— Por quê?
— Porque as operações da nossa companhia tiveram origem em Xangai, a maior cidade da Ásia, onde dominávamos. A Struan sempre se concentrou em Hong Kong, que, até bem pouco tempo, mal passava de uma cidadezinha provinciana.
— Mas Xangai são águas passadas, desde que os comunistas isolaram o continente, em 1949. Não há nenhum comércio externo passando hoje em dia através de Xangai; é tudo através de Cantão.
— É. Mas foram os xangaienses que saíram da China e vieram para o sul com dinheiro, cérebro e garra, que fizeram de Hong Kong o que é hoje e o que será amanhã: a metrópole de hoje e do futuro de todo o Pacífico.
— Melhor do que Cingapura?
— Sem dúvida.
— Manila?
— Sem dúvida.
— Tóquio?
— Esta será sempre só para os japoneses. — Os olhos de Gornt brilharam, as rugas de seu rosto tornaram-se mais nítidas. — Hong Kong é a maior cidade da Ásia, Sr. Bartlett. Quem a dominar, acabará por dominar a Ásia... naturalmente, estou me referindo ao comércio, finanças, transportes, grandes negócios.
— E quanto à China Vermelha?
— Achamos que Hong Kong é vantajosa para a RPC, como chamamos a República Popular da China. Somos a "porta aberta" controlada para eles. Hong Kong e a Rothwell-Gornt representam o futuro.
— Por quê?
— Porque, quando Xangai era o centro empresarial e industrial da China, quem regulava o passo do país eram os xangaienses. Eles são os "furões" da China, sempre foram e sempre serão. E agora, os melhores deles estão aqui conosco. Logo verá a diferença entre os cantonenses e os xangaienses. Estes são os empresários, os industriais, os promotores, os inter-nacionalistas. Não há um só grande magnata têxtil, armador ou industrial que não seja oriundo de Xangai. Os cantonenses dirigem as empresas da família, Sr. Bartlett, são individualistas, mas os xangaienses entendem de sociedades nos seus diversos aspectos e, acima de tudo, entendem de operações bancárias e financiamentos. — Gornt acendeu outro cigarro. — É aí que reside a nossa força, é por isso que somos melhores do que a Struan... e por que acabaremos sendo os maiores.
Linc Bartlett examinou o homem à sua frente. Pelo dossiê que Casey preparara, sabia que Gornt nascera em Xangai, de pais britânicos, tinha quarenta e oito anos, era viúvo com dois filhos crescidos, e que servira como capitão na infantaria australiana de 42 a 45, no Pacífico. Sabia também que governava a Rothwell-Gornt com muito êxito como um feudo particular, isso há oito anos, desde que assumira o lugar do pai.
Bartlett acomodou-se melhor na poltrona funda.
— Se existe esta rivalidade com a Struan, e tem tanta certeza de que acabará sendo a número 1, por que esperar? Por que não lhes tomar o lugar agora?
Gornt o fitava, fisionomia dura.
— Não há nada no mundo que mais me agradasse fazer. Mas não posso, ainda não. Quase consegui, faz três anos... eles haviam passado dos limites, o joss do tai-pan anterior se esgotara.
— Joss?
— É uma palavra chinesa que quer dizer "sorte", "destino", mas um pouquinho mais. — Gornt observava-o, pensativo. — Somos muito supersticiosos, por essas bandas. Joss é muito importante, como a escolha do momento preciso. Bem, a sorte de Alastair Struan se esgotara, ou virará azar. Tivera um ano anterior desastroso, e então, num gesto de desespero, passou o cargo para Ian Dunross. Quase afundaram, daquela vez. As ações deles começaram a cair. Parti para cima deles, mas Dunross conseguiu superar a crise e estabilizar o mercado.
— Como?
— Digamos que exerceu uma quantidade indevida de influência em certos círculos bancários.
Gornt recordou com fúria gelada que Havergill, do banco, de repente, em desacordo com todas as suas combinações particulares e secretas, não se opusera ao pedido da Struan de uma linha de crédito enorme e temporária que dera a Dunross tempo para se recuperar.
Gornt recordou sua ira cega quando ligara para Havergill.
