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A princípio o padre José Pedro pensara em levar os Capitães da Areia às beatas. Pensava que assim salvaria não só as crianças de vida miserável, como salvaria também as beatas de uma inutilidade perniciosa. Poderia conseguir que elas se dedicassem aos meninos com a mesma fervorosa devoção com que se dedicavam às igrejas, aos gordos padre s. O padre José Pedro adivinhava mais do que sabia se elas passavam os dias em inúteis conversas nas igrejas, ou aba lenços para o padre Clóvis, era porque não haviam tido, na malograda existência de virgens, um filho, um esposo, a quem dedicar seu tempo e seu carinho. Agora ele levaria filhos para elas.Muito tempo o padre José Pedro acariciou este projeto. Chegou mesmo levar para casa de uma um menino do reformatório. Isso muito de conhecer os Capitães da Areia, quando apenas ouvia falar nela experiência deu maus resultados: o menino arribou da casa da solteirona levando uns objetos de prata, preferindo a liberdade da rua mesmo vestido de farrapos e sem muita certeza de almoço, aos trajes e ao almoço garantido com a obrigação de rezar o terço em alta, assistir várias missas e bênçãos todos os dias. Depois o padre José Pedro compreendeu que a experiência tinha fracassado mais por culpa da solteirona que do menino. Porque evidentemente - pensa padre José Pedro - é impossível converter uma criança abandona e ladrona em um sacristão. Mas é muito possível convertê-la em um homem trabalhador... E esperava quando conhecesse os Capitães da Areia entrar num acordo com alguns deles e com as beatas para tá uma nova experiência, agora bem dirigida. Mas logo depois que Boa-Vida o apresentou ao grupo, que aos poucos ganhou a confiança da maioria, viu que era totalmente inútil pensar nesse projeto. Viu que era absurdo, porque a liberdade era o sentimento mais arraigado nos corações dos Capitães da Areia e que tinha que tentar outros meios.

Nas primeiras vezes os meninos o olhavam com desconfiança. Ouviam muitas vezes na rua dizer que padre dava peso, que negócio de padre era para mulher. Mas o padre José Pedro tinha sido operário e sabia como tratar os meninos. Tratava-os como a homens, como a amigos. E assim conquistou a confiança deles, se fez amigo de todos, mesmo daqueles que, como Pedro Bala e o Professor, não gostavam de rezar. Dificuldade grande só teve mesmo com o Sem-Pernas. Enquanto que o Professor, Pedro Bala, o Gato eram indiferentes às palavras do padre o Professor, no entanto, gostava dele, pois lhe trazia livros, Pirulito, Volta Seca e João Grande, principalmente o primeiro, muito atentos ao que ele dizia, o Sem-Pernas lhe fazia uma oposição que a princípio tinha sido muito tenaz. Porém o padre José Pedro terminara por conquistara confiança de todos. E pelo menos em Pirulito descobrira uma vocação sacerdotal.

Mas naquela tarde não foi com muita satisfação que o viram chegar. Pirulito se aproximou e beijou a mão do padre. Volta Seca também. Os demais o cumprimentaram.O padre José Pedro explicou:

- Hoje venho fazer um convite a todos vocês.

Os ouvidos se fizeram atentos. O Sem-Pernas resmungou:

- Vai chamar a gente pra bênção. Só quero ver quem topa...

Mas se calou porque Pedro Bala o olhava com raiva. O padre sorriu com bondade. Sentou-se num caixão, João Grande viu que a batina dele era suja e velha. Tinha remendos feitos com linha preta e era grande para a magreza do padre. Cutucou Pedro Bala, que espiou também. Então o Bala disse:

- Minha gente, o padre José Pedro, que é amigo de nós, tem uma bisa pra gente. Viva o padre José Pedro!

João Grande sabia que tudo era por causa da batina rasgada e grande para a magreza do padre. Os outros responderam viva, o padre sorriu acenando com a mão, João Grande não tirava os olhos da batina. Pensou que Pedro Bala era mesmo um chefe, sabia de tudo, sabia fazer tudo. Por Pedro Bala, João Grande se deixaria cortar a facão como aquele negro de Ilhéus por Barbosa, o grande senhor do cangaço. O padre José Pedro meteu a mão no bolso da batina, tirou o breviário negro. Abriu e de dentro sacou algumas notas de dez mil-réis:

- Isso é pra gente andar no carrossel hoje... Convido vocês todos para andarem hoje no carrossel da praça de Itapagipe.

