— Fale com o pai de John, tai-pan — disse Claudia Chen.
— Já falei. Uma vez. E chega. Não é só culpa do John. Essa mulher deixa qualquer um louco. — Abriu um sorriso. — Mas concordo em que está exaltadíssima... desta vez. Isso vai custar a John um anel de esmeraldas, ou pelo menos um casaco de vison.
O telefone tocou de novo. Claudia atendeu.
— Alô, escritório do tai-pan! Sim? Oh! — Sua felicidade se evaporou, e ela endureceu a fisionomia. — Um momento, por favor. — Apertou o botão de espera. — Uma ligação pessoal de Hiro Toda, de Yokohama.
Dunross sabia como Claudia se sentia a respeito do homem, sabia que ela odiava os japoneses e abominava a ligação da Casa Nobre com eles. Ele tampouco podia perdoar aos japoneses o que haviam feito à Ásia durante a guerra. O que haviam feito com aqueles que conquistaram, com os indefesos. Homens, mulheres e crianças. Os campos de prisioneiros e as mortes desnecessárias. De soldado a soldado, não tinha por que se queixar. Guerra é guerra.
A guerra dele fora contra os alemães. Mas a guerra de Claudia fora ali em Hong Kong. Durante a ocupação japonesa, como era eurasiana, não fora posta na Prisão Stanley junto com todos os civis europeus. Ela, a irmã e o irmão haviam tentado ajudar os prisioneiros de guerra com alimentos, remédios e dinheiro, contrabandeando-os para dentro do campo. A Kampeitai, a polícia militar japonesa, a pegara. Agora, não podia ter filhos.
— Digo que não está? — perguntou.
— Não. — Dois anos antes, Dunross aplicara uma quantia enorme de capital nas Indústrias de Navegação Toda, de Yokohama, comprando dois gigantescos cargueiros para aumentar a frota Struan, que fora dizimada na guerra. Escolhera o estaleiro japonês porque o produto deles era o melhor, assim como os seus termos — eles garantiam a entrega e tudo o mais que os estaleiros britânicos não garantiam —, e porque sabia que estava na hora de esquecer. — Alô, Hiro — disse. Gostava do sujeito, pessoalmente. — Prazer em ouvi-lo. Como vai o Japão?
— Por favor, desculpe-me por interrompê-lo, tai-pan. O Japão vai bem, embora quente e úmido. Nenhuma mudança.
— E meus navios, como vão indo?
— Muito bem, tai-pan. Tudo corre conforme combinamos. Só queria avisá-lo de que irei a Hong Kong no sábado de manhã, a negócios. Passarei aí o fim de semana, seguirei para Cingapura e Sydney, depois voltarei a tempo de fechar o negócio em Hong Kong. Ainda pretende vir a Yokohama para os dois lançamentos?
— Sim, sem dúvida. A que horas chega no sábado?
— Às onze e dez, pela Japan Air Lines.
— Mandarei um carro ir recebê-lo. Não quer vir diretamente para o Happy Valley, para as corridas? Podia almoçar conosco, depois meu carro o levará ao hotel. Vai se hospedar no Victoria and Albert?
— Desta vez no Hilton, no lado de Hong Kong. Tai-pan, queira me desculpar, não quero lhe dar nenhum trabalho, sinto muito.
— Não é trabalho nenhum. Mandarei um dos meus homens recebê-lo. Provavelmente Andrew Gavallan.
— Ah, ótimo. Então, obrigado, tai-pan. Terei prazer em vê-lo. Desculpe o transtorno.
Dunross desligou o telefone. "Por que será que me ligou, o motivo verdadeiro?", perguntou-se. Hiro Toda, diretor-administrativo do complexo de construção de navios mais ativo do Japão, nunca fazia nada repentino ou não-premeditado.
Dunross pensou no fechamento da transação deles, e nos três pagamentos de dois milhões cada, que venciam nos dias 1°, 11 e 15 de setembro, o restante em noventa dias; doze milhões de dólares americanos ao todo, que ele não tinha no momento. Ou o contrato assinado do fretador que era necessário para sustentar o empréstimo bancário que não tinha, ainda.
— Não faz mal — falou, tranqüilamente —, tudo vai dar certo.
— Para eles, sim — falou Claudia. — Sabe que não confio neles, tai-pan. Em nenhum deles.
— Não pode culpá-los, Claudia. Estão apenas tentando fazer economicamente o que não conseguiram fazer militar-mente.
