"Mas, como obter dois milhões isentos de impostos?
"Não sei. Mas sinto que aqui é o lugar para isso."
O Rolls parou de repente quando uma massa de pedestres passou por entre as filas apertadas de carros e ônibus de dois andares, táxis, caminhões, carroças, furgões, bicicletas, carrinhos de mão e alguns jinriquixás. Milhares de pessoas andavam apressadas de um lado para outro, entrando ou saindo de becos e ruas laterais, saltando das calçadas para o meio da rua na hora do maior movimento matutino. Rios de formigas humanas.
Casey pesquisara muito sobre Hong Kong, mas ainda assim não estava preparada para o impacto que o excesso incrível de gente lhe causara.
— Nunca vi nada igual, Linc — dissera pela manhã, quando ele chegou ao hotel, pouco antes de ela sair para a reunião. — Passava das dez horas quando viemos do aeroporto para cá, mas havia milhares de pessoas na rua, inclusive crianças, e tudo, restaurantes, mercados e lojas, ainda estava aberto.
— Gente quer dizer lucro... por que outro motivo estamos aqui?
— Estamos aqui para usurpar o domínio da Casa Nobre sobre a Ásia com a ajuda e o conluio secretos de um Judas Iscariotes, John Chen. Linc riu com ela.
— Correção. Estamos aqui para fazer um negócio com Struan, e para dar uma olhada nas coisas.
— Quer dizer que o plano mudou?
— Taticamente, sim. A estratégia é a mesma.
— Por que a mudança, Linc?
— Charlie me telefonou ontem à noite. Acabamos de comprar mais duzentas mil ações da Rothwell-Gornt.
— Então, a proposta para a Struan é só para despistar, e o nosso alvo real é a Rothwell-Gornt?
— Ainda temos três alvos: a Struan, a Rothwell-Gornt e as Propriedades Asiáticas. Damos uma olhada e esperamos. Se as coisas estiverem com boa cara, atacamos. Se não, poderemos ganhar cinco, quem sabe oito milhões este ano na nossa transação legal com a Struan. É um maná.
— Não está aqui pelos cinco ou oito milhões. Qual o verdadeiro motivo?
— Prazer.
O Rolls avançou mais alguns metros, depois parou de novo, com o tráfego agora mais denso, à medida que se acercavam da zona central. "Ah, Linc", pensou ela, "seu prazer abrange uma infinidade de piratarias."
— Sua primeira visita a Hong Kong, senhorita? — perguntou o chofer, interrompendo seus pensamentos.
— É, sim. Cheguei ontem à noite.
— Ah, que bom. Tempo muito ruim, não se preocupe. Muito mau cheiro, muito úmido. Sempre úmido no verão. Primeiro dia bonito, heya?
O primeiro dia começara com o toque agudo do transmissor-receptor da faixa do cidadão despertando-a. E "Jerônimo".
Era a palavra de código deles para "perigo... cuidado". Tomara banho e se vestira rapidamente, sem saber de onde vinha o perigo. Acabara de colocar as lentes de contato, quando o telefone tocou.
— Aqui fala o superintendente Armstrong. Desculpe incomodá-la tão cedo, srta. Tcholok, mas pode me receber por um momento?
— Claro, superintendente. — Hesitara. — Daqui a cinco minutos... encontro-o no restaurante?
Encontraram-se, e ele a interrogara, contando-lhe apenas que fora descoberto contrabando no avião.
— Há quanto tempo trabalha para o Sr. Bartlett?
— Diretamente, há seis anos.
— Houve algum problema com a polícia antes? De qualquer tipo?
— Quer dizer com ele... ou comigo?
— Com ele. Ou com a senhorita.
— Nenhum. O que foi que encontraram a bordo, superintendente?
— Não parece muito preocupada, srta. Tcholok.
— E por que estaria? Não fiz nada de ilegal, e nem Linc. Quanto à tripulação, são profissionais escolhidos a dedo; portanto, duvido que se metessem com contrabando. São drogas, não é? Que tipo de drogas?
— Por que seriam drogas?