Esperava que os rostos se animassem mais. Que uma extraordinária alegria reinasse em toda sala. Porque assim ficaria ainda mais convicto de que estava servindo a Deus quando daqueles quinhentos mil-réis que dona Guilhermina Silva dera para comprar velas pano altar da Virgem tirara cinquenta mil-réis para levar os Capitães da Areia ao carrossel. E como os rostos não ficaram subitamente alegres, ele ficou desconcertado, as notas na mão, olhando a multidão de meninos. Pedro Bala coçou o cabelo que lhe caía sobre as orelhas, quis falar, não acertou. Olhou então para o Professor, e foi este quem aplicou:

- Padre, o senhor é um homem bom. - Teve vontade de dir que o padre era bom como João Grande, mas pensou que talvez o padre se ofendesse se ele o comparasse ao negro. - Mas o que temi que o Sem-Pernas e Volta Seca tão os dois trabalhando no carrossel. E a gente tá convidado - aí fez uma pequena pausa - pelo proprietário, que é amigo deles, pra andar à noite de graça. Agente não esquece do convite do senhor... - O Professor falava pausado escolhendo as palavras, pensando que aquele era um momento delicado, adivinhando muita coisa, e Pedro Bala o apoiava com a cabeça.

- Fica pra outra vez. Mas o senhor não vai zangar com a gente porque a gente não aceita? Não vai, não é? - e espiava o padre, cujo rosto agora estava novamente alegre.

- Não. Fica pra outra vez. - Olhou para os meninos sorrindo - Foi até melhor assim. Porque o dinheiro que eu tinha... - e se calou de repente ante o fato que ia contar. E pensou que talvez tive, sido uma lição de Deus, um aviso, e que tivesse feito uma com malfeita. Seu olhar foi tão estranho, que os meninos se aproximam um passo.

Olhavam para o padre sem compreender. Pedro Bala franzia testa como quando tinha um problema a resolver, o Professor tentou falar. Mas, João Grande compreendeu tudo, apesar de ser o mais burro de todos:

- Era da igreja, padre? -e bateu na boca com raiva de si mesmo.

Os outros entenderam. Pirulito pensou que tivesse sido um grande pecado, mas sentiu que a bondade do padre era maior que o pecado. Então o Sem-Pernas veio coxeando ainda mais que o seu natural, como se viesse lutando consigo mesmo, chegou peno do padre e quase gritou a princípio, se bem logo baixasse muito a voz:

- A gente pode botar no lugar onde estava... É coisa canja pra gente. Não fique triste... - e sorria.

E o sorriso do Sem-Pernas e a amizade que o padre lia nos olhos de todos haveria lágrimas nos olhos do Grande lhe restituíram a calma, a serenidade, a confiança no seu ato e no seu Deus. Disse com sua voz naturaclass="underline"

- Uma velha viúva deu quinhentos mil-réis para vela. Eu tirei cinquenta para vocês andarem no carrossel. Deus julgará se fiz bem. Agora compro mesmo de vela.

Pedro Bala sentia que tinha uma dívida a saldar com o padre. Queria que o padre soubesse que todos eles compreendiam. E como não achasse nada mais à mão, se dispôs a perder o trabalho que poderiam fizer naquela tarde e convidou o padre:

- A gente vai pro carrossel ver Volta Seca e Sem-Pernas agora de tarde. Quer ir com a gente, padre?

Padre José Pedro disse que sim, porque sabia que aquilo era mais um passo na sua intimidade com os Capitães da Areia. E foi um grupo pm o padre para a praça. Vários não foram, o Gato inclusive, que foi ver Dalva. Mas os que iam pareciam um bando de bons meninos que tinham do catecismo. Se estivessem bem vestidos e limpos, pareceria um colégio de tão em ordem que eles iam.

Na praça rodaram tudo com o padre. Mostravam com orgulho Volta Seca imitando animais, vestido de cangaceiro, o Sem-Pernas fazendo sozinho o carrossel girar, porque Nhozinho França fora tomar uma cerveja num bar. Uma pena que à tarde as luzes do carrossel não estivessem acesas. Não era tão belo como à noite, as luzes girando de todas as cores. Mas eles tinham orgulho de Volta Seca imitando animais, do Sem-Pernas movimentando o carrossel, fazendo as crianças subirem, as crianças baixarem. O Professor, com um pedaço de lápis e uma tampa de caixa, desenhou Volta Seca vestido de cangaceiro. Tinha um jeito especial para desenhar e por vem ganhava dinheiro fazendo desenho, nas calçadas, de homens que passavam, de senhoritas que iam com os noivos. Estes paravam um minuto, riam do desenho ainda indeciso, as noivas diziam: