— Por favor, chame-me de Casey.
— Quem sabe eu prefira Kamalian Ciranoush. Ela o olhou, de boca aberta.
— Como sabe os meus nomes? Duvido que até mesmo Linc se lembre deles.
— Ah, vale a pena ter amigos em posições influentes, não é? — disse, com um sorriso. — À bientôt.
— Oui, merci — replicou ela, automaticamente.
Ele se dirigiu para o elevador em frente e apertou o botão. As portas se abriram instantaneamente e se fecharam às suas costas.
Pensativa, Casey seguiu Mary Li, que esperava, ouvido atento a cada nuança. Dentro do elevador, Dunross pegou uma chave, enfiou na fechadura e girou. Agora, o elevador estava ativado. Servia apenas aos dois andares superiores. Apertou o botão inferior. Somente três pessoas tinham chaves semelhantes: Claudia Chen, sua secretária-executiva, Sandra Yi, sua secretária particular, e o seu Criado Número Um Lim Chu.
No vigésimo primeiro andar ficavam seus escritórios particulares, e a sala da diretoria da assembléia interna. No vigésimo segundo, a cobertura, ficava a suíte pessoal do tai-pan. E somente ele possuía a chave para o último elevador particular que ligava a garagem subterrânea diretamente com a cobertura.
— Ian — dissera o tai-pan que o precedera, Alastair Struan, ao lhe entregar as chaves, depois que Phillip Chen os deixara a sós —, sua privacidade é a coisa mais valiosa que possui. Também isso Dirk Struan especificou no seu legado, e como foi sábio! Nunca se esqueça: os elevadores particulares não são um luxo ou uma ostentação, do mesmo modo que a suíte do tai-pan não o é. Existem apenas para lhe dar uma noção do sigilo de que vai precisar, talvez até de um lugar para se esconder. Vai entender melhor depois de ler o legado e ver o que há no cofre do tai-pan. Proteja esse cofre com todas as armas de que dispuser. Todo o cuidado é pouco, há muitos segredos ali, segredos demais, no meu entender, e alguns não são bonitos.
— Espero não falhar — dissera cortesmente, detestando o primo, seu entusiasmo intenso pela posse do prêmio pelo qual tanto trabalhara e tanto arriscara.
— Não falhará. Não você — dissera o velho, tensamente. — Você foi testado, e quer este cargo desde que se entende por gente, não é?
— É — replicara Dunross. — Tentei me preparar para ele. É. Só estou surpreso por você tê-lo dado a mim.
— Você está recebendo o cargo máximo da Struan não por causa do seu direito inato... ele só lhe dava acesso à assembléia interna... mas porque acho que você é o melhor que temos para me suceder, e há anos você vem tramando, empurrando e forçando a barra. É verdade, não é?
— A Struan precisa de modificações. Vamos falar mais verdades: a Casa Nobre está uma joça. Não é tudo culpa sua, houve a guerra, depois a Coréia, depois Suez, você teve uma longa maré de azar. Levará anos para ficarmos em segurança. Se Quillan Gorn, ou qualquer outro dos nossos vinte inimigos, soubesse metade da verdade, soubesse como estamos endividados, estaríamos afogados nos nossos títulos inúteis em uma semana.
— Nossos títulos têm valor... não são inúteis! Você está exagerando... como sempre!
— Valem vinte centavos em cada dólar, porque não temos capital suficiente, nem fluxo de caixa suficiente, e estamos realmente em perigo mortal.
— Besteira!
— É? — A voz de Dunross se tornara cortante, pela primeira vez. — Rothwell-Gorn podia nos engolir em um mês, se soubesse o valor das nossas atuais contas a receber, comparadas às nossas obrigações prementes.
O velho olhara para ele, sem responder. Depois dissera:
— É uma condição temporária. Oportuna e temporária.
— Besteira! Sabe muito bem que está me dando o cargo porque sou o único homem que pode endireitar a bagunça que vocês deixaram, você, meu pai, e seu irmão.
— É, estou apostando que pode. Isso lá é verdade — explodiu Alastair. — É, você realmente tem a quantidade certa do Demônio Struan no seu sangue para servir a esse amo, se quiser.
— Obrigado. Admito que não vou deixar que nada se interponha no meu caminho. E já que esta é a noite das verdades, posso dizer-lhe por que sempre me odiou, por que meu próprio pai sempre me odiou.
— Pode, é?
— Posso. É porque sobrevivi à guerra, e seu filho, não. E porque seu sobrinho Linbar, o último do seu ramo dos Struans, é um bom rapaz, mas um inútil. É, eu sobrevivi, mas meus pobres irmãos, não, e isso ainda deixa meu pai louco. É ou não é a verdade?
— É — concordou Alastair Struan. — Temo que seja.
— Eu não temo que seja. Eu não temo nada. Vovó Dunross cuidou para que eu não temesse.
— Heya, tai-pan — falou Claudia Chen alegremente quando a porta do elevador se abriu. Era uma eurasiana grisalha e animada, de sessenta e tantos anos, e estava sentada atrás de uma mesa imensa que dominava o saguão do vigésimo primeiro andar. Servia à Casa Nobre há quarenta e dois anos, e aos diversos tai-pans, exclusivamente, há vinte e cinco desses anos. — Neh hoh mah? Como vai?
— Ho, ho — replicou, distraidamente. Bom. E a seguir, em inglês: — Bartlett telefonou?
— Não. — Franziu o cenho. — Não é esperado antes da hora do almoço. Quer que tente localizá-lo?
— Não, deixe para lá. E quanto à minha ligação para Foster, em Sydney?
— Ainda não foi completada. Nem sua ligação para o Sr. MacStruan, em Edimburgo. Algum problema? — perguntou, percebendo instantaneamente a disposição dele.
— O quê? Ah, não, nenhum. — Afastou a sua tensão, passou pela mesa dela, entrou na própria sala, com vista para o porto, e sentou-se na poltrona junto ao telefone. Ela fechou a porta e sentou-se perto dele, com o bloquinho à mão. — Estava apenas recordando o meu Dia D — disse ele. — O dia em que assumi o cargo.
— Ah. Sorte, tai-pan.
— É.
— Sorte — repetiu ela —, e há muito tempo. Ele riu.
— Muito tempo? Quarenta vidas inteiras. Faz três anos, mas o mundo todo mudou, e continua indo depressa. Como serão os próximos dois anos?
— Semelhantes, tai-pan. Ouvi dizer que o senhor se encontrou com a srta. Casey Tcholok na porta de entrada.
— Ei, quem lhe contou? — perguntou, vivamente.
— Pelo bom Deus, tai-pan, não posso revelar as minhas fontes. Mas ouvi dizer que a fitou, e ela ao senhor. Heya?
— Bobagem! Quem lhe falou dela?
— Ontem à noite liguei para o hotel para verificar se tudo estava bem. O gerente me contou. Sabe que aquele idiota ia estar com "a casa cheia"? "Ora, se eles partilham uma suíte ou uma cama, não é da sua conta", disse-lhe eu. "Estamos em 1963, na era moderna, com muita liberação, e de qualquer maneira, é uma bela suíte com suas entradas e quartos separados, e, mais importante ainda, são nossos convidados." — Ela casquinou. — Dei uma de importante... Ayeeyah, o poder é um belo brinquedo.
— Contou ao jovem Linbar, ou aos outros, que K. C. é mulher?
— Não. A ninguém. Sabia que o senhor sabia. Barbara Chen me contou que o Patrão Chen já lhe telefonara contando sobre Casey Tcholok. Que tal é ela?
— "Boa para se levar para a cama", seria uma descrição — disse ele, sorrindo.
— Sei... e que mais? Dunross pensou por um momento.
— É muito atraente, veste-se muito bem, embora muito discretamente hoje, imagino que por nossa causa. Muito confiante e muito observadora; notou que a porta da entrada estava fora de esquadro e me perguntou o motivo. — Apanhou um cortador de papel de marfim e ficou brincando com ele. — John não gostou dela nem um pouquinho. Falou que apostava que ela era uma daquelas mulheres americanas patéticas que são como as frutas da Califórnia: bonitas, vistosas, mas sem gosto algum!
— Pobre Patrão John, embora adore a América, prefere certos... aspectos da Ásia!
Dunross riu.
— Logo vamos ver se ela é uma negociadora astuta. — Sorriu. — Mandei que entrasse sem ser anunciada.
— Aposto cinqüenta HK que pelo menos um deles sabia antecipadamente que ela era mulher.