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o trabalho de Lifshitz e Khalatnikov foi válido porque mostrou que o Universo *podia* (10) ter tido uma singularidade, um *bib bang*, se a teoria da relatividade geral estivesse correcta. Contudo, não resolvia a pergunta cruciaclass="underline" a relatividade geral encerra a inevitabilidade do *bib bang*, um início dos tempos? A resposta surgiu de uma abordagem completamente diferente do problema, apresentada por um matemático e físico britânico, Roger Penrose, em 1965.

(10) Isto é, que apesar de os modelos generalizados de Friedmann predizerem com toda a aproximação pretendida o Universo actual, nomeadamente os movimentos laterais das galáxias, outros modelos mais elaborados conduzem-nos também, para trás no tempo, à singularidade inicial (*N. do R.*).

Utilizando a maneira como os cones de luz se comportam na relatividade geral juntamente com o facto de a gravidade ser sempre atractiva, mostrou que uma estrela :, que entra em colapso devido à própria gravidade fica presa numa região cuja superfície acaba eventualmente por contrair-se até zero. E como a superfície da região se contrai até zero, o mesmo se deve passar com o seu volume. Toda a matéria existente na estrela será comprimida numa região de volume nulo, de modo que a densidade da matéria e a curvatura do espaço-tempo se tornam infinitas. Por outras palavras, obtém-se uma singularidade contida numa região de espaço-tempo conhecida por buraco negro.

À primeira vista, o resultado de Penrose aplicava-se apenas às estrelas; nada tinha a ver com a questão de saber se o Universo teve ou não teve uma singularidade no passado. Contudo, na altura em que Penrose apresentou o seu teorema, eu era um estudante de investigação que procurava desesperadamente um problema para completar a minha tese de doutoramento. Dois anos antes tinham-me diagnosticado ALS, vulgarmente conhecida por doença de Gehrig, ou neuropatia motora, e tinham-me dado a entender que só tinha mais um ou dois anos de vida. Nessas circunstâncias, não parecia valer muito a pena trabalhar na minha tese de doutoramento, pois não esperava viver o tempo suficiente. Contudo, passados dois anos, eu não tinha piorado muito. Na realidade, as coisas até me corriam bastante bem e tinha ficado noivo de uma excelente rapariga, Jane Wilde. Mas, para poder casar, tinha de arranjar emprego e, para arranjar emprego, precisava do doutoramento.

Em 1965, tomei conhecimento do teorema de Penrose de que qualquer corpo que entre em colapso gravitacional tem de formar eventualmente uma singularidade. Depressa compreendi que, se se trocasse o sentido do tempo no teorema de Penrose, de modo a transformar o colapso numa expansão, as condições do teorema manter-se-iam, desde que o Universo se comportasse, a grande escala e no tempo actual, mais ou menos como no modelo :, de Friedmann. O teorema de Penrose mostrou que qualquer estrela em colapso devia acabar numa singularidade; o argumento com o tempo ao contrário mostrava que qualquer universo em expansão semelhante ao de Friedmann *devia* ter começado com uma singularidade. Por razões técnicas, o teorema de Penrose requeria que o Universo fosse infinito no espaço. Nestas circunstâncias, pude realmente utilizá-lo para provar que só teria de haver uma singularidade se o Universo estivesse a expandir-se suficientemente depressa para evitar entrar em colapso (uma vez que só aqueles modelos de Friedmann eram infinitos no espaço).

