Выбрать главу

Pedro Bala, enquanto subia a ladeira da Montanha, revia mentalmente seu plano. Fora arquitetado com a ajuda do Professor e era a coisa mais arriscada em que se metera até hoje. Mas Don'Aninha bem que merecia que um corresse risco por ela. Quando tinha um doente ela trazia remédios feitos com folhas, tratava dele, muitas vezes curava. E quando aparecia um Capitão da Areia no seu terreiro ela o tratava como a um homem, como a um ogã, dava-lhe do melhor para comer, do melhor para beber. O plano era arriscado, possivelmente não daria certo, Pedro Bala comeria cadeia uns dias e terminaria remetido para o reformatório, onde a vida era pior que vida de cão.

Mas havia uma possibilidade de dar certo, e Pedro Bala jogaria tudo nesta possibilidade. Chegou ao largo do Teatro. A chuva caía e os guardas se abrigavam sob as capas. Começou a subir a ladeira de São Bento vagarosamente. Tomou por São Pedro, atravessou o largo da Piedade, subiu o Rosário, agora estava nas Mercês, diante da Central de Policia, olhando as janelas, o movimento de guardas e secretas que entravam e safam. De minuto em minuto um bonde passava fazendo ruídos nos trilhos, iluminando ainda mais a rua já bastante iluminada. O guarda amigo de Don'Aninha tinha dito que Ogum estava na sala de detidos, jogado sobre um armário, em meio a diversos outros objetos apreendidos em batidas várias em casas de ladrões. Naquela sala colocavam os que eram presos durante a noite antes de serem ouvidos ou pelo delegado ou pelos comissários de turno e que depois ou eram remetidos para as prisões ou para a rua. Ali, num canto, a princípio dentro de um armário que logo se encheu, depois junto ou sobre ele, colocavam objetos sem valor apreendidos nas batidas policiais. O plano de Pedro Bala era passar a noite ou parte dela na sala de detidos e levar ao sair se conseguisse sair a imagem de Ogum consigo. Tinha uma grande vantagem: não era conhecido entre a polícia. Mesmo só raros guardas o conheciam como moleque das ruas, se bem todos os guardas e mesmo alguns investigadores desejassem ardentemente capturar o chefe dos Capitães da Areia. Sabiam dele apenas que tinha aquele talho no rosto e Pedro Bala passou a mão no talho. Mas o pensavam maior do que era em verdade e também faziam a ideia de que Pedro Bala devia ser mulato e de mais idade. Se chegassem a descobrir que ele era o chefe dos Capitães da Areia talvez nem para o reformatório o mandassem. Muito provavelmente iria diretamente para a penitenciária.Porque do reformatório se consegue fugir, mas da penitenciária não é fáciL Enfim... - e Pedro Bala andou até o Campo Grande. Mas já não ia com aquele seu passo despreocupado de moleque das ruas da cidade. Ia agora gingando como um filho de marítimo, o boné puxado por causa da chuva, a gola do paletó devia ter sido anteriormente de um homem muito grande levantada.

O guarda estava debaixo de uma árvore por causa da chuva. Pedro veio chegando assim como quem tem medo. E quando falou ao guarda, sua voz era a de uma criança que estava temerosa da noite tempestuosa da cidade.

- Seu guarda...

O guarda olhou:

- O que é, moleque?

- Eu não sou daqui. Eu sou de Mar Grande, vim com meu pai hoje.

O guarda não deixou que ele continuasse:

- E o que tem isso?

- Eu não tenho onde dormir. Queria que o senhor deixasse eu dormir na polícia...

- A policia não é hotel, malandro. Desaperta, desaperta... - e fez sinal para que Pedro se afastasse.

Pedro tentou novamente puxar conversa, mas o guarda o ameaçou com o cassetete:

- Vai dormir num jardim... Vai embora...

Pedro saiu com cara de choro. O guarda ficou espiando o menino. Pedro parou no ponto de bonde, esperou. Do primeiro carro não desceu ninguém, mas do segundo saltou um casal. Pedro se atirou em cima da mulher, o homem viu que ele queria abafar a carteira dela, segurou Pedro por um braço. A coisa fora tão mal feita que se um dos Capitães da Areia passasse ali sem dúvida não reconheceria o seu chefe. O guarda, que via acena, já estava junto a eles:

- Então era assim que você não era daqui? Um moleque ladrão.

Se afastou levando Pedro pelo braço. O menino ia com uma cara entre amedrontada e risonha:

- Só fiz isso pro senhor me pegar mesmo...

- Hein?

- Tudo que eu disse é verdade. Meu pai é marítimo, tem um saveiro em Mar Grande. Hoje me deixou aqui, não voltou com o temporal. Eu não sei onde dormir, pedi pra dormir na polícia. O senhor não deixou, eu fiz que ia roubar a mulher só pro senhor me pegar... Agora tenho onde dormir.

- E por muito tempo foi a única resposta do guarda.

Entraram na Central. O guarda atravessou um corredor, largou Pedro Bala na sala dos detidos. Havia uns cinco ou seis homens. O guarda disse troçando:

- Agora você pode dormir, filho da mãe. E depois que o comissário chegar vamos ver quanto tempo você vai dormir aqui...

Pedro ficou calado. Os outros presos nem ligavam para ele, estavam muito interessados em fazer troça com um pederasta que tinha sido preso e se dizia chamar Mariazinha.A um canto Pedro Bala viu o armário. A imagem de Ogum estava ao lado, junto de uma cesta para papéis inúteis. Pedro se adiantou para ali, tirou o paletó, pôs sobre a imagem. E enquanto os outros conversavam, enrolou Ogum não era grande, havia outras imagens muito maiores no seu paletó e deitou-se no chão. Pôs a cabeça sobre o embrulho e fez que dormia.

Os presos daquela noite continuavam a rir com o pederasta, exceto um velho que tremia num canto, Pedro não sabia se de frio ou de medo. Mas ouvia a voz de um negro jovem que dizia a Mariazinha:

- Quem tirou teu cabaço?

- Ora, me deixe... respondeu o pederasta rindo.

- Não. Conta. Conta! disseram os outros.

- Ah! Foi Leopoldo... Ah!

O velho continuava a tremer. Um malandro de cara chupada pela tísica percebeu o velho no canto:

- Tu por que não vai te enrabar com aquele velhote? - perguntou a Mariazinha, que fez bico.

- Não tá vendo logo que não me passo pra velho. Olhe, não quero mais conversa, não...

Agora um guarda gozava na porta e o de cara chupada se virou para o velho, que se encolheu todo:

- Mas tu bem que gostava se ele lhe desse hoje, hein, tio?

- Eu sou um velho... Eu não fiz nada... murmurou o velho, mais que falou. - Não fiz nada, minha filha está me esperando...

Pedro, que estava de olhos fechados, adivinhou que o velho chorava. Mas continuou fingindo que estava dormindo. Ogum doía nos ossos da sua cabeça. Os presos continuavam a pilheriar com o pederasta e o velho, até que chegou outro guarda e falou para o velho:

- Você, velhote. Vamos...

- Eu não fiz nada... falou mais uma vez o velho. - Minha filha está me esperando... se dirigia a todos, guardas e presos. E tremia tanto, que todos tiveram pena e até o malandro de cara chupada baixou a cabeça. Só o pederasta sorria.

O velho não voltou. Depois foi o pederasta. Demorou muito. O de cara chupada explicava que Mariazinha era de boa família.

Naturalmente estavam telefonando para casa dele, pedindo que o viessem buscar para não terem que o prender de novo naquela noite. De quando em vez, quando tomava cocaína demais, dava escândalos na rua e era trazido por um guarda. Quando Mariazinha voltou, foi só para pegar o chapéu. Então viu Pedro Bala deitado e disse:

- Tão novinho este. Mas é um amorzinho...

Pedro cuspiu de olhos fechados:

- Sai, xibungo, antes que eu te pranche a cara...

Os outros riram, e só então atentaram em Pedro:

- Que é que tu tá fazendo aqui, rato de igreja?

- O que não é da tua conta, macaqueio... - respondeu Pedro Bala ao de cara chupada.

Até o guarda riu e explicou para os outros a história de Pedro. Mas o negro jovem foi chamado e eles ficaram silenciosos. Sabiam que o negro tinha esfaqueado um homem num breforé nesta noite. Quando o preto voltou trazia as mãos inchadas dos bolos. Explicou: