(2) Uma discussão deliciosa acerca da dimensionalidade do espaço encontra-se em *The Creation*, de P. W. Atkins, já publicado na língua portuguesa numa edição da Editorial Presença (*N. do R.*).
Em quatro :, dimensões diminuiria para 1/8, em cinco para 1/16, etc.). Isto significa que as órbitas dos planetas, como a da Terra, em torno do Sol, seriam instáveis: a mais pequena perturbação numa órbita circular (como a que seria causada pela atracção gravitacional dos outros planetas) resultaria em a Terra começar a mover-se em espiral afastando-se ou dirigindo-se para o Sol. Ou gelaríamos ou arderíamos. Na realidade, o mesmo comportamento da gravidade com a distância em mais do que três dimensões espaciais significa que o Sol não poderia existir num estado estável com a pressão a equilibrar a gravidade. Desfazer-se-ia ou entraria em colapso originando um buraco negro. Em qualquer dos casos, não seria de grande utilidade como fonte de calor e luz para a vida na Terra. Numa escala mais pequena, as forças eléctricas que forçam os electrões a orbitar à volta do núcleo de um átomo, comportar-se-iam como forças gravitacionais. Assim, os electrões ou se escapavam completamente do átomo ou começavam a mover-se em espiral para dentro do núcleo. Em ambos os casos os átomos não seriam como os conhecemos.
Parece claro que a vida, pelo menos como a conhecemos, só pode existir em regiões do espaço-tempo em que três dimensões espaciais e uma temporal não estão todas encurvadas. Isto significa que podemos apelar para o princípio antrópico fraco, desde que possamos demonstrar que a teoria das cordas permite que existam regiões assim no Universo -- e parece que a teoria das cordas o permite de facto. Pode perfeitamente haver outras regiões do Universo, ou outros universos (seja o que for que *isso* signifique), em que todas as dimensões estão enroscadinhas ou em que mais de quatro dimensões são quase planas, mas onde não haveria seres inteligentes para observarem o número diferente de dimensões efectivas.
Além da questão do número de dimensões que o espaço-tempo parece ter, a teoria das cordas tem ainda vários :, outros problemas a resolver antes de ser proclamada a teoria unificada da física. Ainda não sabemos se todas as infinidades se anulam umas às outras, nem como relacionar exactamente as ondas na corda com os tipos específicos de partículas que observamos. Apesar disso, é provável que sejam encontradas respostas para estes problemas durante os próximos anos e que, lá para o fim do século, saibamos se a teoria das cordas é realmente a muito procurada teoria unificada da física.
Mas pode realmente haver uma teoria unificada? Ou será que andamos a correr atrás de uma miragem? Parece haver três possibilidades:
1) Há realmente uma teoria unificada completa, que um dia descobriremos, se formos suficientemente espertos.
2) Não há nenhuma teoria fundamental do Universo, mas apenas uma sucessão infinita de teorias que descrevem o Universo com precisão cada vez maior.
3) Não há qualquer teoria do Universo; os acontecimentos só podem ser previstos em certa medida, além da qual ocorrem aleatória e arbitrariamente.
Algumas pessoas seriam a favor da terceira possibilidade argumentando que, se houvesse um conjunto completo de leis, isso infringiria a liberdade de Deus mudar de opinião e intervir no mundo. É um pouco como o velho paradoxo: Deus poderá tornar uma pedra tão pesada que não seja capaz de a levantar? Mas a ideia de que Deus pode querer mudar de opinião é um exemplo da falácia, apontada por Santo Agostinho, de imaginarmos Deus como um ser que existe no tempo: o tempo é apenas uma propriedade do Universo que Deus criou. Presume-se que Ele sabia o que tencionava fazer quando o criou!
Com o advento da mecânica quântica, acabámos por reconhecer que os acontecimentos não podem ser previstos :, com precisão perfeita e que haverá sempre um grau de incerteza. Se quisermos, podemos atribuir essa incerteza à intervenção de Deus, mas seria uma intervenção muito estranha: não existe qualquer prova de que seja dirigida para algum objectivo. Na realidade, se fosse, seria por definição não aleatória. Nos tempos modernos, libertámo-nos definitivamente da terceira hipótese, redefinindo os objectivos da ciência: o que se pretende é formular um conjunto de leis que permitam prever acontecimentos até ao limite imposto pelo princípio da incerteza.