— Não é isso o que se contrabandeia para cá?
— Foi um carregamento muito grande de armas.
— O quê?
Ele fizera mais perguntas, à maioria das quais ela respondera, e depois Armstrong se fora. Ela terminara o café, e recusara, pela quarta vez, os pãezinhos franceses quentinhos, feitos em casa, que um garçom jovem, sorridente e engomado, lhe oferecia. Lembravam-lhe os que comera no sul da França, há três anos.
"Ah, Nice e Cap-d'Ail e o vin da Provença! E o querido Linc", pensara, voltando à suíte para esperar seu telefonema.
— Casey? Ouça, o...
— Ah, Linc, que bom que ligou — dissera imediatamente, interrompendo-o de propósito. — O superintendente Armstrong esteve aqui há alguns minutos... e esqueci de lembrar-lhe ontem à noite para ligar para Martin, sobre as ações.
"Martin" também era uma palavra em código, que significava "Acho que estão escutando esta conversa".
— Também pensei nele. Mas agora não tem importância. Conte-me exatamente o que aconteceu.
Ela contou. E ele relatou brevemente o que se passara.
— Conto mais detalhes quando chegar aí. Estou indo direto para o hotel. Que tal a suíte?
— Fantástica! A sua se chama Riacho Fragrante. Meu quarto é contíguo, acho que normalmente faz parte dela. Parece que aqui há dez criados de quarto por suíte. Pedi um café no quarto, e ele chegou numa bandeja de prata antes que eu desligasse o telefone. Os banheiros são tão grandes que neles seria possível oferecer um coquetel para vinte pessoas, com um conjunto de três músicos.
— Ótimo. Espere por mim.
Ela ficou sentada num dos sofás de couro da sala de estar luxuosa, esperando, saboreando a qualidade de tudo o que a cercava. Lindas cômodas chinesas laqueadas, um bar bem-provido num nicho espelhado, arranjos de flores discretos e uma garrafa de uísque escocês com monograma — Lincoln Bartlett —, com os cumprimentos do gerente-geral. A suíte dela, com uma porta de comunicação, de um lado; a suíte dele, a principal, do outro. Ambas eram as maiores que já vira, com camas de tamanho extragrande.
Por que haviam colocado armas no avião, e quem o teria feito?
Imersa em seus pensamentos, olhou pela janela, que ia de parede a parede, e fitou a ilha de Hong Kong e o imponente Pico, a montanha mais alta da ilha. A cidade, chamada Vitória em homenagem à rainha Vitória, começava ao nível do mar, depois se erguia, camada sobre camada, na periferia das montanhas vivamente inclinadas, diminuindo à medida que os morros se elevavam, mas ainda assim havia prédios de apartamentos próximos ao topo. Dava para ver um deles logo acima do terminal do funicular do Pico. "A vista de lá deve ser fantástica", pensou Casey, distraidamente.
A água azul rebrilhava lindamente, o porto tinha um tráfego tão denso quanto as ruas de Kowloon, lá embaixo. Navios de passageiros e cargueiros estavam ancorados ou amarrados aos cais de Kowloon, ou entrando e saindo, as sereias tocando alegremente. Lá no estaleiro, no lado de Hong Kong, via-se um destróier da Marinha Real, e, ancorada perto dele, uma fragata cinza-escura da marinha americana. Havia centenas de juncos de todos os tamanhos e idades — na sua maior parte barcos de pesca —, alguns movidos a motor, outros velejando imponentes para lá e para cá. Balsas de dois andares, abarrotadas, entravam e saíam do porto com a leveza de libélulas, e por toda parte sampanas, movidas a remo ou a motor, cruzavam destemidas as faixas marítimas estabelecidas.
"Onde mora toda essa gente?", perguntava-se a moça, estupefata. "E como ganha o seu sustento?"
Um criado de quarto abriu a porta com a sua chave-mestra, sem bater, e Linc Bartlett entrou no aposento.
— Está com ótimo aspecto, Casey — falou, fechando a porta atrás de si.
— Você também. Essa história das armas é coisa feia, não é?