X. A Unificação da Física
Como foi explicado no capítulo primeiro, seria muito difícil construir de uma só vez uma teoria unificada do Universo. Por isso, temos progredido descobrindo teorias parciais que descrevem uma classe limitada de fenómenos e deixam de parte outros efeitos ou deles se aproximam com alguns resultados numéricos. A química, por exemplo, permite-nos calcular as interacções dos átomos, sem que se conheça a estrutura interna do núcleo de um átomo. No fim, contudo, tem-se a esperança de descobrir uma teoria unificada, coerente e completa, que inclua todas essas teorias parciais como aproximações e que não precise de ser ajustada para condizer com os factos escolhendo os valores de certos parâmetros arbitrários na teoria. A procura de tal teoria é conhecida por "unificação da física". Einstein passou a maior parte dos seus últimos anos numa busca sem êxito de uma teoria unificada, mas a altura ainda não tinha chegado: havia teorias parciais para a gravidade e para a força electromagnética, mas sabia-se muito pouco sobre as forças nucleares. Além disso, Einstein recusava-se a acreditar na realidade da mecânica quântica, apesar do papel importante que: ele próprio tivera no seu desenvolvimento. Além disso, parece que o princípio da incerteza é uma característica fundamental do Universo em que :, vivemos. Uma teoria unificada bem sucedida deve, portanto, incorporar este princípio.
Como descreverei, as perspectivas de descobrir tal teoria parecem ser muito melhores agora, porque sabemos muito mais sobre o Universo. Mas devemos ter cuidado com excessos de confiança: já tivemos outros alvoreceres falsos! No começo deste século, por exemplo, pensava-se que tudo podia ser explicado através das propriedades da matéria contínua, como a elasticidade e a condução do calor. A descoberta da estrutura atómica e do princípio da incerteza puseram fim a tudo isso. Ainda mais, em 1928 o físico e detentor do prémio Nobel, Max Born, afirmou a um grupo de visitantes da Universidade de Gotinga: "A física, tal como a conhecemos, estará acabada em seis meses". A sua confiança tinha como base a recente descoberta de Dirae da equação que comandava o electrão. Pensava-se que uma equação semelhante governaria o protão, que era a única outra partícula conhecida na altura, e que isso seria o fim da física teórica. Contudo, a descoberta do neutrão e das forças nucleares também deram cabo dessa ideia. Tendo dito isto, continuo a acreditar que há motivos para um optimismo cauteloso quanto a podermos estar agora perto do fim da busca das leis definitivas da natureza.
Em capítulos anteriores, descrevi a relatividade geral como teoria parcial da gravidade e as teorias parciais que governam as forças fraca, forte e electromagnética. As últimas três podem ser combinadas nas chamadas teorias da grande unificação, ou GUTs, que não são muito satisfatórias porque não incluem a gravidade e porque contêm um conjunto de quantidades, como as massas relativas das diferentes partículas, que não podem ser previstas a partir da teoria mas têm de ser escolhidas para condizer com as observações. A dificuldade principal para descobrir uma teoria que unifique a gravidade com as outras forças é a :, relatividade geral ser uma teoria "clássica", ou seja, não inclui o princípio da incerteza da mecânica quântica. Por outro lado, as outras teorias parciais dependem da mecânica quântica de uma forma essencial. O primeiro passo a dar é combinar a relatividade geral com o princípio da incerteza. Como vimos, isto pode trazer algumas consequências notáveis, tais como os buracos negros que não são negros e o Universo que não tem singularidades mas que se contém a si mesmo e não tem fronteira. O problema está em que, como expliquei no capítulo sétimo, o princípio da incerteza significa que mesmo o espaço "vazio" está cheio de pares de partículas virtuais e [suas respectivas] antipartículas. Estes pares teriam uma quantidade infinita de energia e, portanto, segundo a famosa equação de Einstein *E= mcâ2*, teriam uma quantidade de massa infinita. A sua atracção gravitacional encurvaria assim o Universo até um tamanho infinitamente pequeno.
De um modo muito semelhante surgem, nas outras teorias parciais, infinidades aparentemente absurdas, mas em todos esses casos as infinidades podem ser removidas por um processo chamado renormalização. Isto implica a remoção de infinidades por introdução de outras infinidades. Embora esta técnica seja matematicamente bastante duvidosa, parece funcionar na prática e já foi usada nestas teorias para elaborar predições que concordam com as observações com extraordinária precisão. A renormalização, contudo, tem um inconveniente sério no que diz respeito a encontrar uma teoria universal, porque significa que os valores reais das massas e das intensidades das forças não podem ser previstos a partir da teoria, mas têm de ser escolhidos para condizerem com as observações.
Ao tentar incorporar o princípio da incerteza na relatividade geral, só temos duas quantidades que podem ser ajustadas: a força da gravidade e o valor da constante cosmológica. Mas não basta ajustá-las para remover todas as :, infinidades. Temos portanto uma teoria que parece prever que certas quantidades, como a curvatura do espaço-tempo, são realmente infinitas, e contudo essas quantidades podem ser observadas e medidas como perfeitamente finitas! Esta dificuldade em combinar a relatividade geral com o princípio da incerteza já se adivinhava há algum tempo, mas foi finalmente confirmada por cálculos pormenorizados em 1972. Quatro anos depois foi sugerida uma solução possível chamada "supergravidade". A ideia foi combinar a partícula de spin 2, chamada gravitão, que transmite a força gravitacional, a algumas outras partículas novas de spin 3/2, 1, 1/2 e 2. Num certo sentido todas essas partículas podiam então ser encaradas como aspectos diferentes da mesma "superpartícula", que unificava assim as partículas de matéria, de spin 1/2 e 3/2, e as partículas portadoras de força, de spin 0, 1 e 2. Os pares virtuais de partícula/antipartícula de spin 1/2 e 3/2 teriam energia negativa e, deste modo, tenderiam a anular a energia positiva dos pares virtuais de spin 2, 1 ou 0. Isto provocaria a remoção de muitas das possíveis infinidades, mas suspeitou-se que podiam permanecer algumas. Todavia, os cálculos necessários para verificar se algumas infinidades tinham ficado ou não por remover eram tão longos e difíceis que ninguém estava preparado para o empreendimento. Mesmo com um computador, concluiu-se que seriam necessários pelo menos quatro anos e as probabilidades de se cometer pelo menos um erro, ou mesmo mais, eram muito grandes. Nestas circunstâncias, só se saberia se a resposta estava certa se alguém mais repetisse o cálculo e chegasse ao mesmo resultado, o que parecia pouco provável!
Apesar destes problemas, e do facto de as partículas, nas teorias da supergravidade, não parecerem condizer com as partículas observadas, muitos cientistas acreditaram que a supergravidade era provavelmente a resposta correcta :, para o problema da unificação da física. Parecia o melhor caminho para a unificação da gravidade com as outras forças. Porém, em 1984, houve uma mudança notável de opinião a favor das chamadas teorias das cordas. Nestas teorias os objectos fundamentais não são partículas, que ocupam um simples ponto no espaço, mas entidades que só têm comprimento e nenhuma outra dimensão, como um segmento de fio infinitamente fino. Estas cordas podem ter extremidades (as chamadas cordas abertas) ou estar unidas sobre si próprias em anéis fechados (cordas fechadas) (Figs. 10.1 e 10.2). Uma partícula ocupa um ponto do espaço em cada instante. Deste modo, a sua história pode ser representada por uma linha no espaço-tempo (a *linha de universo*). Uma corda, por outro lado, ocupa uma linha no espaço em cada momento. Assim, a sua história no espaço-tempo é uma superfície bidimensional chamada *folha de universo*. (Qualquer ponto de uma folha de universo :, pode ser descrito por dois números: um que especifica o tempo e outro que especifica a posição do ponto na corda). A folha de universo de uma corda aberta é uma fita; os seus limites representam os trajectos, no espaço-tempo, dos extremos da corda (Fig. 10.1). A folha de universo de uma corda fechada é um cilindro ou tubo (Fig. 10.2); um corte do tubo é uma curva fechada que representa a posição da corda num momento particular.