— Então vai ser difícil identificar um suspeito, senhor?
— Nota 10, jovem Armstrong! Nota 10, meu rapaz. Você pode ter cinqüenta Lis, cinqüenta Changs e quatrocentos Wongs, e um não ser aparentado com o outro. Pela madrugada! Este é o problema, aqui em Hong Kong.
Armstrong deu um suspiro. Depois de dezoito anos, os nomes chineses eram tão confusos como nunca. E ainda por cima, todos eles pareciam ter um apelido pelo qual eram conhecidos.
— Como se chama? — perguntou de novo, e não se incomodou de esperar a resposta. — Mentiroso! Sargento! Desembrulhe um desses pacotes! Deixe ver o que contém.
O sargento Lee afastou o último envoltório. Dentro dele havia um M14, um rifle automático do exército dos Estados Unidos. Novo e bem lubrificado.
— Por causa disso, seu maldito filho da mama esquerda de uma puta — rosnou Armstrong —, você uivará durante cinqüenta anos!
O homem fitava a arma, apalermado, com cara de besta. Depois, soltou um gemido baixo.
— Fodam-se todos os deuses, não sabia que eram armas.
— Ah, sabia, sim! — disse Armstrong. — Sargento, bote este pedaço de bosta no camburão e fiche-o como contrabandista de armas.
O homem foi levado dali, com brutalidade. Um dos jovens policiais chineses estava desembrulhando outro pacote. Era pequeno e quadrado.
— Espere! — ordenou Armstrong em inglês. O policial e todos os outros que o ouviram ficaram imóveis. — Um deles pode conter uma bomba. Afastem-se todos do jipe! — Suando, o homem fez o que lhe mandaram. — Sargento, mande buscar os encarregados da remoção de bombas. Não há mais pressa.
— Sim, senhor.
O sargento Lee dirigiu-se ao intercomunicador no camburão da polícia.
Armstrong foi para baixo do avião e espiou para dentro do vão do trem de aterrissagem principal. Não dava para enxergar nada de estranho. Então, subiu numa das rodas.
— Santo Deus! — exclamou. Cinco prateleiras estavam firmemente presas a cada lado do tabique. Uma delas estava quase vazia, as outras, ainda cheias. Pelo tamanho e formato dos pacotes, julgava que fossem mais M14 e caixas de munição... ou granadas.
— Alguma coisa aí em cima, senhor? — perguntou o inspetor Thomas. Era um jovem inglês que estava há três anos na força policial.
— Dê uma olhada! Mas não toque em nada.
— Santo Deus! Há o bastante para algumas brigadas de choque!
— É. Mas quem seriam os revoltosos?
— Comunas?
— Ou nacionalistas... ou bandidos. Esses...
— Mas que diabo está acontecendo aí embaixo? Armstrong reconheceu a voz de Linc Bartlett. Fechou a cara e saltou para o chão, com Thomas logo atrás. Dirigiu-se para a ponta da escada.
— É o que eu também gostaria de saber, Sr. Bartlett — falou, secamente.
Bartlett estava parado na porta principal do avião, com Svensen ao lado. Ambos estavam de pijama e robe, e com cara de sono.
— Gostaria que desse uma olhada nisso.
Armstrong apontou para o rifle, agora parcialmente escondido no jipe.
Bartlett desceu as escadas imediatamente, com Svensen atrás.
— No quê?
— Queira fazer a gentileza de esperar no avião, Sr. Svensen.
Svensen ia responder, mas parou. Depois olhou para Bartlett, que balançou a cabeça.
— Prepare um café, sim, Sven?
— Claro, Linc.
— Bem, que história é essa, superintendente?
— Veja! — apontou Armstrong.
— É um M14. — Os olhos de Bartlett se estreitaram. — E daí?
— E daí que parece que seu avião está transportando armas.
— Não é possível.
— Acabamos de pegar dois homens descarregando. Lá está um dos sacanas — Armstrong apontou para o mecânico algemado, esperando de cara fechada ao lado do jipe —, e o outro está no camburão. Queira fazer a gentileza de olhar para o vão do trem de aterrissagem principal, senhor.
— Claro. Onde?
— Vai ter que trepar na roda.
