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Suponhamos que um sistema começa a partir de um pequeno número de estados ordenados. À medida que o tempo passa, o sistema evoluirá de acordo com as leis da física e o seu estado mudará. Mais tarde, é mais provável que o sistema esteja num estado desordenado, porque existem mais estados desordenados. Portanto, a desordem tenderá a aumentar com o tempo, se o sistema obedecer a uma condição inicial de ordem elevada.

Suponhamos que as peças do quebra-cabeças partem de um arranjo ordenado na caixa, formando uma imagem: se sacudirmos a caixa, as peças tomarão outro arranjo, que será provavelmente desordenado, sem formar uma imagem, simplesmente por haver muito mais arranjos desordenados. Alguns grupos de peças podem formar partes da imagem, mas, quanto mais se sacode a caixa, mais provável é que esses grupos se desfaçam e as peças fiquem num estado de completa desordem em que não formam qualquer espécie de imagem. Portanto, a desordem das peças :, provavelmente aumentará com o tempo, se as peças obedecerem à condição inicial de ordem elevada.

Suponhamos, no entanto, que Deus decidiu que o Universo devia acabar num estado muito ordenado, sem importar o seu estado inicial. Nos primeiros tempos o Universo estaria possivelmente num estado desordenado, o que significaria que a desordem diminuiria com o tempo. Veríamos chávenas partidas a juntarem-se de novo a partir dos pedaços e a saltarem inteiras para cima das mesas. Todavia, quaisquer seres humanos que estivessem a observar as chávenas estariam a viver num universo em que a desordem diminuía com o tempo. Argumentarei que esses seres teriam uma seta psicológica do tempo voltada ao contrário. Ou seja, lembrar-se-iam de acontecimentos do futuro e não se lembrariam de acontecimentos do seu passado. Quando a chávena se partiu, lembrar-se-iam dela ter estado em cima da mesa, mas quando estava realmente lá, não se lembrariam de ter estado no chão.

É bastante difícil falar da memória humana, porque não conhecemos o funcionamento pormenorizado do cérebro. Sabemos, porém, tudo sobre o funcionamento das memórias dos computadores. Assim, discutirei a seta psicológica do tempo dos computadores. Penso que é razoável admitir que a seta para os computadores é a mesma que para os homens. Se não fosse, podíamos ganhar uma fortuna na Bolsa, com um computador que se lembrasse dos preços de amanhã!

A memória de um computador é fundamentalmente um dispositivo que contém elementos que podem existir num de dois estados. Um exemplo simples é o ábaco. Na sua forma mais simples, consiste em alguns fios e em cada um há contas que podem ser colocadas numa de duas posições. Antes de uma informação ser registada, a memória de um computador está num estado desordenado, com probabilidades iguais para os dois estados possíveis. (As contas :, do ábaco estão colocadas ao acaso nos seus fios). Depois da memória interagir com o sistema a ser lembrado, ficará claramente num estado ou no outro de acordo com o estado do sistema. (Cada conta do ábaco estará ou à esquerda ou à direita do fio). Portanto, a memória passou de um estado desordenado para um estado ordenado. Contudo, para se ter a certeza de que a memória está no estado devido, é necessário utilizar certa quantidade de energia (para mover a conta ou para pôr a funcionar o computador, por exemplo). Esta energia é dissipada como calor e aumenta a quantidade de desordem no Universo. Pode mostrar-se que este aumento da desordem é sempre maior do que o aumento da ordem da própria memória. Assim, o calor expelido pela ventoinha de arrefecimento do computador significa que, quando um computador regista uma informação na sua memória, a quantidade total de desordem no Universo continua a aumentar. O sentido do tempo em que um computador se lembra do passado é o mesmo em que a desordem aumenta.

A nossa noção subjectiva do sentido do tempo, a seta psicológica do tempo, é portanto determinada dentro do nosso cérebro pela seta termodinâmica. Tal como um computador, devemos lembrar-nos das coisas pela ordem em que a entropia aumenta. Isto torna a segunda lei da termodinâmica quase trivial. A desordem aumenta com o tempo, porque medimos o tempo no sentido em que a desordem aumenta. Não pode haver uma aposta mais segura!

Mas por que há-de a seta do tempo termodinâmico existir? Ou, por outras palavras, por que há-de o Universo estar num estado de grande ordem numa extremidade do tempo, aquela a que chamamos passado? Por que não está num estado de desordem total em todos os momentos? Afinal, isto poderia ser mais provável. E por que motivo é o sentido do tempo em que a desordem aumenta o mesmo em que o Universo se expande? :,

Na teoria clássica da relatividade geral, não podemos predizer como o Universo teria começado, porque todas as leis conhecidas da física perdem a sua validade na singularidade do *big bang*. O Universo podia ter surgido num estado muito regular e ordenado. Isto teria levado a setas termodinâmica e psicológica bem definidas, como observamos. Mas podia igualmente ter surgido num estado muito irregular e desordenado. Neste caso, o Universo estaria já num estado de desordem completa pelo que esta não poderia aumentar com o tempo. Ou se manteria constante, e nesse caso não haveria qualquer seta termodinâmica do tempo bem definida, ou diminuiria e, nesse caso, a seta termodinâmica do tempo apontaria no sentido oposto ao da seta cosmológica. Nenhuma destas possibilidades concorda com o que observamos. Porém, como vimos, a relatividade geral clássica prevê os seus próprios limites. Quando a curvatura do espaço-tempo se torna grande, os efeitos quânticos de gravitação tornar-se-ão importantes e a teoria clássica deixará de ser uma boa descrição do Universo. É preciso utilizar uma teoria quântica da gravidade para se compreender como surgiu o Universo.

Numa teoria quântica da gravidade, como vimos no capítulo anterior, para especificar o estado do Universo, continuaria a ser preciso dizer como é que as histórias possíveis do Universo se comportaram nos limites do espaço-tempo no passado. Poder-se-ia evitar esta dificuldade de ter de descrever o que não se sabe e não pode saber-se, apenas se as histórias satisfizessem a condição de não haver fronteira; são finitas em extensão, mas não têm fronteiras, limites ou singularidades. Nesse caso, o começo do tempo teria sido um ponto regular do espaço-tempo e o Universo teria começado a sua expansão num estado muito regular e ordenado. Podia não ter sido completamente uniforme, porque isso violaria o princípio da incerteza da teoria quântica, mas ter havido pequenas flutuações na densidade :, e nas velocidades das partículas. A condição de não haver fronteira implicava, todavia, que essas flutuações eram o mais pequenas possível, de acordo com o princípio da incerteza.

O Universo teria começado com um período de expansão exponencial ou inflacionário, em que o seu tamanho teria tido um grande aumento. Durante essa expansão, as flutuações de densidade teriam sido pequenas no princípio, mas mais tarde começariam a aumentar. Regiões em que a densidade fosse ligeiramente superior à média teriam tido a sua expansão retardada pela atracção gravitacional da massa extra. Eventualmente, essas regiões teriam deixado de se expandir e entrariam em colapso para formar galáxias, estrelas e seres como nós. O Universo teria partido de um estado regular e ordenado e ter-se-ia tornado irregular e desordenado à medida que o tempo ia passando. Isto explicaria a existência da seta termodinâmica do tempo.

Mas que aconteceria se e quando o Universo parasse de se expandir e começasse a contrair-se? A seta termodinaâmica inverter-se-ia e a desordem começaria a diminuir com o tempo? Isto levaria a toda a espécie de possibilidades do género da ficção científica para pessoas que sobrevivessem à passagem da fase de expansão para a de contracção. Veríamos chávenas partidas juntarem os seus bocadinhos do chão e saltarem de novo para cima das mesas? Seriam capazes de se lembrar dos preços do dia seguinte e de ganhar uma fortuna na Bolsa? Pode parecer um pouco académico preocupar-nos com o que acontecerá quando o Universo entrar em colapso, já que não começará a contrair-se antes de mais dez mil milhões de anos. Mas há uma maneira mais rápida de descobrir o que vai acontecer: saltar para dentro de um buraco negro. O colapso de uma estrela para formar um buraco negro é bastante parecido com os últimos estados do colapso de todo o Universo. Portanto, se a desordem diminuísse na fase de contracção do Universo, também podia esperar-se que diminuísse dentro de um buraco negro. Assim, talvez um astronauta que caísse num buraco negro fosse capaz de ganhar dinheiro à roleta por se lembrar onde a bola ia parar antes de fazer a jogada. (Infelizmente, não teria muito tempo para jogar antes de ser transformado em esparguete. Nem seria capaz de nos contar da inversão de sentido da seta termodinâmica, nem de receber os ganhos, porque ficaria aprisionado por trás do horizonte de acontecimentos do buraco negro).