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Quando termina de fumar, se enrodilha no chão. Se pudesse dormir... Pelo menos não veria o rosto cheio de sofrimento de Dora.

Quantas horas? Quantos dias? A escuridão é sempre a mesma, a sede é sempre igual. Já lhe trouxeram água e feijão três vezes. Aprendeu a não beber caldo de feijão, que aumenta a sede. Agora está muito mais fraco, um desânimo no corpo todo. O barril onde defeca exala um cheiro horrível. Não o retiraram ainda. E sua barriga dói, sofre horrores para defecar. É como se as tripas fossem sair. As pernas não o ajudam. O que o mantém em pé é o ódio que enche seu coração.

- Filhos da mãe... Desgraçados...

É tudo quanto consegue dizer. Assim mesmo, em voz baixa. Já não tem forças para gritar, para esmurrar a porta. Agora está certo de que morrerá ali. Cada vez sofre maiores dores para defecar. Vê Dora estendida no chão, morrendo de sede, chamando por ele. João Grande está do lado dela, mas separado por grades. Professore Pirulito choram.

Trouxeram-lhe água e feijão pela quarta vez. Ele bebe a água, mas demora a comer o feijão. Só sabe dizer em voz baixa:

- Filhos da mãe... Filhos da mãe...

Antes que a comida se poderia chamar aquilo de comida? chegasse naquele dia para Pedro era sempre noite, a voz voltou a chamá-lo na escada. Ele perguntou, sem se levantar sequer:

- Quantos dias já tem que tou aqui?

- Cinco.

- Me dá outro cigarro.

O cigarro o reanima um pouco. Pode pensar que com mais cinco dias morrerá. Aquilo é castigo para um homem, não para um menino. O ódio não cresce mais em seu coração.Já atingiu o máximo.

É sempre noite. Dora morre lentamente ante suas vistas. João Grande ao seu lado, as grades separando. Professor e Pirulito choram. Ele dorme ou está acordado? A barriga dói violentamente.

Quanto tempo durará ainda a escuridão? E a agonia de Dora? O cheiro do barril é insuportável. Dora agoniza ante seus olhos. Será que ele agoniza também?

A cara do diretor aparece ao lado do rosto de Dora. Vem torturar sua agonia ainda mais? Quanto tempo ela leva para morrer... Pedro Bala pede que ela morra logo, logo... Será melhor. Agora o direto veio, veio para aumentar a tortura. Ouve a voz dele:

- Levanta... - e um pé o toca.

Abre mais os olhos. Agora não vê mais Dora. Só a cara do diretor que sorri:

- Vamos ver se agora fica mais manso.

Não pode fitar a claridade que entra pelas janelas. Mal se agüenta nas pernas. Cai no meio do corredor. Dora teria morrido ou não? - pensa ao cair.

Está novamente na sala do diretor. Este o olha sorridente:

- Gostou do apartamento? Continua com muita vontade de roubar? Eu sei ensinar, quebrar moleque aqui.

Pedro Bala está irreconhecível de tão magro. Os ossos aparecem junto à pele. O rosto, verdoso da complicação intestinal. O bedel Fausto, dono daquela voz que ele ouvira certa vez na porta da cafua, está ao seu lado. E um tipo forte, tem fama de ser tão malvado quanto o diretor. Pergunta:

- Na oficina de ferreiro?

- Acho que é melhor na plantação de cana. Lavrar terra... - ri. Fausto diz que está bem, o diretor recomenda:

- Olho nele. Este é um pássaro ruim. Mas eu te ensino...

Pedro Bala sustenta seu olhar. O bedel o empurra.

Agora vê detidamente o casarão. No meio do pátio o cabeleireiro raspa a sua cabeça a zero. Vê a cabeleira loira rolar no chão. Dão-lhe umas calças e paletó de mescla azul. Veste-se ali mesmo. O bedel leva o a uma oficina de ferreiro:

- Tem um facão? E uma foice?

Entrega os objetos a Pedro Bala. Marcham para o canavial, onde outros meninos trabalham. Neste dia, de tão fraco, Pedro Bala mal sustém o facão. Por isso os bedéis o soqueiam. Ele nada diz.

À noite, na fila, olha para todos, querendo descobrir aquele que lhe falava e dava cigarros. Sobem as escadas, andam para o dormitório, que fica no terceiro andar para impedir qualquer ideia de fuga. A porta é fechada. O bedel Fausto diz:

- Graça, puxe a reza.

Um menino avermelhado faz o pelo-sinal. Todos repetem as palavras e os gestos. Depois é um padre-nosso e uma ave-maria, ditas com voz forte apesar do cansaço. Pedro se joga na cama. Uma coberta suja o espera. Mudam a roupa de cama de 15 em 15 dias. E a roupa de cama é apenas uma coberta e uma fronha para um travesseiro de pedra.

Já está dormindo quando alguém toca no seu ombro.

- Tu que é Pedro Bala, não é?

- Sim.

- Fui eu que trouxe o recado.

Pedro olha o mulato que está a seu lado. Pode ter dez anos:

- Eles têm voltado?

- Todo santo dia. Só quer saber quando tu sai da cafua.

- Diz que eu tou no canavial...

- Tu não quer comer um sacana hoje? Tem uns aqui, a gente de noite...

Tou morto de sono... Quanto tempo levei?

- Oito dias. Já morreu um ali.

O menino vai embora. Pedro nem perguntou seu nome. Tudo o que quer é dormir. Mas os que andam para as camas dos pederastas fazem ruído. O bedel Fausto sai do seu quarto de tabiques:

- Que barulho é esse?

Silêncio. Ele bate as mãos:

- Todos de pé.

Fita a todos:

- Ninguém sabe?

Silêncio. O bedel esfrega os olhos, anda entre as camas. Um enorme relógio dá dez horas na parede.

- Ninguém diz?

Silêncio. O bedel range os dentes:

- Então ficarão todos uma hora de pé... Até as onze. E o primeiro que tentar deitar vai pra cafua. Agora está desocupada...

Uma voz de menino corta o silêncio:

- Seu bedel...

É um pequeno, meio amarelento.

- Fale, Henrique.

- Eu sei...

Os olhos todos estão fitos nele. Fausto anima a delação:

- Diga o que sabe.

- Foi Jeremias, que ia pra cama de Berto fazer coisa feia.

- Seu Jeremias, seu Berto!

Os dois saem das suas camas.

- De pé na porta. Até meia-noite. Os outros podem deitar - olha mais uma vez a todos. Os castigados estão de pé na porta.

Quando o bedel se recolhe, Jeremias ameaça Henrique. Os outros comentam. Pedro Bala dorme.

No refeitório, enquanto bebiam o café aguado e mastigavam o bolachão duro, seu vizinho de mesa fala:

- Tu é o chefe dos Capitães da Areia? - sua voz é baixíssima.

- Sou, sim.

- Vi teu retrato no jornal... Tu é um macho! Mas te acabaram - olha o rosto magro de Bala.

Mastiga o bolachão. Continua:

- Tu vai ficar aqui?

- Vou arribar...

- Eu também. Tenho um plano... Quando eu bater asa, posso ir pra teu grupo?

- Pode.

- Onde fica o buraco?

Pedro Bala olha com desconfiança:

- Tu encontra a gente no Campo Grande toda tarde - Pensa que vou dizer?

O bedel Campos bate as mãos Todos se levantam. Dirigem-se para as diversas oficinas ou para os terrenos cultivados.

Pelo meio da tarde Pedro Bala vê o Sem-Pernas que passa na estrada. Vê também um bedel que o tange.

Castigos... Castigos... É a palavra que Pedro Bala mais ouve no reformatório. Por qualquer coisa são espancados, por um nada são castigados. O ódio se acumula dentro de todos eles.

No extremo do canavial passa um bilhete a Sem-Pernas. No outro dia encontra a corda entre as moitas de cana. Com certeza a puseram durante a noite. É um rolo de corda fina e resistente. Está novinha. No meio dela o punhal que Pedro mete nas calças. A dificuldade é levar o rolo para o dormitório. Fugir durante o dia é impossível, com a vigilância dos bedéis. Não pode levar o rolo entre a roupa, que notariam.

De repente surge uma briga. Jeremias se joga sobre o bedel Fausto com o facão na mão. Outros meninos se atiram também, mas vem um grupo de bedéis armados de chicotes.Estão sujeitando Jeremias.