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Enquanto andava para o 14, Pedro Bala pensava em Dora. No cabelo loiro que caía no pescoço, nos olhares dela. Era bonita, era igual a uma noiva. Noiva... Nem podia pensar nisso. Não queria que os outros do grupo se sentissem com direito de pensar em safadezas com ela. E se ele dissesse a Dora que ela era como uma noiva para ele, outro poderia se julgar no direito de também dizer. E então não haveria mais lei nem direito entre os Capitães da Areia. Pedro Bala se recorda de que é o chefe...

Vai tão distraído que quase esbarra com Ezequiel. Estão os quatro parados diante dele. Ezequiel é um mulato alto, fuma uma ponta de charuto. Pedro Bala fica parado também, esperando.

Ezequiel cospe:

- Não vê onde pisa?.. Agora anda cego?

- O que é que tu quer?

O menino que fora dos Capitães da Areia pergunta:

- Como vão aqueles frescos?

- Tu ainda se lembra da surra que apanhou lá? Tu ainda deve guardar a marca.

O menino range os dentes, quer avançar. Mas Ezequiel faz um gesto com a mão e avisa a Pedro Bala:

- Um dia destes vou fazer uma visita a vocês.

- Uma visita? - pergunta Bala desconfiado.

- Diz-que agora vocês tem uma putinha lá pra todo mundo...

- Dobre a língua, filho da mãe.

Com o soco Ezequiel rolou. Mas os outros três já estavam em cima de Pedro Bala. Ezequiel meteu o pé na cara de Bala. O que for, dos Capitães da Areia gritou:

- Segura ele bem e meteu um soco na boca de Pedro.

Ezequiel deu dois pontapés na cara de Bala:

- Fique sabendo que sou teu patrão.

- Quatro... - começou a xingar Pedro Bala, mas um soco o calou.

O guarda vinha marchando para eles, debandaram. Pedro Bala apanhou o boné, as lágrimas de raiva desciam junto com sangue. Estendeu a mão fechada para o lado por onde Ezequiel e os seus haviam desaparecido. O guarda falou:

- Desaperta, corneta. Dá o fora antes que lhe leve pro xilindró.

Pedro Bala cuspiu puro sangue. Desceu a ladeira devagar, nem pensou em ir buscar o dinheiro de Gonzales. Descia resmungando consigo mesmo: Só são homem quatro contra um. E pensava vinganças.

Entrou no trapiche, Dora estava sozinha com o irmão, que dormia. Os últimos raios do sol entravam pelo teto, dando uma estranha claridade ao casarão. Dora o viu entrar e andou para ele:

- Segurou os cobres?..

Mas enxergou o olho inchado de Pedro, o beiço partido:

- Que foi, meu irmão?

- Ezequiel mais três. Só são homem de quatro pra cima...

- Fez isso em tu?

- Foi quatro. Assim mesmo porque me pegaram desprevenido.

Eu caí na besteira de pensar que Ezequiel vinha só. Era quatro.

Ela o sentou, foi ao canto de Pirulito, trouxe água. Com um pedaço de pano limpou as feridas dele. Pedro arquitetava plano de vingança. Ela apoiou:

- A gente acaba com eles desta vez.

Pedro riu:

- Tu vai também?

- Se vou...

Agora limpava os lábios dele, estava curvada na sua frente, seu rosto bem próximo do de Bala, os cabelos loiros misturados com os dele.

- Por que foi a briga?

- Por nada.

- Diga...

- Ele disse umas coisas...

- Foi por causa de mim, não foi?

Ele abanou a cabeça afirmando. Então ela chegou os lábios para junto dos de Pedro Bala, os beijou e depois fugiu. Ele saiu correndo atrás dela, mas ela se escondia, não se deixava pegar. Aos poucos foram chegando os outros. Ela de longe sorna para Pedro Bala. Não havia nenhuma malícia no seu sorriso. Mas seu olhar era diferente do olhar de irmã que lançava aos outros. Era um doce olhar de noiva, de noiva ingênua e tímida. Talvez mesmo não soubessem que era amor. Apesar de não ser noite de lua, havia um romântico romance no casarão colonial. Ela sorria e baixava os olhos, por vezes piscava com um olhe porque pensava que isto era namorar. E seu coração batia rápido quando olhava. Não sabia que isso era amor. Por fim a lua veio estendeu sua luz amarela no trapiche. Pedro Bala se deitou na areia e mesmo de olhos fechados via Dora. Sentiu quando ela chegou e deitou a seu lado. Disse: - Tu agora é minha noiva. Um dia a gente se casa.

