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E o Menino ia ficando. A Virgem o oferecia ao carinho dos que passavam, mas ninguém o queria. As beatas não queriam levá-lo para seus oratórios, onde havia Meninos calçados de sandálias de ouro, com coroa de ouro na cabeça. Só Pirulito viu que o Menino tinha fome e sede, tinha frio também e quis levá-lo. Mas Pirulito não tinha dinheiro e tampouco tinha o costume de comprar as coisas. Pirulito podia levá-lo consigo, podia dar ao Menino que comer, que beber, que vestir, tudo tirado do seu amor a Deus. Mas se o fizesse, Deus o castigaria, o fogo do inferno comeria, durante uma vida que nunca acabava, suas mãos que levassem o Menino, sua cabeça que pensava em levar o Menino. Então Pirulito lembrou-se que só o pensar já era pecado. Que se pecava só de pensar em cometer o pecado. O frade alemão dissera que muitas vezes um estava pecando e nem o sabia porque estava pecando com o pensamento. Pirulito estava pecando, sentiu que estava pecando, teve medo de Deus e deitou a correr para não continuar a pecar. Mas não correu muito, ficou na esquina, pôde se afastar para longe da imagem. Olhou outras vitrines, assim não pecava. Meteu as mãos no bolso prendia as mãos... desviou pensamento. Mas agora os homens que volviam ao trabalha após o almoço passavam na sua frente e um pensamento o assaltou: dentro em pouco os outros empregados da loja voltariam e então seria impossível levar o Menino. Seria impossível... E Pirulito voltou a frente da loja de objetos religiosos.

Lá estava o Menino, e a Virgem o oferecia a Pirulito. Um relógio deu a primeira hora da tarde. Não tardariam a voltar os outros empregados. Quantos seriam? Mesmo que fosse somente um, a loja era tão pequena que ficaria impossível levar o Menino. Parece que é a Virgem que está lhe dizendo isso. Que é a Virgem a lhe dizer que se ele não levar o Menino agora não o poderá levar mais, parece que está mesmo dizendo isso. E com certeza foi ela, sim, foi ela quem com que a senhorita entrasse pela cortina que tem no fundo da loja e a deixasse sozinha. Sim, foi a Virgem, que agora estende o Menino para Pirulito o quanto podem seus braços e o chama com sua doce voz:

- Leve e cuide dele...Cuide bem... Pirulito avança. Vê o inferno, o castigo de Deus, suas mãos e cabeça a arder uma vida que nunca acaba. Mas sacode o corpo como que jogando longe a visão, recebe o Menino que a Virgem lhe entrega, o encosta ao peito e desaparece na rua.

Não olha o Menino. Mas sente que agora, encostado ao seu peito, o Menino sorri, não tem mais fome nem sede nem frio. Sorri o Menino como sorria o negrinho de poucos meses quando se encontrou no trapiche e viu que João Grande lhe dava leite às colheradas com suas mãos enormes, enquanto o Professor o sustinha encostado ao calor do seu peito.

Assim sorri o Menino.

Capítulo 8 - Família

Foi Boa-Vida que contou a Pedro Bala que naquela casa da Graça tinha coisa de ouro de fazer medo. O dono da casa, pelo jeito, parecia colecionador, o Boa-Vida tinha ouvido um malandro dizer que na casa havia uma sala entupida de objetos de ouro e prata que no emprego haviam de dar uma fortuna. À tarde Pedro Bala foi como Boa-Vida ver a casa. Era um prédio moderno e elegante, jardim na frente, garagem ao fundo, espaçosa residência de gente rica. O Boa-Vida cuspiu por entre os dentes, desenhando uma flor no passeio com o cuspe, e disse:

- E dizer que nesse mundo só mora dois velhos, hein?

- Toca batuta... - comentou Pedro Bala.

Uma empregada abriu a porta da frente, saiu para o jardim. No hall, que ficou à vista, eles perceberam quadros pela parede, estatuetas sobre as mesas. Pedro Bala riu:

- Se o Professor visse isso ficava doidinho... Nunca vi tanto pegadio com livro e pintura.

- Ele vai fazer uma pintura como eu, deste tamanho... e Boa-Vida mostrava o tamanho separando as mãos uma da outra.

Pedro Bala olhou mais uma vez a casa, se acercou um pouco do jardim, assoviando. A empregada colhia flores e os seios alvos apareciam sob o decote, pois ela estava curvada. Pedro Bala espiou. Eram seios alvos terminando em bicos vermelhos. Boa-Vida suspirou ao seu lado.

- Que montanha, Bala.

- Cala a boca.

Mas a empregada já os vira e os olhava como a perguntar o que desejavam. Pedro Bala sacou o boné e pediu:

- Podia dar uma caneca de água à gente, por favor? O sol encalistrando... - e sorria, limpando com o boné a testa, onde o suor corria. Estava muito vermelho sob o sol, seus cabelos loiros crescidos desabando sobre as orelhas em ondas maltratadas, e a empregada mirou com simpatia. Ao lado Boa-Vida fumava uma ponta de charuto, com um pé em cima da gradezinha do jardim. A criada primeiro falou para Boa-Vida com desprezo:

- Tira esta pata daí de cima...

Depois sorriu para Pedro Bala:

- Trago a água já...

Voltou com dois copos d'água e eram copos como eles nunca tinham visto de tão bonitos. Beberam a água, Pedro Bala agradeceu - Muito obrigado... e baixinho lindeza.

A empregada falou também baixinho:

- Frangote atrevido...

- Que hora tu sai daqui?

- Te repara. Tenho meu homem. Ele me espera às nove horas da noite naquela esquina...

- Pois hoje tou na outra...

Saíram pela rua, Boa-Vida fumando sua ponta de charuto, abanando o rosto com o chapéu-coco que usava. Pedro Bala com, comentou:

- Eu sou é mesmo simpático... Aquela tá no papo...

Boa-Vida cuspiu novamente entre os dentes:

- Também com essa cabeleira de mulher, toda cheia de cachos...

Pedro Bala nu, mostrou o punho fechado ao Boa-Vida:

- Deixa de inveja, mulato pachola...

Boa-Vida desviou a conversa: souber onde fica os troço melhor a gente vem, uns cinco ou seis, tira o ourame...

- E tu perde a comida?

- A criada? Como hoje mesmo... Nove horas tou firme aí...

Voltou-se. Olhou a casa. A criada se debruçava na grade, Pedro Bala deu adeus. Ela respondeu, Boa-Vida cuspiu:

- Ó peste de sorte, nunca vi...

No outro dia, por volta de onze e meia da manhã, o Sem-Pernas apareceu em frente à casa. Quando ele tocou a campainha a empregada com certeza ainda pensava na noite que passara com Pedro Bala no seu quarto no Garcia, porque não ouviu o tilintar. O menino tocou de novo e na janela de um quarto do primeiro andar assomou a cabeça grisalha de uma senhora, que mirou com os olhos apertados ao Sem-Pernas:

- Que é, meu filho?

- Dona, eu sou um pobre órfão...

A senhora fez com a mão sinal que ele esperasse e dentro de poucos minutos estava no portão sem ouvir sequer as desculpas da empregada por não ter atendido à porta:

- Pode dizer, meu filho olhava os farrapos do Sem-Pernas.

- Dona, eu não tenho pai, faz só poucos dias que minha mãe foi chamada pro céu - mostrava um laço preto no braço, laço que tinha sido feito com a fita do chapéu novo do Gato, que se danara. - Não tenho ninguém no mundo, sou aleijado, não posso trabalhar muito, faz dois dias que não vejo de comer e não tenho onde dormir.