Bartlett obedeceu. Armstrong e o inspetor Thomas anotaram o lugar exato onde ele pôs as mãos, para identificação de digitais. Bartlett ficou olhando estupefato para as prateleiras.
— Puta que o pariu! Se houver mais dessas, é um verdadeiro arsenal.
— É. Por favor, não toque em nada.
Bartlett examinou as prateleiras, depois saltou para o chão, agora totalmente desperto.
— Este não é um simples contrabandozinho. Aquelas prateleiras foram feitas sob medida.
— É. Não faz objeção a que revistemos o avião?
— Não. Claro que não.
— Pode ir, inspetor — falou Armstrong, imediatamente. — E faça uma inspeção muitíssimo cuidadosa. Agora, Sr. Bartlett, se quiser fazer a gentileza de explicar...
— Não contrabandeio armas, superintendente. Não creio que meu comandante o faça... ou Bill O'Rourke. Ou Svensen.
— E quanto à srta. Tcholok?
— Ora, faça-me o favor! Armstrong falou, com voz gélida:
— Este é um assunto muito sério, Sr. Bartlett. Seu avião está sob custódia, e sem aprovação da polícia, até ordem posterior, nem o senhor nem membro algum da sua tripulação poderão sair da colônia durante nossas investigações. Bem, e quanto à srta. Tcholok?
— É impossível, totalmente impossível, que Casey esteja envolvida de alguma maneira com armas, contrabando de armas ou qualquer outro tipo de contrabando. Impossível. — Bartlett parecia lastimar aquilo tudo, mas não tinha medo algum. — O mesmo se aplica ao resto de nós. — Sua voz tornou-se mais cortante. — O senhor foi avisado, não foi?
— Quanto tempo pararam em Honolulu?
— Uma ou duas horas, só para reabastecer, não me lembro ao certo. — Bartlett pensou por um momento. — Jannelli saltou, mas sempre salta. Essas prateleiras não podiam ter sido carregadas em uma hora e pouco.
— Tem certeza?
— Não, mas apostaria que isso foi feito antes de sairmos dos Estados Unidos. Embora não tenha a menor idéia de quando, onde, por quê e por quem. O senhor tem?
— Ainda não. — Armstrong observava-o atentamente. — Quem sabe gostaria de voltar ao seu gabinete, Sr. Bartlett. Poderíamos tomar lá o seu depoimento.
— Claro. — Bartlett olhou para o relógio. Eram cinco horas e quarenta e três minutos. — Façamos isso agora, depois tenho que dar alguns telefonemas. Ainda não estamos ligados ao seu sistema. Há algum telefone local ali? — perguntou, apontando para o terminal.
— Há. Naturalmente, preferimos interrogar o comandante Jannelli e o Sr. O'Rourke antes do senhor... se não se importa. Onde estão hospedados?
— No Victoria and Albert.
— Sargento Lee!
— Pronto, senhor.
— Pode ir indo para o QG.
— Sim, senhor.
— Também gostaríamos de falar com a srta. Tcholok primeiro. Novamente, se o senhor não se importar.
Bartlett subia as escadas, com Armstrong ao lado. Finalmente, falou:
— Está certo. Desde que o senhor o faça pessoalmente, e não antes das sete e quarenta e cinco. Ela tem trabalhado demais, tem um dia pesado pela frente, e não quero que seja incomodada desnecessariamente.
Entraram no avião. Sven esperava ao lado da copa, vestido normalmente, e muito perturbado. Policiais uniformizados e à paisana estavam por todo canto, revistando diligentemente.
— Sven, e aquele café?
Bartlett foi na frente, cruzando a ante-sala e entrando no seu escritório-gabinete. A porta central da popa, no final do corredor, estava aberta. Armstrong pôde ver parte da suíte principal, com sua cama tamanho extragrande. O inspetor Thomas vasculhava algumas gavetas.
— Merda! — resmungou Bartlett.
— Lamento — disse Armstrong —, mas é necessário.
— O que não quer dizer que eu tenha que gostar, superintendente. Jamais gostei de estranhos metendo o nariz na minha vida privada.
— É, concordo. — O superintendente fez sinal para um dos oficiais à paisana. — Sung!