Continuou de olhos fechados. Ela disse baixinho:

- Tu é meu noivo.

Mesmo não sabendo que era amor, sentiam que era bom.

Quando Sem-Pernas e João Grande chegaram, Pedro Bala se levantou da areia e reuniu os chefes. Foram para junto da vela do Professor. Dora veio também e sentou entre João Grande e Boa-Vida.

O malandro acendeu um cigarro, falou para Dora:

- Tou aprendendo tocar uma samba porreta. E tou cavando um violão, irmã.

- Tu tá tocando batuta mesmo, mano.

- É um tal de sucesso nas festa...

Pedro Bala interrompeu a conversa. Olhavam para o lábio dele, o olho inchado. Ele narrou o caso:

- Quatro contra um...

- Precisa duma lição - falou Sem-Pernas rindo. - Eu não vou com aquele cara.

Formaram um plano de batalha. E pelo meio da noite saíram uns trinta. O grupo de Ezequiel dormia para as bandas do Porto da Lenha, nuns barcos virados e na ponte.Dora foi junto a Pedro Bala e levava uma navalha também. Sem-Pernas disse:

- Até parece Rosa Palmeirão.

Nunca houvera mulher tão valente como Rosa Palmeirão. Dera em seis soldados de uma vez. Todo marítimo sabe o seu ABC no cais da Bahia. Por isso Dora gosta da comparação e sorri:

- Obrigado, mano.

Irmão... É uma palavra boa e amiga. Se acostumaram a chamá-la de irmã. Ela também os trata de mano, de irmão. Para os menores é como uma mãezinha, igual a uma mãezinha. Cuida deles. Para os mais velhos é como uma irmã que diz palavras boas e brinca inocentemente com eles e com eles passa os perigos da vida aventurosa que levam. Mas nenhum sabe que para Pedro Bala ela é a noiva. Nem mesmo o Professor sabe. E dentro do seu coração Professor também a chama de noiva.

O cachorro que o Sem-Pernas arranjou vai latindo. Volta Seca imita o latir de um cachorro, todos riem. João Grande assovia um samba. Boa-Vida começa a cantá-lo em voz alta:

"A mulata me abandonou..."

Vão alegres. Levam navalhas e punhais nas calças. Mas só o sacarão se os outros puxarem. Porque os meninos abandonado também têm uma lei e uma moral, um sentido de dignidade humana.

De repente João Grande grita:

- É ali.

Com a algazarra que fazem, Ezequiel sai de sob um barco:

- Quem vem lá?

- Os Capitães da Areia, que não engole desaforo... respondeu Pedro Bala.

E arrancaram para cima dos outros.

A volta foi um triunfo. Apesar do Sem-Pernas ter um talho e Barandão vir quase nos braços de tanta pancada um grandão do grupo de Ezequiel o surrara até que Volta Seca o rebentou, voltavam todo alegres, comentando a vitória. Os que tinham ficado no trapiche deram vivas. Ainda demoraram muito conversando, comentando. Falavam na coragem de Dora, que brigara igual a um menino. Igual a um homem, dizia João Grande. Era como uma irmã, exatamente igual a uma irmã...

Igual a uma noiva, exatamente igual a uma noiva, pensava Pedro Bala, estendido na areia. A lua amarelava o areal, as estrelas se refletiam no mar azul da Bahia.Ela veio, deitou ao lado dele. E começaram a falar de coisas tolas. Igual a uma noiva. Não se beijaram, não se abraçaram, o sexo não os chamava naquele momento.Só de leve o loiro cabelo dela tocava em Pedro Bala.

- Tu tem um cabelo bonito... - disse ele.

Ela riu, olhou o cabelo dele:

- O teu também.

Riram os dois e logo foi uma gargalhada. Era um hábito dos Capitães da Areia. Ela começou a contar coisas do morro, histórias dos vizinhos, ele relembrava fatos da vida agitada do grupo: