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V. As Partículas Elementares

e as Forças da Natureza

Aristóteles acreditava que toda a matéria do Universo era constituída por quatro elementos fundamentais: terra, ar, fogo e água (1). Estes elementos sofriam o efeito de duas forças: a gravidade (tendência da terra e da água para descerem) e a volatilidade (tendência do ar e do fogo para subirem) (2). Esta divisão do conteúdo do Universo em matéria e forças ainda hoje é utilizada.

(1) Cf. a nota da página 28 (*N. do R.*).

(2) O movimento da oitava esfera, a esfera das fixas, comunicava-se à esfera da Lua. O movimento da Lua, por sua vez, causava, por fricção, a mistura dos quatro elementos que compunham o mundo sublunar. Assim, o movimento da oitava esfera era responsável pelo movimento no sentido lato aristotélico: pela génese e pela corrupção (*N. do R.*).

Aristóteles acreditava também que a matéria era contínua, ou seja, que se podia dividir um pedaço de matéria em bocadinhos cada vez mais pequenos, sem limite: nunca se chegava a um grão de matéria que não pudesse ser dividido mais uma vez. Alguns gregos, no entanto, como Demócrito, asseguravam que a matéria era granulosa e que tudo era constituído por grandes quantidades de várias espécies de átomos. (A palavra *átomo* significa em grego :, "indivisível"). Durante séculos, a discussão manteve-se, sem qualquer prova efectiva para qualquer dos lados, mas em 1803 o químico e físico britânico John Dalton chamou a atenção para o facto de os compostos químicos se combinarem sempre em certas proporções, o que só podia explicar-se pelo agrupamento de átomos em unidades chamadas moléculas. Contudo, a discussão entre as duas escolas só foi resolvida a favor dos atomistas nos primeiros anos do século XX. Uma das provas foi fornecida por Einstein. Num artigo escrito em 1905, algumas semanas antes do famoso trabalho sobre a relatividade restrita, Einstein demonstrou que aquilo a que se chamava o movimento browniano -- o movimento irregular e ocasional de pequenas partículas de poeira suspensas num líquido -- podia ser explicado como o efeito da colisão das partículas (3) do líquido com os grãos de poeira.

(3) Átomos no original (*N. do R.*).

Por essa altura, havia já suspeitas de que os átomos não eram, afinal, indivisíveis. Alguns anos antes, um membro do corpo directivo do Trinity College, de Cambridge, J. J. Thomson, tinha demonstrado a existência de uma partícula de matéria, chamada electrão, que tinha uma massa de cerca de um milionésimo da do átomo mais leve. Utilizou o que se parecia muito com um moderno aparelho de televisão: um filamento de metal aquecido ao rubro emitia electrões e, como estes têm uma carga eléctrica negativa, podia ser usado um campo eléctrico para os acelerar em direcção a um alvo revestido de fósforo. Quando atingiam o alvo produziam clarões de luz. Depressa se compreendeu que esses electrões deviam vir dos próprios átomos, e em 1911 o físico britânico Ernest Rutherford mostrou finalmente que os átomos têm realmente uma estrutura interna: são constituídos por um núcleo incrivelmente pequeno e de carga positiva, em torno do qual orbitam :, os electrões. Chegou a esta dedução analisando a maneira como as partículas alfa, de carga positiva, emitidas por átomos radioactivos, são deflectidas quando colidem com os átomos.

Inicialmente, pensava-se que o núcleo do átomo era constituído por electrões e diferentes quantidades de uma partícula de carga positiva chamada protão (da palavra grega que significa "primeiro"), porque se julgava tratar-se da unidade fundamental da matéria. Contudo, em 1932, um colega de Rutherford, em Cambridge, James Chadwick, descobriu que o núcleo continha outra partícula, chamada neutrão, que tinha praticamente a massa do protão, mas não tinha carga eléctrica. Chadwick recebeu o prémio Nobel pela sua descoberta e foi eleito Reitor da Faculdade de Gonville e Caius da Universidade de Cambridge (faculdade de cujo corpo directivo faço actualmente parte). Mais tarde, pediu a demissão desse cargo, por desentendimentos com os membros da direcção. Tinha havido uma amarga discussão na faculdade desde que um grupo de jovens directores regressados da guerra se tinham juntado para, por votação, retirar muitos dos velhos membros da direcção dos cargos que ocupavam há muito tempo. Isto passou-se antes do meu tempo, pois entrei para a faculdade em 1965, já na recta final de todo o mal-estar, quando desentendimentos semelhantes forçaram outro detentor do prémio Nobel, Sir Nevill Mott, a pedir a demissão.

Até há vinte anos atrás, pensava-se que protões e neutrões eram partículas "elementares", mas experiências em que se fez colidir protões com outros protões ou com electrões, a grandes velocidades, revelaram que eram, de facto, constituídos por partículas mais pequenas. Estas partículas receberam o nome de *quarks*, dado pelo físico do Caltech (4), Murray Gell-Mann, que recebeu o prémio :, Nobel em 1969 por esse seu trabalho. A origem do nome é uma citação enigmática do escritor James Joyce: "Three quarks for Muster Mark!" (5). A palavra *quark* devia pronunciar-se como *quart*, mas com um *k* no fim em vez de *t*, embora seja geralmente utilizada para rimar com lark (6).

(4) Instituto de Tecnologia da Califórnia (*N. do T.*).

(5) "três litros para o patrão mark!" (*n. do t.*)

(6) cotovia ou farsa (*n. do t.*)

Há muitas variedades de quarks: pensa-se que existem pelo menos seis "sabores" a que chamamos "acima" (*up*), "abaixo" (*down*), "estranho" (*strange*), "encantado" (*charmed*), "fundo" (*bottom*) e "cimo" (*top*). Cada sabor surge em três "cores": vermelho, verde e azul. (Deve acentuar-se que estes termos não passam de rótulos; os quarks são muito mais pequenos do que o comprimento de onda da luz visível e, portanto, não têm qualquer cor no sentido normal da palavra. O que acontece é que os físicos modernos parece terem arranjado maneiras mais imaginativas de baptizar novas partículas e fenómenos -- já não ficam agarrados ao grego! Um protão ou um neutrão é constituído por três quarks, um de cada cor. Um protão contém dois quarks *up* e um *down*; um neutrão contém dois *down* e um *up*. Podemos criar partículas constituídas pelos outros quarks (*strange, charmed, bottom* e *top*), mas têm todas uma massa muito maior e decaem muito depressa em protões e neutrões.

Sabemos agora que nem os átomos nem os protões e nem os neutrões são indivisíveis. Portanto, a pergunta que se impõe é: quais são as partículas verdadeiramente elementares, os blocos de construção fundamentais a partir dos quais tudo é feito? Uma vez que o comprimento de onda da luz [visível] é muito maior do que o tamanho de um átomo, não podemos esperar "olhar" para as partes de um átomo no sentido comum. Temos de usar qualquer :, coisa com um comprimento de onda muito mais pequeno. Como vimos no capítulo anterior, a mecânica quântica diz-nos que todas as partículas são na realidade ondas e que, quanto mais elevada for a energia de uma partícula, menor é o comprimento de onda correspondente. Portanto, a melhor resposta que podemos dar à pergunta depende da quantidade de energia de que dispomos, porque é isso que determina a pequenez da escala a que podemos observá-la. As energias destas partículas são geralmente medidas em unidades chamadas electrão-volt. (Nas experiências de Thomson com electrões, vimos que ele utilizou um campo eléctrico para acelerar os electrões. A energia que um electrão ganha num campo eléctrico de um volt é um electrão-volt). No século XIX, quando as ú nicas energias de partículas que as pessoas sabiam utilizar eram as energias fracas de uns meros electrões-volt geradas nas reacções químicas, tais como a reacção que se processa numa chama, pensava-se que os átomos eram as unidades mais pequenas de todas. Na experiência de Rutherford, as partículas tinham energias de milhões de electrões-volt. Mais recentemente, aprendemos como utilizar campos electromagnéticos para dar às partículas energias de, ao princípio, milhões e, depois, milhares de milhões de electrões-volt. E assim sabemos que partículas que há vinte anos pensávamos serem "elementares" são, na realidade, constituídas por partículas mais pequenas. Será que estas, à medida que temos acesso a maiores energias serão, por sua vez, reconhecidas como sendo formadas por partículas ainda mais pequenas? É absolutamente possível, mas há algumas razões teóricas para crer que temos, ou estamos muito perto de ter um conhecimento dos blocos fundamentais de construção da natureza.