— Ah, mas agora é minha, Ah Tat! Eu lhe falei muito seriamente para passá-la a ferro.
Murtagh também parará, escutando a torrente de guin-chos em cantonense que partia das duas.
— Pombas — falou, cansado —, nunca vou me acostumar à maneira como os criados agem, não importa o que a gente lhes diga!
Dunross riu e chamou-o com um gesto, abrindo a porta de mansinho. Murtagh soltou uma exclamação abafada. Adryon estava com as mãos nos quadris, soltando a língua em cima de Ah Tat, que retribuía, as duas já roucas, cada uma gritando mais do que a outra, e sem se escutarem.
— Quietas! — falou Dunross. As duas pararam. — Obrigado. Você exagera um pouco, Adryon! — disse suavemente.
Ela abriu um sorriso.
— Oh, alô, papai! Não acha...
Interrompeu-se, vendo Murtagh. Dunross notou a mudança imediata. Sentiu uma pontada de advertência a percorrê-lo.
— Ah, Adryon, deixe que lhe apresente Dave Murtagh, vice-presidente do Royal Belgium and Far East Bank na Ásia. — Olhou para Murtagh e notou a expressão atordoada no rosto dele. — Esta é minha filha, Adryon.
— A senhorita... Bem... fala chinês, srta.... Dunross?
— Ah, sim, sim, claro, cantonense. Naturalmente. Chegou há pouco a Hong Kong?
— Ah, não, senhorita, não, já... já estou aqui há cerca de meio ano.
Dunross os observava com divertimento crescente, sabendo que, naquele momento, estava completamente esquecido. "Ah, rapaz conhece garota, garota conhece rapaz, e este talvez seja o sujeito perfeito para bagunçar o coreto do Haply."
— Quer tomar uma bebida conosco, Adryon? — perguntou com naturalidade, no momento em que a conversa deles esfriou e ela se preparava para se retirar.
— Ah, obrigada, papai, mas não quero incomodá-los.
— Já estamos acabando. Vamos! Como vão indo as coisas?
— Bem, tudo bem. — Adryon voltou-se para Ah Tat, que ainda continuava ali, impávida... também percebera a instantânea atração mútua. — Vá passar a minha blusa! Por favor — falou imperiosamente, em cantonense —, tenho que sair daqui a quinze minutos.
— Ayeeyah para os seus quinze minutos, Jovem Imperatriz — falou Ah Tat, com um muxoxo, e voltou para a cozinha, resmungando.
Adryon concentrou-se em Murtagh, que se reanimou visivelmente, a sua fadiga desaparecida.
— De que parte dos Estados Unidos você é?
— Do Texas, senhorita, embora tenha passado algum tempo em Los Angeles, Nova York e Nova Orleans. Joga tênis?
— Ora, jogo, sim.
— Temos umas boas quadras no Clube Americano. Aceitaria jogar comigo na semana que vem?
— Adoraria. Já joguei Iá antes. Você é bom?
— Ah, não, srta... srta. Dunross, nível de universidade.
— Nível de universidade pode ser muito bom. Por que não me chama de Adryon?
Dunross deu-lhe o cálice de xerez. Ela lhe agradeceu com um sorriso, embora ainda se concentrando em Murtagh. "É melhor que você seja muito bom, meu caro", pensou ele, sabendo como a filha era competitiva, "ou vai levar uma surra." Disfarçando com cuidado o seu divertimento, voltou a se concentrar nos documentos. Quando acabou de rubricar a sua série, ficou observando os dois com ar crítico, a filha sentada displicentemente na beira do sofá, linda e autoconfiante, um bocado mulher, e Murtagh alto e bem-educado, um pouco encabulado, mas bem à vontade.
"Será que eu vou agüentar um banqueiro na família? É melhor eu tomar as minhas informações a respeito dele! Deus nos ajude, um americano! Bem, ele é texano, o que não é a mesma coisa, é? Gostaria que a Penn estivesse aqui..."
— ... ah, não, Adryon — dizia Murtagh. — Tenho um apartamento da firma Iá em West Point. E pequenino, mas formidável.
— Isso faz uma diferença muito grande, não é? Eu moro aqui, mas logo vou ter o meu próprio apartamento. — Acrescentou, significativamente: — Não vou, papai?
— Naturalmente. — Dunross acrescentou prontamente: — Depois da universidade! Aqui está a minha série, sr. Murtagh. Pode rubricar a sua?
— Ah, claro... desculpe! — Murtagh quase saiu correndo, rubricou a sua série rapidamente, com um floreio. — Pronto, senhor. O senhor... bem... falou às sete e meia no seu escritório amanhã cedo, não é?
Adryon arqueou uma das sobrancelhas.
— É melhor ser pontual, Dave. O tai-pan é um chato quando se trata de pontualidade.
— Que bobagem! — disse Dunross.
— Eu o amo, papai, mas não é bobagem!
Bateram papo por um minuto, depois Dunross lançou um olhar ao relógio, fingindo-se preocupado,
— Que droga! Tenho que dar um telefonema, depois sair correndo. — Imediatamente, Murtagh pegou a sua pasta, mas Dunross acrescentou inocentemente: — Adryon, você falou que ia sair daqui a alguns minutos. Será que não dá tempo de dar uma carona ao sr. Murtagh?
O rapaz falou imediatamente:
— Ora, posso arranjar um táxi, não há necessidade de se incomodar...
— Ora, não é incômodo algum — disse ela, feliz —, não mesmo. West Point fica no meu caminho.
Dunross deu-lhes boa-noite e saiu. Mal notaram a saída dele, que foi para o seu gabinete e fechou a porta. E ao fechar a porta deixou para trás tudo o que não fosse Tiptop. De cima da lareira, Dirk Struan o fitava. Dunross fitou-o também, por um momento.
— Tenho os planos A, B ou C — falou em voz alta. — Todos vão dar em desastre, se o Sinders não fizer a parte dele.
Os olhos apenas sorriram, na sua maneira curiosa.
— Para você era fácil — murmurou Dunross. — Quando alguém se metia no seu caminho, você podia matá-lo, até mesmo a Bruxa.
Um pouco antes discutira seus planos com Phillip Chen.
— São todos perigosos — dissera o velho, muito preocupado.
— Qual deles você aconselha?
— A escolha tem que ser sua, tai-pan. Terá que dar garantias pessoais. Também há a questão do prestígio, embora eu lhe dê apoio em tudo, e você pediu um favor como um Velho Amigo.
— E quanto a Sir Luís?
— Já combinei encontrá-lo logo mais, tai-pan. Espero que ele coopere. — Phillip Chen parecia mais cinzento e envelhecido do que nunca. — É uma pena que não haja nada que possamos dar ao Tiptop para o caso de Sinders roer a corda.
— E quanto a permutar a frota de petroleiros? Podemos fazer pressão sobre Vee Cee? E quanto aos tórios... ou Joseph Yu?
— Tiptop precisa de alguma coisa para permutar, tai-pan, não uma ameaça. P. B. disse que ajudaria?
— Prometeu telefonar ao Tiptop hoje à tarde... disse que também ia tentar um dos seus amigos em Pequim.
Exatamente às sete horas, Dunross discou.
— O sr. Tip, por favor. Ian Dunross.
— Boa noite, tai-pan. Como vai? Soube que talvez vá montar Noble Star no sábado que vem.
— É possível.
Conversaram sobre assuntos inconseqüentes, depois Tiptop perguntou:
— E aquela pessoa infeliz? No máximo, quando vai ser solta?
Dunross controlou-se, depois comprometeu o seu futuro.
— Amanhã ao anoitecer, em Lo Wu.
— O senhor garante pessoalmente que ele estará Iá?
— Garanto pessoalmente que fiz tudo o que estava ao meu alcance para persuadir as autoridades a soltarem-no.
— Isso não é a mesma coisa que dizer que o homem estará Iá. É?
— Não. Mas estará. Tenho... — Dunross se interrompeu. Estava prestes a dizer "quase certeza", e então compreendeu que certamente fracassaria... não ousando dar a garantia, por saber que um fracasso comprometeria para sempre o seu prestígio, a sua credibilidade... mas lembrou-se de algo que Phillip Chen dissera sobre Tiptop precisar de alguma coisa para permutar, então, subitamente, viu uma abertura. — Ouça, sr. Tip — começou, seu súbito entusiasmo chegando quase a nauseá-lo. — Estamos numa época difícil. Os Velhos Amigos precisam dos Velhos Amigos como nunca antes. Particularmente, muito particularmente, soube que, nos dois últimos dias, a nossa Divisão Especial descobriu que há um aparelho de espionagem soviética aqui, de grande importância, secretíssimo, e o codinome da operação é Sevrin. O propósito da Sevrin é a destruição do elo do Reino Médio com o resto do mundo.