— É dinheiro demais para um só jogo. Seus dois sacanas, perderam o juízo?
— Número mais alto, um arremesso? — perguntou Wu.
— Ayeeyah, os dois enlouqueceram — falou Poon. No entanto, estava tão excitado quanto os demais. — Onde estão os dados?
Wu pegou os dados. Eram três.
— Jogue pela porra do seu futuro, Tang Bexiguento! Tang Bexiguento cuspiu nas palmas das mãos, fez uma prece silenciosa, depois arremessou os dados, com um grito.
— Oh, oh, oh — exclamou, angustiado. Um 4, um 3 e outro 4. — Onze!
Os outros homens mal respiravam.
Wu cuspiu nos dados, amaldiçoou-os, abençoou-os, e arremessou. Um 6, um 2 e um 3.
— Onze! Ah, todos os deuses, grandes e pequenos! De novo... jogue de novo.
A excitação crescia no convés. Tang Bexiguento arremessou.
— Catorze!
Wu se concentrou, a tensão intoxicante, depois jogou os dados.
— Ayeeyah! — explodiu, todos eles explodiram. Um 6, um 4 e um 2.
— Eeee — foi só o que Tang Bexiguento conseguiu dizer, segurando a barriga, rindo de alegria enquanto os outros lhe davam os parabéns e se condoíam do perdedor.
Wu deu de ombros, com o coração ainda batendo forte no peito.
— Malditas sejam todas as aves marinhas que voam sobre a minha cabeça numa hora dessas!
— Ah, foi por isso que mudou de idéia, Wu Quatro Dedos?
— Foi... pareceu-me um sinal. Quantas aves marinhas piam enquanto nos sobrevoam, à noite?
— É verdade. Eu teria feito o mesmo.
— Azar! — Depois, Wu abriu um sorriso. — Eeee, mas o jogo é melhor do que Nuvens e Chuva, heya?
— Não na minha idade!
— Quantos anos tem, Tang Bexiguento?
— Sessenta... quem sabe setenta. Quase a sua idade. — Os haklos não mantinham um registro permanente de nascimento, como os moradores das aldeias em terra firme. — Não me sinto com mais de trinta.
— Soube que a Farmácia da Sorte, no mercado de Aberdeen, recebeu um novo carregamento de ginseng coreano, alguns com cem anos de idade! Isso vai tocar fogo no seu pau!
— Vai tudo bem com o pau dele, Poon Bom Tempo! Sua terceira mulher está esperando outra vez!
Wu abriu um sorriso sem dentes e pegou um grosso maço de notas de quinhentos dólares. Começou a contá-las, com os dedos ágeis, embora lhe faltasse o polegar. Anos atrás, havia sido cortado fora durante uma briga com os piratas do rio, numa expedição de contrabando. Parou momentaneamente, quando o Sétimo Filho subiu a bordo. O rapaz era alto para um chinês, e tinha vinte e seis anos. Cruzou o convés, andando desajeitadamente. Um avião a jato que chegava começou a sobrevoá-los.
— Eles chegaram, Sétimo Filho?
— Sim, pai, chegaram.
Quatro Dedos sacou o barrilete emborcado com alegria.
— Ótimo. Agora, podemos começar!
— Ei, Quatro Dedos — comentou Tang Bexiguento, indicando os dedos. — Um 6, um 4 e um 2... dá 12, que também é 3, o 3 mágico.
— É, eu vi.
Tang Bexiguento abriu um sorriso e apontou para o norte, um tantinho também para o leste, onde ficaria o aeroporto de Kai Tak... atrás das montanhas de Aberdeen, do outro lado do porto em Kowloon, a quase dez quilômetros dali.
— Quem sabe a sua sorte mudou, heya?
Segunda-feira
3
5hl6m
Na semi-alvorada, um jipe com dois mecânicos de macacão dobrou o portão 16, na extremidade leste do terminal, e parou perto do principal trem de aterrissagem do Yankee 2. A escada ainda estava no lugar, e a porta principal, levemente entreaberta. Os mecânicos, ambos chineses, saltaram, e um deles começou a inspecionar o trem de aterrissagem de oito rodas, enquanto o outro, com o mesmo cuidado, inspecionava o trem de aterrissagem do nariz do avião. Metodicamente, examinaram os pneus, as rodas e depois o acoplamento hidráulico dos freios. Então espiaram para dentro dos vãos de aterrissagem. Ambos usavam lanternas elétricas. O mecânico no trem de aterrissagem principal pegou uma chave de parafuso e subiu numa das rodas para olhar mais de perto, com a cabeça e os ombros agora bem enfiados no bojo do avião. Depois de um momento, chamou, em cantonense:
— Ayeeyah! Ei, Lim, dê uma olhada nisso.
