fig.4.1
A interferência também pode ocorrer com partículas devido à dualidade introduzida pela mecânica quântica. Um exemplo famoso é a chamada experiência das duas fendas (Fig. 4.2). Consideremos uma divisória com duas estreitas fendas paralelas. De um dos lados da divisória, coloca-se uma fonte de luz de uma cor particular (ou seja, de um comprimento de onda determinado). A maior parte da luz atingirá o separador, mas apenas uma pequena quantidade passará pelas fendas. Suponhamos agora que se coloca um alvo do outro lado da divisória, afastado da luz. Qualquer ponto do alvo receberá ondas das duas fendas. Contudo, em geral, a distância que a luz tem de percorrer a partir da fonte até ao alvo através das duas fendas será diferente. Isto significará que as ondas das fendas estarão desfasadas uma da outra quando atingirem o alvo: em alguns pontos, as ondas anular-se-ão mutuamente e em outros reforçar-se-ão. O resultado é o padrão característico de franjas claras e escuras.
fig. 4.2
O que é notável é que se obtém exactamente a mesma espécie de franjas de interferência substituindo a fonte luminosa por uma fonte de partículas como os electrões :, com uma velocidade definida (o que significa que as ondas correspondentes têm um comprimento definido). Parece ainda mais estranho porque, quando há só uma fenda, não obtemos franjas, mas sim uma distribuição uniforme de electrões ao longo do alvo. Poder-se-ia então pensar que a abertura de outra fenda aumentaria apenas o número de electrões que atingem cada ponto do alvo mas, devido à interferência, o que realmente acontece é esse número diminuir em alguns pontos. Se os electrões forem enviados um de cada vez através das fendas, será de esperar que cada um passe por uma ou por outra, e assim se comporte como se a fenda através da qual passou fosse a única, dando uma distribuição uniforme no alvo. Contudo, na realidade, mesmo quando os electrões são enviados um por um, as franjas continuam a aparecer. Portanto, cada electrão deve estar a passar através de *ambas* as fendas ao mesmo tempo!
O fenómeno da interferência entre partículas tem sido crucial para a nossa compreensão da estrutura dos átomos, as unidades fundamentais da química e da biologia e os blocos de construção de que nós e tudo o que nos rodeia somos formados. No começo deste século, pensava-se que os átomos eram bastante parecidos com os planetas em órbita à volta do Sol, com os electrões (partículas de electricidade negativa) em órbita à volta de um núcleo central, com electricidade positiva. Supunha-se que a atracção entre a electricidade positiva e negativa mantinha os electrões nas suas órbita, do mesmo modo que a atracção gravitacional entre o Sol e os planetas os mantém nas suas órbitas. O problema era que as leis da mecânica e da electricidade, antes da mecânica quântica, prediziam que os electrões perderiam energia e mover-se-iam em espiral para dentro até colidirem com o núcleo. Tal significaria que o átomo e, na realidade, toda a matéria, atingiria rapidamente o colapso num estado de densidade muito grande. Em 1913, o cientista dinamarquês Niels Bohr encontrou uma solução parcial para o problema. Bohr sugeriu que talvez os electrões não orbitassem a uma distância qualquer do núcleo central, mas apenas a certas distâncias específicas. Se também supuséssemos que um ou dois electrões podiam orbitar a qualquer uma dessas distâncias, estaria resolvido o problema do colapso do átomo, porque os electrões não poderiam mover-se para dentro em espiral senão para preencher órbitas com menores distâncias e energias.
O modelo explicava bastante bem a estrutura do átomo mais simples, o hidrogénio, que tem apenas um electrão em órbita à volta do núcleo. Mas continuava a não ser claro como aplicá-lo a átomos mais complicados. Além disso, a ideia de um conjunto limitado de órbitas permitidas parecia muito arbitrária. A nova teoria da mecânica quântica resolveu esta dificuldade. Revelou que um electrão em órbita à volta do núcleo podia ser considerado como uma onda, com um comprimento que dependia da sua velocidade. O comprimento de certas órbitas corresponderia a um número inteiro (em oposição a um número fraccionário) de comprimentos de onda do electrão. Para estas órbitas, a crista da onda estaria na mesma posição em cada volta, de modo que as ondas se adicionariam: corresponderiam às órbitas permitidas de Bohr. Contudo, para órbitas cujos comprimentos não eram um número inteiro de comprimentos de onda, cada crista seria eventualmente anulada por uma cava quando os electrões dessem a volta; essas órbitas não seriam permitidas.
Uma boa maneira de visualizar a dualidade onda/partícula é a chamada soma sobre histórias apresentada pelo cientista americano Richard Feynman. Nesta apresentação do problema, a partícula não tem uma única história ou trajectória no espaço-tempo, como teria numa teoria clássica não quântica. Em vez disso, deverá ir de A para B :, por todas as trajectórias possíveis. A cada trajectória estão associados dois números: um representa o tamanho da onda (4) e o outro a sua fase (ou seja, se se trata de uma crista ou de uma cava). A probabilidade de ir de A para B encontra-se somando as ondas para todas as trajectórias. Em geral, se compararmos um conjunto de trajectórias vizinhas, as fases ou posições no ciclo apresentarão grandes diferenças. Isto significa que as ondas associadas a essas trajectórias se anulam umas às outras quase exactamente. Contudo, para alguns conjuntos de trajectórias vizinhas, a fase não varia muito entre elas. As ondas para estas trajectórias não se anulam. São essas as trajectórias que correspondem às órbitas permitidas de Bohr.
(4) O comprimento de onda (*N. do R.*).
Com estas ideias, numa formulação matemática concreta, foi relativamente fácil calcular as órbitas permitidas em átomos mais complicados e até em moléculas, constituídas por um número de átomos unidos por electrões que partilham mais de um núcleo. Uma vez que a estrutura das moléculas e as suas reacções mútuas estão na base de toda a química e de toda a biologia, a mecânica quântica permite-nos, em princípio, predizer quase tudo o que vemos à nossa volta, dentro dos limites impostos pelo princípio da incerteza. (Contudo, na prática, os cálculos necessários para sistemas que contenham mais do que alguns electrões são tão complicados que não podemos fazê-los).
A teoria da relatividade geral de Einstein parece governar a estrutura do Universo a grande escala. É uma teoria clássica, ou seja, não faz caso do princípio da incerteza da mecânica quântica, como devia, para consistência com outras teorias. O motivo pelo qual isto não leva a qualquer discrepância com a observação é que todos os campos gravitacionais que normalmente encontramos são muito fracos. Contudo, os teoremas sobre singularidades :, de que falámos atrás indicam que o campo gravitacional devia tornar-se muito forte em pelo menos duas situações: os buracos negros e o *big bang*. Em campos tão fortes como esses, os efeitos da mecânica quântica deviam ser importantes. Assim, em certo sentido, a relatividade geral clássica, ao predizer pontos de densidade infinita, prediz a sua própria ruína, tal como a mecânica clássica (ou seja, não quântica) predisse a sua ruína, sugerindo que os átomos haviam de colapsar em pontos de densidade infinita. Não temos ainda uma teoria consistente completa que unifique a relatividade geral e a mecânica quântica, mas conhecemos algumas das características que deveria possuir. As consequências que isto teria para os buracos negros e para o *big bang* serão descritas nos capítulos finais. Por agora, porém, volveremos a nossa atenção para as tentativas recentes de compreensão das outras forças da natureza: a teoria quântica unificada.