— Tirando todo mundo dos mercados mundiais, com sua política de preços.
— Eles estão trabalhando duro, estão obtendo lucros, e nos enterrarão, se deixarmos. — O olhar dele também endureceu. — Mas, afinal, Claudia, por baixo do verniz de todo inglês, ou escocês, encontra-se um pirata. Se formos tão idiotas a ponto de permitir que nos enterrem, merecemos esse fim... afinal, não é esta a finalidade de Hong Kong?
— Por que ajudar o inimigo?
— Eles foram o inimigo — falou, bondosamente. — Mas apenas durante vinte e tantos anos, e nossas ligações com o Japão datam de cem anos. Não fomos os primeiros comerciantes a entrar no Japão? A Bruxa Struan não comprou para nós o primeiro lote posto à venda em Yokohama, em 1860? Ela não ordenou que fosse uma das pedras fundamentais da política da Struan manter o triângulo China-Japão-Hong Kong?
— Sim, tai-pan, mas não ach...
— Não, Claudia, negociamos com os Todas, os Kasigis, os Toranagas durante cem anos, e neste momento as Indústrias de Navegação Toda são muito importantes para nós.
O telefone tocou de novo. Ela atendeu:
— Sim, ligo depois para ele. — Depois, para Dunross: — É do bufê... sobre a sua festa logo mais.
— Qual é o problema?
— Nenhum, tai-pan... estão preocupados. Afinal, é o vigésimo aniversário de casamento d'o tai-pan. Hong Kong inteira tem que ficar impressionada. — O telefone tocou outra vez. Claudia atendeu. — Ah, ótimo! Complete a ligação... É Bill Foster, de Sydney.
Dunross atendeu.
— Bill... não, você estava no topo da lista. Já fechou negócio com as Propriedades Woolara?... Qual é o galho?... Não estou gostando. — Deu uma olhada no relógio. — Passa do meio-dia, aí na sua terra. Ligue para eles imediatamente e ofereça mais cinqüenta centavos australianos por ação, a oferta valendo até o encerramento do expediente comercial de hoje. Entre em contato com o banco em Sydney imediatamente e diga-lhes para exigirem o pagamento integral de todos os seus empréstimos até o fim do expediente comercial de hoje... Pouco me importa, já estão com trinta dias de atraso. Quero o controle daquela companhia agora. Sem ele, nosso novo negócio de cargueiros a frete vai se desmantelar, e vamos ter que começar do zero de novo. E tome o vôo 543 da Qantas na quinta-feira. Quero você aqui para uma conferência. — Desligou. — Mande o Linbar aqui para cima logo que a reunião com a Tcholok acabe. Reserve passagem para ele no vôo 716 da Qantas para Sydney, na sexta de manhã.
— Sim, tai-pan. — Tomou nota, depois entregou-lhe uma lista. — Estes são os seus compromissos para hoje.
Lançou uma olhada para o papel. Quatro reuniões de diretoria de algumas companhias subsidiárias naquela manhã: Balsa Dourada, às dez e meia; Motores Importados da Struan de Hong Kong, às onze; Alimentos Chong-Li, às onze e quinze; e Investimentos Kowloon, às onze e trinta. Almoço com Lincoln Bartlett e a srta. Casey Tcholok, de doze e quarenta às catorze horas. Mais reuniões de diretoria à tarde, Peter Marlowe às dezesseis. Phillip Chen às dezesseis e vinte, coquetel com o governador às dezoito, sua festa de aniversário de casamento começando às vinte, um lembrete para ligar para Alastair Struan na Escócia às onze, e pelo menos mais umas quinze pessoas em toda a Ásia para quem telefonar.
— Marlowe? — indagou.
— É escritor, está hospedado no Vic... Não está lembrado? Escreveu pedindo uma entrevista faz uma semana. Está fazendo pesquisas para um livro sobre Hong Kong.
— Ah, sei, o cara que foi da RAF.
— É. Quer que adie o encontro?
— Não. Mantenha o programa combinado, Claudia. — Tirou do bolso das calças um estojinho de couro preto para cartões, e passou para ela uma dúzia de cartões cobertos com anotações taquigrafadas. — Aqui estão alguns telegramas e telex para serem enviados imediatamente, e anotações para as diversas reuniões. Ligue-me com Jen, em Taipé, depois com Havergill, no banco, depois vá seguindo a lista.