telefônico britânico estando nas Plêiades? Estou vendo que não, então vou te contar - disse ele
-, assim que você me trouxer uma xícara bem grande do café bem forte que você vai preparar agora.
Seguiu Arthur até a cozinha, mal se agüentando em pé.
- As retardadas das telefonistas ficam te perguntando de onde você está falando, você vai e diz que é de Letchworth e elas dizem que não é possível, estando naquele circuito. O que você
está fazendo?
- Café para você.
- Ah, tá. - Ford pareceu curiosamente decepcionado. Olhou à sua volta, com muito desânimo. - O que é isso? -perguntou ele.
- Flocos de arroz.
- E isso?
- Páprica.
- Sei - disse Ford, solene, devolvendo ambos à mesa, um sobre o outro. Constatou que a coisa não parecia muito equilibrada, então inverteu a posição e achou melhor assim.
- Ainda estou sofrendo com o jet lag espacial - explicou. - O que eu estava dizendo mesmo?