— Diabos, mas por que fez isso? — perguntara-lhe. — Cem milhões com crédito extraordinário? Salvou o pescoço deles, pela madrugada! Nós estávamos com eles nas mãos. Por quê?
Havergill lhe contara que Dunross conseguira reunir votos suficientes na junta diretora, e impusera extrema pressão pessoal a ele, Havergill.
— Nada havia que eu pudesse fazer...
"É", pensou Gornt, olhando para o americano. "Perdi, daquela vez, mas acho que você é a chave explosiva de vinte e quatro quilates que irá acionar a bomba que fará a Struan ir pelos ares, deixando a Ásia para sempre."
— Dunross foi a extremos, daquela vez, Sr. Bartlett. Conseguiu alguns inimigos implacáveis. Mas agora somos igualmente fortes. É o que o senhor chamaria de um impasse. Eles não podem nos pegar, e nós não podemos pegá-los.
— A não ser que cometessem um erro.
— Ou nós cometêssemos um erro. — O homem mais velho soprou um anel de fumaça e ficou olhando para ele. Finalmente, voltou a olhar para Bartlett. — Acabaremos por vencer. O tempo na Ásia é um pouco diferente do tempo nos Estados Unidos.
— É o que me dizem.
— Não acredita?
— Sei que as mesmas regras de sobrevivência se aplicam aqui, ali, ou seja onde for. Apenas o grau varia.
Gornt ficou vendo a fumaça do cigarro enroscar-se até o teto. Sua sala era grande, com poltronas de couro bem usadas, excelentes quadros a óleo nas paredes, e recendia a couro lustrado e bons charutos. A cadeira de espaldar alto de Gornt, de carvalho antigo e entalhado, com estofamento vermelho, parecia dura, funcional e sólida, pensou Bartlett, igual ao homem.
— Podemos superar a oferta da Struan, e o tempo está do nosso lado, aqui, ali, ou seja lá onde for — disse Gornt.
Bartlett achou graça.
Gornt também sorriu, mas Bartlett notou que seus olhos não sorriam.
— Circule por Hong Kong, Sr. Bartlett. Faça perguntas sobre nós, e sobre eles. Depois, decida-se.
— É o que farei.
— Ouvi dizer que seu avião está retido aqui.
— Está, sim. A polícia do aeroporto encontrou armas a bordo.
— É, eu soube. Curioso. Bem, se precisar de ajuda para liberá-lo, talvez eu lhe possa ser útil.
— Podia ajudar agora mesmo, contando-me por que e por quem.
— Não tenho idéia... mas aposto que alguém da Struan tem.
— Por quê?
— Sabiam dos seus movimentos exatos.
— Vocês também.
— É. Mas não tinha nada a ver conosco.
— Quem sabia que íamos ter este encontro, Sr. Gornt?
— O senhor e eu. Conforme combináramos. Não houve vazamento por aqui, Sr. Bartlett. Depois do nosso encontro particular em Nova York, no ano passado, tudo foi feito por telefone... nem mesmo um telex de confirmação. Apoio a sua política sábia de cautela, sigilo, e contatos pessoais. Em particular. Mas, do seu lado, quem sabe do nosso... nosso interesse continuado?
— Ninguém, exceto eu.
— Nem mesmo sua tesoureira vice-presidente-executiva? — perguntou Gornt, sem disfarçar a surpresa.
— Não, senhor. Quando soube que Casey era "ela"?
— Em Nova York. Ora, vamos, Sr. Bartlett, não é provável que estivéssemos contemplando uma associação sem averiguarmos suas credenciais e as dos seus principais executivos.
— Ótimo. Isso poupará tempo.
— É curioso ter uma mulher numa posição-chave dessas.
— Ela é meu braço direito e esquerdo, e o melhor executivo que tenho.
— Então, por que não lhe contou do nosso encontro hoje?
— Uma das primeiras regras da sobrevivência é manter suas opções em aberto.
— Ou seja?
— Ou seja, não dirijo meus negócios em comitê. Além disso, gosto de agir de improviso, manter certas operações em segredo. — Bartlett pensou um momento, depois acrescentou: