Como sempre acontecia, um estremecimento a percorreu ao ver a faca da Bruxa enfiada no coração do pai. "Dew neh loh moh", pensou, "aquela era mesmo uma doida, com um demônio insaciável no seu Portão de Jade, sempre lamentando secretamente a perda d'o tai-pan, o pai do marido, lamentando o seu destino por ter-se casado com o fracote do filho e não com o pai, sem nunca ter ido para a cama com o pai, o seu Portão de Jade insaciável por esse motivo.
"Ayeeyah, e todos os estranhos que subiram estas escadas ao longo dos anos para entrarem na cama dela, bárbaros de todas as nações, de todas as idades, formatos e tamanhos, para serem jogados de lado como um traste depois de a sua essência ter sido usada e esgotada, o fogo jamais tocado."
Ah Tat estremeceu de novo. "Que os deuses sejam testemunhas! O Portão de Jade e o Monge de Um Olho Só são verdadeiramente yin e yang, verdadeiramente eternos, verdadeiramente divinos, ambos insaciáveis, não importa o quanto um consuma o outro. Graças a todos os deuses meus pais permitiram que eu fizesse voto de castidade, para devotar minha vida à criação de crianças, sem nunca ser rasgada por um Talo Ardente, para jamais voltar a ser a mesma. Graças a todos os deuses que nem todas as mulheres precisam de homens para elevá-las ao estágio de unidade com os deuses. Graças a todos os deuses algumas mulheres sabiamente preferem mulheres para acariciar, tocar, beijar e gozar. A Bruxa também teve mulheres, muitas, quando ficou velha, encontrando prazer, mas não satisfação, nos seus braços juvenis. É curioso que ela se deitasse com uma garota civilizada, mas não com um homem civilizado, que sem dúvida ter-lhe-ia apagado o fogo, de uma maneira ou de outra, com instrumentos de cama ou sem eles. Que todos os deuses sejam testemunhas, quantas vezes não lhe disse isso? Eu era a única pessoa com quem ela discutia tais coisas!
"Pobre idiota, com os seus sonhos distorcidos de poder, sonhos distorcidos de luxúria, igualzinha à velha imperatriz-mãe... pesadelos de uma vida que nenhuma vara pode mitigar."
Ah Tat desviou os olhos da faca e seguiu o seu caminho. "A Casa jamais será íntegra enquanto alguém não arrancar essa faca e lançá-la ao mar... com ou sem maldição."
A velha não bateu à porta do quarto de dormir, mas entrou silenciosamente, para não acordá-lo, e ficou parada junto à grande cama de casal, olhando para baixo. Aquela era a hora de que mais gostava, quando o seu homem-menino ainda dormia, sozinho, e ela podia ver seu rosto adormecido e examiná-lo, sem ter que se preocupar com o mau humor e a irritação da Mulher Principal, com as suas idas e vindas.
"Mulher tola", pensou solenemente, vendo os vincos no rosto dele. "Por que não cumpre o seu dever como Mulher Principal e arruma outra mulher para o meu filho, uma jovem, na idade de procriar, uma pessoa civilizada, como tinha o velho Demônio de Olhos Verdes? Então esta casa seria alegre de novo. É, a casa precisa de mais filhos... é uma burrice arriscar a prosperidade nos ombros de um filho só. É uma burrice deixar este touro sozinho, burrice deixar esta cama vazia, burrice deixá-lo para ser tentado por alguma prostitutazinha bajuladora, para desperdiçar a sua essência em pastos estranhos. Por que ela não se dá conta de que temos que proteger a Casa? Bárbaros!"
Viu os olhos dele se abrirem e entrarem em foco, e depois ele se espreguiçou gostosamente.
— Hora de levantar, meu filho — disse ela, tentando soar áspera e mandona. — Tem que tomar banho, vestir-se, dar mais telefonemas, heya, e deixar a sua pobre Mãe com mais tarefas e mais trabalho, heya?
— Sim, Mãe — resmungou Dunross em cantonense, em meio a um bocejo. Depois, sacudiu-se como um cachorro, espreguiçou-se mais uma vez e saltou da cama, dirigindo-se despido para o banheiro.
Ela examinou com ar crítico o seu corpo alto, as cicatrizes feias e enrugadas das antigas queimaduras da queda de avião que lhe cobriam a maior parte das pernas. Mas as pernas eram fortes, os flanços fortes, o yang resoluto e saudável. "Ótimo", pensou. "Que bom que está tudo bem." Mesmo assim, ela se preocupava com a perpétua esbelteza dele, sem a barriga substancial que seu dinheiro e sua posição mereciam.
— Não está comendo o bastante, meu filho!
— Mais do que o bastante!
— Há água quente no balde. Não se esqueça de escovar os dentes.
Satisfeita, começou a fazer a cama.
— Ele estava precisando desse descanso — resmungou, sem se dar conta de que estava falando em voz alta. — Na última semana tem parecido um homem endemoninhado, trabalhando o tempo todo, o medo no seu rosto, nele todo. Um medo desses pode matar. — Quando acabou de fazer a cama, falou mais alto: — Não fique fora até tarde hoje à noite. Precisa se cuidar, e se for dormir com uma prostituta, traga-a para cá, como uma pessoa sensata, heya?
Ouviu-o dar uma risada e ficou contente. "Nos últimos dias ele não tem rido o suficiente", pensou.
— Um homem precisa de risadas e de um yin jovem para alimentar o yang. Hem, o que foi que você disse?
— Perguntei pela Filha Número Um.
— Entra, sai, sempre sai, sai com aquele novo bárbaro — disse ela, indo até a porta do banheiro espiá-lo enquanto ele se lavava. — O tal de cabelos compridos e roupas amassadas que trabalha no China Guardian. Não o aprovo, meu filho, nem um pouquinho.
— Para onde eles "saíram", Ah Tat?
A velha deu de ombros, remexendo as gengivas.
— Quanto mais cedo a Filha Número Um se casar, melhor. Melhor que ela seja problema de outro homem, e não seu. Ou então deve dar-lhe uma boa sova na bunda. — Ele riu de novo, e dessa vez ela ficou imaginando por quê. — Está ficando de miolo mole — resmungou, depois se afastou. Na porta externa, lembrando-se, chamou: — Há uma pequena refeição pronta para você, antes de sair.
— Não se preocupe com comida... — começou Dunross, interrompendo-se, sabendo que era perda de tempo. Ouviu enquanto ela se afastava resmungando, fechando a porta às suas costas.
Estava de pé na banheira e jogou mais água fria sobre o corpo. "Porra, como eu queria que acabasse esta droga de falta d'água", pensou. "Que delícia uma longa chuveirada quente!", pensou, e logo se concentrou inexoravelmente em Adryon. Prontamente, escutou o conselho de Penelope: "Não banque a criança, Ian! A vida é dela, não banque a criança!"
— Estou tentando — murmurou, enxugando-se vigorosamente. Pouco antes de dormir, ligara para Penelope. Ela já estava no Castelo Avisyard, Kathy ainda na clínica de Londres para mais exames.
— Virá para cá na semana que vem. Espero que tudo saia bem.
— Estou em contato com os médicos, Penn. — Ele lhe falara da idéia de mandar Gavallan para a Escócia. — Ele sempre quis ficar aí, a Kathy também. Será melhor para os dois, não é?
— Ah, que maravilha, Ian! Que notícia maravilhosa!
— Podem ocupar toda a ala leste.
— É, sim. Ian, o tempo está maravilhoso, hoje, maravilhoso, e a casa tão linda! Não há mesmo chance de você vir passar alguns dias aqui?
— Estou de trabalho até o pescoço, Penn! Ouviu falar do mercado de ações?
Escutara o silêncio momentâneo, e quase pudera ver o rosto dela se alterar e escutar dentro da sua cabeça a fúria impotente contra o mercado, Hong Kong e os negócios, por mais que ela tentasse afastá-la.
— É. Deve ser terrível — dissera ela, ainda uma ligeira alteração na voz. — Coitado de você. Alastair estava reclamando um bocado ontem à noite. Vai ficar tudo bem, não é?
— Claro que sim — dissera, com grande confiança, imaginando o que ela diria se lhe contasse que teria que garantir com seus bens pessoais o empréstimo de Murtagh, se viesse mesmo a sair. "Ah, Deus, permita que saia." Contou-lhe todas as novidades, depois disse que Alan tinha enviado uma mensagem muito interessante da qual lhe falaria pessoalmente, acrescentando que a mensageira era uma japonesa-suíça. — É uma uva!