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Não demorará que os outros partam. Só Pedro Bala não sabe o que fazer. Dentro em pouco será mais que um rapazola, será um homem e terá que deixar para outro a chefia dos Capitães da Areia. Para onde irá? Não poderá ser um intelectual como Professor, cujas mãos só viviam para pintar, não nasceu para malandro, como Boa-Vida, que não sente o espetáculo da luta diária dos homens, que só ama andar vagabundando pelas ruas, conversar acocorado nas docas, beber nas festas de morro. Pedro sente o espetáculo dos homens, acha que aquela liberdade não é suficiente para a sede de liberdade que tem dentro de si. Tampouco sente o chamado de Deus, como Pirulito o sentiu. Para ele as pregações do padre José Pedro nunca disseram nada. Gostava do padre como de um homem bom. Só as palavras de João de Adão encontravam acolhida no seu coração. Mas João de Adão mesmo sabe muito pouco. O que tem é músculos potentes e voz autoritária, e no entanto amiga, para chefiar uma greve. Tampouco Pedro Bala quer ir como Gato enganar os coronéis de Ilhéus, arranca o dinheiro deles. Quer qualquer coisa que não sabe ainda o que é, e por isso se demora entre os Capitães da Areia.

O trapiche grita se despedindo do Gato. Este sorri, elegantíssimo, alisando o cabelo, no dedo aquele anelão cor de vinho que furtar certa vez.

Do cais Pedro Bala dá adeus ao Gato. Vestido com suas roupas esfarrapadas, agitando o boné, se sente muito longe do Gato, que ao lado de Dalva parece um homem feito com sua roupa bem talhada Pedro sente uma aflição, uma vontade de fugir, de ir para qualquer parte num navio ou na rabada de um trem.

Mas quem vai na rabada de um trem é Volta Seca. Uma tarde a polícia o pegou quando o mulato despojava um negociante da sua carteira. Volta Seca tinha então dezesseis anos. Foi levado para a polícia, o surraram porque ele xingava todos, soldados e delegados com aquele imenso desprezo que o sertanejo tem pela polícia. Ele não soltou um grito enquanto apanhou. Oito dias depois o puseram na rua, e ele saiu quase alegre, porque agora tinha uma missão na vida matar soldados de polícia.

Passou uns dias no trapiche, o rosto sombrio, afogado em pensamentos. O sertão o chamava, a luta do cangaço o chamava. Um dia disse a Pedro Bala:

- Vou passar uns tempos com os Maloqueiros em Aracaju.

Os Índios Maloqueiros eram os Capitães da Areia em Aracaju. Viviam sob as pontes, roubavam e brigavam nas ruas. O juiz de menores Olimpio Mendonça era um homem bom, procurava resolver os conflitos como melhor podia, se abismava com a inteligência das crianças iguais a homens, compreendia que era impossível resolver o problema.Contava aos romancistas coisas dos meninos, no fundo amava os meninos. Mas se sentia aflito porque não podia resolver o problema deles. Quando entre os Índios Maloqueiros aparecia algum novo, ele já sabia que era um baiano que tinha chegado na rabada de um trem. E quando um sumia, sabia que tinha ido para entre os Capitães da Areia na Bahia.

Uma madrugada o trem de Sergipe apitou na estação da Calçada. Ninguém tinha vindo trazer Volta Seca à estação porque ele ia para voltar, ia passar uns tempos entre os Índios Maloqueiros, esquecer a polícia baiana, que o tinha marcado. Volta Seca se meteu no vagão de carga que estava aberto, se escondeu entre uns fardos. Aos poucos o trem abandona a estação. Depois é a estrada do sertão, Índia Nordestina. Nas casas de barro aparecem mulheres e meninas. Os homens seminus lavram a terra.Na estrada de animais que corre paralela à estrada de ferro passam boiadas. Vaqueiros gritam tangendo os animais. Nas estações vendem doces de milho, mingau, mungunzá, pamonha e canjica. O sertão vai entrando pelo nariz e pelos olhos de Volta Seca. Queijos e rapaduras passam em tabuleiros nas pequenas estações, as paisagens agrestes jamais esquecidas enchem novamente os olhos do sertanejo. Estes muitos anos na cidade não tinham arrancado seu amor ao sertão miserável e belo. Nunca fora um menino da cidade igual a Pedro Bala, a Boa-Vida, ao Gato. Fora sempre um deslocado na cidade, com uma fala diferente, falando em Lampião, dizendo meu padrim, imitando as vozes dos animais sertanejos.

Antigamente ele e sua mãe tinham um pedaço de terra. Ela era comadre de Lampião, os coronéis respeitavam sua terra. Mas quando Lampião se internou pelo sertão de Pernambuco os coronéis ficaram com a terra da mãe de Volta Seca. Ela desceu para a cidade para pedir justiça. Morreu no caminho, Volta Seca continuou a caminhada com seu rosto sombrio. Muita coisa aprendeu na cidade, entre os Capitães da Areia. Aprendeu que não era só no sertão que os homens ricos eram ruins para com os pobres.Na cidade, também. Aprendeu que as crianças pobres são desgraçadas em toda parte, que os ricos perseguem e mandam em toda parte. Sorriu por vezes, mas nunca deixou de odiar. Na figura de José Pedro descobriu o motivo por que Lampião respeitava os padre s. Se já pensava que Lampião era um herói, a sua experiência na cidade, o ódio adquirido na cidade, fez com que amasse a figura de seu padrinho acima de tudo. Acima mesmo da de Pedro Bala.

Agora é o sertão. Perfume das flores do sertão. Campos amigos, aves amigas, magros cachorros nas portas das casas. Velhos que parecem missionários indianos, negros de longos rosários no pescoço.

Cheiro bom de comidas de milho e mandioca. Homens magros que lavram a terra para ganhar mil e quinhentos dos donos da terra. Só caatinga é que é de todos, porque Lampião libertou a caatinga expulsou os homens ricos da caatinga, fez da caatinga a terra dos cangaceiros que lutam contra os fazendeiros. O herói Lampião, herói de todo o sertão de cinco estados. Dizem que ele é um criminoso, um cangaceiro sem coração, assassino, desonrador, ladrão. Mas para Volta Seca, para os homens, as mulheres e as crianças do sertão é um novo Zumbi dos Palmares, ele é um libertador, um capitão de um novo exército. Porque a liberdade é como o sol, o bem maior do mundo. E Lampião luta, mata, deflora e furta pela liberdade. Pela liberdade e pela justiça para os homens explorados do sertão imenso de cinco estados: Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe e Bahia.

O sertão comove os olhos de Volta Seca. O trem não corre, este vai devagar, cortando as terras do sertão. Aqui tudo é lírico, pobre e belo. Só a miséria dos homens é terrível. Mas estes homens são tão fortes que conseguem criar beleza dentro desta miséria. Que não farão quando Lampião libertar toda a caatinga, implantar a justiça e a liberdade?