A segunda hipótese, de haver uma sequência infinita de teorias cada vez mais aperfeiçoadas, está de acordo com toda a nossa experiência até agora. Em muitas ocasiões aumentamos a sensibilidade das nossas medições ou elaborámos um novo tipo de observações, apenas para descobrir fenómenos novos que não tinham sido previstos pela teoria existente e, para os explicar, tivemos de desenvolver uma teoria mais avançada. Não seria portanto muito surpreendente se a actual geração de teorias da grande unificação estivesse errada ao afirmar que nada essencialmente novo acontecerá entre a energia da unificação electrofraca de cerca de 100 GeV e a energia da grande unificação de cerca de mil milhões de milhões de GeV. Poderíamos realmente esperar encontrar várias camadas novas de estrutura mais fundamental do que quarks e electrões, que agora consideramos partículas "elementares".
No entanto, parece que a gravidade pode fornecer um limite para esta sequência de "caixas dentro de caixas". Se tivermos uma partícula com uma energia acima daquilo a que se chama a energia de Planck, ou seja, dez milhões de milhões de milhões de GeV (1 seguido de dezanove zeros), a sua massa estaria tão concentrada que se separaria do resto do Universo e formaria um pequeno buraco negro. Portanto, parece realmente que a sucessão de teorias cada vez mais aperfeiçoadas deve ter um limite qualquer, :, quando caminhamos para energias cada vez mais elevadas, pelo que deve existir alguma teoria definitiva do Universo. É evidente que a energia de Planck está muito longe das energias de 100 GeV, que são o máximo que actualmente podemos atingir no laboratório. Não seremos capazes de ultrapassar esse obstáculo com aceleradores de partículas no futuro próximo. Contudo, o Universo primitivo é esse laboratório onde tais energias devem ter ocorrido. Penso que existe uma boa probabilidade de o estudo do Universo primitivo e os requisitos da coerência matemática levarem a uma teoria unificada completa ainda durante o tempo de algumas das pessoas que andam por aí hoje, sempre presumindo que não nos destruiremos antes.
Que significado teria descobrirmos realmente a teoria definitiva do Universo? Como explicámos no capítulo primeiro, nunca podemos ter a certeza absoluta de termos descoberto realmente a teoria correcta, uma vez que as teorias não podem ser provadas. Mas se a teoria fosse matematicamente coerente e conduzisse sempre a previsões concordantes com a observação, podíamos confiar razoavelmente que seria a teoria certa. Chegaria assim o fim de um longo e glorioso capítulo na história da luta intelectual da humanidade para compreender o Universo. Mas também revolucionaria a compreensão que as pessoas vulgares têm das leis que governam o Universo. No tempo de Newton era possível a uma pessoa instruída abranger todo o conhecimento humano, pelo menos na generalidade. Mas, desde então, o desenvolvimento da ciência tornou isso impossível. Como as teorias estão sempre a ser modificadas para darem conta de novas observações, nunca chegam a ser devidamente digeridas ou simplificadas de modo a que as pessoas vulgares as possam compreender. É preciso ser-se especialista e, mesmo assim, só se pode esperar ter uma compreensão completa de uma pequena proporção :, das teorias científicas. Além disso, o curso do progresso é tão rápido que aquilo que se aprende no colégio ou na universidade está sempre um pouco fora de moda. Apenas algumas pessoas conseguem manter-se a par da fronteira do conhecimento, que avança rapidamente, e têm de dedicar todo o seu tempo a isso e especializar-se numa pequena área. O resto da população tem uma ideia precária dos avanços conseguidos ou da excitação que geram. Há setenta anos, a acreditar em Eddington, só duas pessoas compreendiam a teoria da relatividade geral. Hoje em dia, dezenas de milhar de licenciados compreendem-na e muitos milhões de pessoas estão pelo menos familiarizadas com a ideia. Se fosse descoberta uma teoria unificada completa, em muito pouco tempo seria digerida e simplificada da mesma maneira e ensinada nos colégios, pelo menos na generalidade. Seríamos então capazes de ter alguma compreensão das leis que regem o Universo e são responsáveis pela nossa existência.