- Vim pra rua com cinco anos. Menor que teu irmão...
Riam inocentemente, felizes de estarem um ao lado do outro. Depois o sono veio. Estavam separados, Pedro tomou a mão dela, segurou. Dormiram como dois irmãos.
Capítulo 15 - Reformatório
O Jornal da Tarde trouxe a notícia em grandes títulos.
Uma manchete ia de lado a lado na primeira página:
Preso o chefe dos "Capitães da Areia"
Depois vinham os títulos que estavam em cima de um clichê, onde se viam Pedro Bala, Dora, João Grande, Sem-Pernas e Gato cercados de guardas e investigadores:
Uma menina no grupo - A sua história - Recolhida a um orfanato - O chefe dos "Capitães da Areia" é filho de um grevista - Os outros conseguem fugir - "O reformatório o endireitará", nos afirma o diretor.
Sob o clichê vinha esta legenda: Após ser batida esta chapa o chefe dos peraltas armou uma discussão e um barulho que deu lugar a que os demais moleques presos pudessem fugir. O chefe é o que está marcado contra cruz e ao seu lado vê-se Dora, a nova gigolete dos moleques baianos.
Vinha a notícia:
Ontem a polícia baiana lavrou um tento. Conseguiu prender o chefe do grupo de menores delinquentes conhecidos pelo nome de "Capitães da Areia". Por mais de uma vez este jornal tratou do problema dos menores que viviam nas ruas e da cidade dedicados ao furto.
Por várias vezes também noticiamos os assaltos levados a efeito por este mesmo grupo. Realmente a cidade vivia sob o temor constante destes meninos, que ninguém sabia onde moravam, cujo chefe ninguém conhecia. Há alguns meses tivemos ocasião de publicar cartas do doutor Chefe de Polícia, do doutor Juiz de Menores e do diretor do Reformatório Baiano sobre este problema. Todos eles prometiam incentivar a campanha contra os menores delinquentes e em particular contra os "Capitães da Areia".
Esta campanha tão meritória deu os seus primeiros frutos ontem com a prisão do chefe desta malta e de vários do grupo, inclusive uma menina. Infelizmente, devido a uma sagaz burla de Pedro Bala, o chefe, os demais conseguiram escapar de entre as mãos dos guardas. Em todo caso, a polícia já conseguiu muito prendendo o chefe e a romântica inspiradora dos roubos: Dora, uma figura interessantíssima de menor delinquente. Feitos estes comentários, narremos os fatos:
A tentativa de furto
Ontem, às últimas horas da tarde, cinco meninos e uma menina penetraram no palacete do doutor Alcebíades Menezes, na ladeira de São Bento. Foram porém pressentidos pelo filho do dono da casa, estudante de medicina, que deixou que eles penetrassem num quarto, onde os trancou. Chamou então os guardas e investigadores, a quem os entregou.
A reportagem do "Jornal da Tarde", informada do fato, partiu para a casa do doutor Alcebíades. Lá chegando, encontrou os menores que eram levados à chefia de polícia.Pedimos então para tirar um retrato do grupo· A polícia muito gentilmente consentiu. Pois no momento em que o fotógrafo acabava de fazer funcionar o magnésio e batera chapa, Pedro Bala, o temível chefe dos "Capitães da Areia", facilitou a evasão.
Evasão
Pondo em prática uma agilidade incomum Pedro Bala se livrou dos braços do investigador que o segurava e com um golpe de capoeira o derrubou. No entanto não fugiu.É claro que os demais guardas e investigadores se precipitaram em cima dele para impedir a sua fuga. Só então foi possível compreender o plano do chefe dos "Capitães da Areia" pois este gritou para os companheiros presos.
- Arriba, pessoal.
Um único guarda ficara a tomar conta dos outros, e um deles, muito ágil, o derrubou também com um golpe de capoeira. E desabaram para a ladeira da Montanha.
Na polícia
Na chefia de polícia quisemos ouvir Pedro Bala. Mas ele nada nos disse, como tampouco quis declarar às autoridades o lugar onde dormiam e guardavam seus furtos os "Capitães da Areia". Só declarou seu nome, disse que era filho de um antigo grevista que foi morto num "meeting" na célebre greve das docas de 191... que não tinha ninguém no mundo. Quanto a Dora, é filha de uma lavadeira que morreu de varíola quando da epidemia que alastrou a cidade. Não faz senão quatro meses que está entre os "Capitães da Areia", mas já tomou parte em muitos assaltos. E parece ter uma grande honra nisso.
Noivos
Dora declarou à nossa reportagem que era noiva de Pedro Bala e que iam se casar. É uma menina ainda ingênua, mais digna de piedade que de castigo. Fala no seu noivado com maior das ingenuidades. Não tem mais de quatorze anos, enquanto Pedro Bala anda pelos seus dezesseis. Dora foi leva da ao Orfanato Nossa Senhora da Piedade.Neste santo ambiente não tardará a esquecer Pedro Bala, o romântico noivo-bandido, e a sua vida criminosa entre os "Capitães da Areia".
Quanto a Pedro Bala, será recolhido ao Reformatório de Menores logo que a polícia consiga que ele declare qual o local onde se esconde o grupo. A polícia tem grandes esperanças de consegui-lo ainda hoje.
Ouvindo o diretor no reformatório
O diretor do Reformatório Baiano de Menores Abandonados e Delinquentes é um velho amigo do "Jornal da Tarde". Certa vez uma reportagem nossa desfez um círculo de calúnias jogada contra aquele estabelecimento de educação e seu diretor.Hoje ele se achava na polícia esperando poder levar consigo o menor Pedro Bala. A uma pergunta nossa, respondeu.
- Ele se regenerará. Veja o título da casa que dirijo: "Reformatório". Ele se reformará.
E a outra pergunta nossa, sorriu:
- Fugir? Não é fácil fugir do Reformatório. Posso lhe garantir que não o fará.
Professor, à noite, leu a notícia para todos. Sem-Pernas disse.
- Ele já tá no reformatório. Eu vi quando saiu da polícia.
- E ela no orfanato... - completou João Grande.
- A gente livra eles - afirmou Professor. Depois virou-se para o Sem-Pernas. - Até Pedro Bala chegar tu fica como chefe, Sem-Pernas.
João Grande estendeu os braços para os outros, falou:
- Gentes, até Bala voltar Sem-Pernas é o chefe...
Sem-Pernas disse:
- Ele ficou pra livrar a gente. É preciso que a gente livre ele. Não direito?
Todos estavam decididos.
Quando o levaram para aquela sala Pedro Bala calculava o que o esperava. Não veio nenhum guarda. Vieram dois soldados de polícia, um investigador, o diretor do reformatório. Fecharam a sala. O investigador disse numa voz risonha:
- Agora os jornalistas já foram, moleque. Tu agora vai dizer que sabe queira ou não queira.
O diretor do reformatório riu:
- Ora, se diz...
O investigador perguntou:
- Onde é que vocês dormem?
Pedro Bala o olhou com ódio:
- Se tá pensando que eu vou dizer...
- Se vai...
- Pode esperar deitado.
Virou as costas. O investigador fez um sinal para os soldados. Pedro Bala sentiu duas chicotadas de uma vez. E o pé do investigador na sua cara. Rolou no chão, xingando.
- Ainda não vai dizer? - perguntou o diretor do reformatório. - Isso é só o começo.
- Não foi tudo o que Pedro Bala disse.
Agora davam-lhe de todos os lados. Chibatadas, socos pontapés. O diretor do reformatório levantou-se, sentou-lhe o pé Pedro Bala caiu do outro lado da sala. Nem se levantou. Os soldados vibraram os chicotes. Ele via João Grande, Professor, Volta Seca, Sem-Pernas, o Gato. Todos dependiam dele. A segurança de todos dependia da coragem dele. Ele era o chefe, não podia trair. Lembrou-se da cena da tarde. Conseguira dar fuga aos outros, apesar de estar preso também. O orgulho encheu seu peito. Não falaria, fugiria do reformatório, libertaria Dora. E se vingaria... Se vingaria...
Grita de dor. Mas não sai uma palavra dos seus lábios. Vai te fazendo noite para ele. Agora já não sente dores, já não sente nada. No entanto, os soldados ainda o surram, o investigador o soqueia. Mas e não sente mais nada.