Durante os anos seguintes, desenvolvi novas técnicas matemáticas para remover esta e outras condições técnicas dos teoremas que provavam que tinham de ocorrer singularidades. O resultado final foi um trabalho produzido em conjunto por Penrose e por mim, em 1970, que provou por fim que deve ter havido uma singularidade, contanto que a teoria da relatividade geral esteja correcta e o Universo contenha tanta matéria como a que observamos. Houve grande oposição ao nosso trabalho, em parte dos soviéticos, por causa da sua fé marxista no determinismo científico, e em parte de pessoas que achavam que a própria ideia de singularidade era repugnante e estragava a beleza da teoria de Einstein. No entanto, não se pode discutir realmente com um teorema matemático. Deste modo, no fim, o nosso trabalho foi geralmente aceite e hoje em dia quase toda a gente admite que o Universo começou com a singularidade do *bib bang*. Talvez seja irónico que, tendo eu mudado de ideias, esteja agora a tentar convencer outros físicos que não houve na realidade qualquer singularidade no começo do Universo; como veremos mais tarde, a singularidade pode desaparecer quando tivermos em conta os efeitos quânticos.

Vimos neste capítulo como, em menos de metade de um século, se transformou a ideia que o Homem fazia do Universo, :, ideia formada durante milhares de anos. A descoberta de Hubble de que o Universo estava em expansão e a compreensão da insignificância do nosso planeta na sua vastidão foram apenas o ponto de partida. À medida que aumentavam as provas experimentais e teóricas, tornou-se cada vez mais claro que o Universo deve ter tido um começo no tempo, até que, em 1970, isso foi finalmente provado por Penrose e por mim, com base na teoria da relatividade geral de Einstein. Essa prova mostrou que a relatividade geral é apenas uma teoria incompleta: não pode dizer-nos como surgiu o Universo porque prediz que todas as teorias físicas, incluindo ela própria, falham no começo do Universo. Contudo, a relatividade geral afirma ser apenas uma teoria parcial, de modo que o que os teoremas de singularidade mostram realmente é que deve ter havido um tempo nos primórdios do Universo em que este era tão pequeno que já não podíamos continuar a ignorar os efeitos de pequena escala da outra grande teoria parcial do século XX, a mecânica quântica. No princípio dos anos 70, então, fomos forçados a voltar as nossas investigações para uma compreensão do Universo, da nossa teoria do infinitamente grande para a nossa teoria do infinitamente pequeno. Essa teoria da mecânica quântica será descrita a seguir, antes de passarmos aos esforços para combinar as duas teorias parciais numa única teoria quântica da gravidade.

IV. O Princípio da Incerteza

O êxito das teorias científicas, sobretudo da teoria da gravitação de Newton, levou o cientista francês Marquês de Laplace, no início do século XIX, a argumentar que o Universo era completamente determinista. Laplace sugeriu que devia haver um conjunto de leis científicas que nos permitissem predizer tudo o que aconteceria no Universo, bastando para isso sabermos qual era o seu estado completo num determinado momento. Por exemplo, se conhecêssemos as posições e velocidades do Sol e dos planetas em determinado momento, podíamos usar as leis de Newton para calcular o estado do sistema solar em qualquer outro momento. O determinismo parece bastante óbvio neste caso, mas Laplace foi mais longe, admitindo que havia leis semelhantes que governavam tudo o mais, incluindo o comportamento humano.

A doutrina do determinismo científico recebeu forte oposição de muitas pessoas, que achavam que ela infringia a liberdade de Deus intervir no mundo, mas manteve-se como hipótese padrão da ciência até aos primeiros anos deste século. Uma das primeiras indicações de que esta crença teria de ser abandonada surgiu quando cálculos elaborados pelos cientistas britânicos Lord Rayleigh e Sir James Jeans sugeriram que um objecto ou corpo :, quente, tal como uma estrela, devia radiar energia a uma taxa infinita. Segundo as leis em que acreditávamos na altura, um corpo quente devia emitir ondas electromagnéticas (tais como ondas de rádio, luz visível ou raios X) em quantidades iguais em todas as frequências (1). Por exemplo, um corpo quente devia radiar a mesma quantidade de energia em ondas com frequências compreendidas entre um e dois milhões de milhões de ondas por segundo, assim como em ondas com frequências compreendidas entre dois e três milhões de milhões de ondas por segundo. Ora, como o número de ondas por segundo não tem limite, isso significaria que a energia total radiada seria infinita.