O outro homem se aproximou e olhou para cima, o suor manchando o macacão branco.
— Estão aí ou não? Não dá para eu ver daqui.
— Irmão, enfie o pau na boca e desça pela privada para os esgotos. Claro que estão aqui. Estamos ricos. Vamos comer arroz para sempre! Mas fique quieto, para não acordar os demônios estrangeiros cagados aí em cima! Tome...
O homem entregou a Lim um pacote comprido, envolto em lona, e ele o guardou rápida e silenciosamente no jipe. Depois outro, e mais outro, menor, os dois homens nervosos e suando, trabalhando depressa, e em silêncio.
Outro pacote. E outro...
E então Lim viu o jipe da polícia dobrar a esquina e simultaneamente outros homens uniformizados saírem aos montes do portão 16, entre eles muitos europeus.
— Fomos traídos — exclamou, ofegante, enquanto corria, numa fuga desesperada para a liberdade. O jipe interceptou-o facilmente, e ele parou, tremendo de terror reprimido. Depois, cuspiu, praguejou e retraiu-se.
O outro homem pulara para o chão imediatamente e saltara para o assento do motorista do jipe. Antes que pudesse girar a chave na ignição, foi dominado e algemado.
— Então, seu safado — sibilou o sargento Lee —, aonde pensa que vai?
— A lugar nenhum, seu guarda, foi ele, aquele lá, aquele filho da puta, seu guarda, jurou que cortaria a minha garganta se não o ajudasse. Não sei de nada, juro sobre o túmulo da minha mãe!
— Seu sacana mentiroso, você nunca teve mãe. Vai passar cinqüenta anos na cadeia, se não falar!
— Seu guarda, juro por todos os deu...
— Mijo nas suas mentiras, seu cara de bosta. Quem está lhe pagando por esse serviço?
Armstrong cruzava devagarinho a pista do aeroporto, o gosto doce e enjoativo do golpe mortal na boca.
— Então — falou em inglês —, o que temos aqui, sargento? — Fora uma longa noite de vigília, e estava cansado e com a barba por fazer, e sem nenhuma disposição de ouvir os choramingos e protestos de inocência do mecânico. Portanto, falou suavemente, num perfeito cantonense de sarjeta: — Mais uma só palavra sua, por mais insignificante que seja, seu fornecedor de bosta leprosa, e mandarei meus homens saltarem sobre o seu Saco Secreto.
O homem ficou mudo.
— Ótimo. Como se chama?
— Tan Shu Ta, senhor.
— Mentiroso! Como se chama o seu amigo?
— Lim Ta-cheung, mas não é meu amigo, senhor, não o conhecia antes de hoje de manhã.
— Mentiroso! Quem pagou a vocês para fazerem isso?
— Não sei quem pagou a ele, senhor. Sabe, ele jurou que cortaria...
— Mentiroso! Sua boca está tão cheia de bosta que deve ser o deus da bosta em pessoa. O que há nesses embrulhos?
— Não sei. Juro pelo túmulo dos meus ancestr...
— Mentiroso! — disse Armstrong, sabendo que as mentiras eram inevitáveis.
Seu primeiro instrutor na polícia, calejado no trato com os chineses, lhe dissera:
— O chinês não é igual à gente. Ah, não quero dizer que seja feito de outro jeito... só que é diferente. Mente para os tiras o tempo todo, até ficar roxo, e quando a gente agarra um bandido, agindo limpamente, mesmo assim ele ainda mente e é escorregadio como um pau-de-sebo num monte de merda. Ele é diferente. Veja só os seus nomes. Cada chinês tem quatro nomes diferentes, um quando nasce, outro na puberdade, outro quando fica adulto, e um que escolhe para si mesmo, e eles se esquecem de um deles, ou acrescentam outro por dá cá aquela palha. E os nomes deles... pela madrugada! Os chineses se chamam de Lao-tsi-sing — os Cem Nomes Antigos. Há apenas cem sobrenomes básicos em toda a China, e desses há vinte Yus, oito Yens, dez Wus, e sabe lá Deus quanto Pings, Lis, Lees, Chens, Chins, Chings, Wongs e Fus, e cada um deles é pronunciado de cinco modos diferentes, portanto, sabe-se lá quem é quem!