— Isso não é novidade, tai-pan. Os hegemonistas sempre serão hegemonistas, Rússia tzarista ou Rússia soviética, não há diferença. Há quatrocentos anos que é assim. Desde a sua primeira incursão e roubo nas nossas terras. Mas, por favor, continue.
— Acredito que Hong Kong e o Reino Médio sejam alvos iguais. Somos a sua única janela para o mundo. O Velho Demônio de Olhos Verdes foi o primeiro a enxergar isso, e é verdade. Qualquer interrupção aqui, e somente os hegemonistas ganharão. Alguma documentação, parte da documentação da Divisão Especial veio parar em minhas mãos.
Com absoluta exatidão, Dunross começou a citar literalmente o que estava escrito nos principais documentos roubados do relatório de Alan, sua mente parecendo ler as páginas que lhe vinham à memória sem esforço. Deu a Tiptop todos os detalhes relativos à Sevrin, os espiões, o agente infiltrado na polícia.
Fez-se um silêncio chocado.
— Qual a data do principal documento sobre a Sevrin, tai-pan?
— Foi aprovado por um "L. B." no dia 14 de março de 1950.
Um longo suspiro. Muito longo.
— Lavrenti Béria?
— Não sei.
Quanto mais Dunross pensava nesse novo plano, mais excitado ficava, tendo agora certeza de que essa informação e uma prova positiva nas mãos certas em Pequim causariam uma tempestade nas relações sino-soviéticas.
— Seria possível ver este documento?
— Sim, seria possível — replicou Dunross, as costas molhadas de suor, dando graças à sua antevisão de tirar fotocópias dos trechos referentes à Sevrin dos relatórios de Alan.
— E o documento tchecoslovaco a que se referiu?
— Sim, a parte que possuo.
— Qual a sua data?
— Dia 6 de abril de 1959.
— Quer dizer que os nossos pseudo-aliados sempre foram coração de lobo e pulmões de cachorro?
— Parece que sim.
— Por que será que a Europa e aqueles capitalistas nos Estados Unidos não compreendem quem é o verdadeiro inimigo no mundo? Heya?
— É difícil de entender — retrucou Dunross, fazendo agora o joguinho da espera.
Depois de uma pausa, novamente controlado, Tiptop falou:
— Estou certo de que meus amigos gostariam de uma cópia desse... desse papel da Sevrin, juntamente com qualquer outro documento de apoio.
Dunross enxugou o suor da testa, mas manteve a voz calma.
— Como um Velho Amigo, é meu privilégio ajudar no que puder.
Novo silêncio.
— Um amigo mútuo telefonou para oferecer apoio ao seu pedido para o dinheiro do Banco da China, e há alguns minutos eu soube que uma pessoa muito importante ligou de Pequim para sugerir que qualquer ajuda que se pudesse dar ao senhor seria merecida. — Novo silêncio, e Dunross quase pôde sentir Tiptop e os outros, que provavelmente estavam escutando na extensão, sopesando, concordando ou sacudindo a cabeça. — Pode me dar licença um minuto, tai-pan? Há alguém à porta.
— Quer que eu lhe telefone mais tarde? — disse, prontamente, para dar-lhes tempo para pensar.
— Não, isso não será necessário... se o senhor não se incomodar de esperar um minuto.
Dunross escutou o telefone sendo pousado. Um rádio tocava ao fundo. Sons indeterminados que poderiam ser vozes abafadas. O coração dele estava disparado. A espera parecia interminável. Depois, o telefone foi novamente erguido.
— Desculpe, tai-pan. Por favor, mande as cópias cedo... após a sua reunião matinal seria conveniente?
— Sim, sim, claro.
— Por favor, dê lembranças minhas ao sr. David MacStruan, quando ele chegar.
Dunross quase deixou cair o telefone, mas recuperou-se a tempo.
— Estou certo de que ele deseja que eu as retribua. Como vai o sr. Yu? — perguntou, dando um tiro no escuro, querendo berrar ao telefone: "E quanto ao dinheiro?" Mas estava envolvido numa negociação chinesa da pesada. Sua cautela aumentou.
Novo silêncio.
— Bem — disse Tiptop, mas Dunross notara um tom de voz diferente. — Ah, a propósito — dizia Tiptop —, o sr. Yu telefonou de Cantão esta tarde. Gostaria de antecipar a data do seu encontro, se fosse possível. Para segunda-feira, daqui a duas semanas.
Dunross pensou um momento. Essa seria a semana em que estaria no Japão, com Toda, negociando todo o seu esquema de compra e arrendamento, que, agora que o First Central o estava apoiando, teria uma enorme chance de sucesso.
— Essa determinada segunda-feira vai ser difícil para mim. A seguinte seria melhor. Será que posso confirmar até sexta-feira?
— Sim, sem dúvida. Bem, não vou prendê-lo mais, tai-pan. A tensão de Dunross tornou-se quase insuportável, agora que haviam chegado ao estágio final. Escutou atentamente a voz agradável e amistosa.
— Obrigado pela sua informação. Imagino que aquele pobre sujeito estará na fronteira de Lo Wu ao anoitecer. Ah, a propósito, se os documentos bancários necessários forem trazidos pessoalmente pelo sr. Havergill, o senhor próprio e o governador às nove horas de amanhã, meio bilhão de dólares em espécie poderão ser transferidos imediatamente para o Victoria.
Instantaneamente, Dunross percebeu o golpe.
— Obrigado — disse, suavemente, evitando a cilada. — O sr. Havergill e eu estaremos presentes. Infelizmente, o governador recebeu ordens do gabinete do primeiro-ministro para permanecer no Palácio do Governo até o meio-dia, para consultas. Mas trarei a autorização e o carimbo dele, para garantir o empréstimo — acrescentou, pois naturalmente era impossível para o governador ir pessoalmente, de chapéu na mão, como um devedor comum, e assim abrir um precedente inaceitável. — Suponho que isso seja satisfatório.
Tiptop quase ronronava.
— Estou certo de que o banco estará disposto a adiar até o meio-dia para não interferir nos deveres do governador.
— Antes e depois do meio-dia ele estará nas ruas com a polícia antimotim, sr. Tip, e com o exército, dirigindo possíveis procedimentos contra levantes idiotas atiçados pelos hegemo-nistas. Naturalmente, ele é o comandante-em-chefe de Hong Kong.
A voz de Tiptop tornou-se mais cortante.
— Sem dúvida até mesmo um comandante-em-chefe pode arranjar uns momentinhos preciosos para o que é obviamente um assunto tão importante.
— Estou certo de que ele teria muito prazer — disse Dunross, sem medo, conhecendo a arte da negociação asiática, preparado para a raiva, o mel, e todos os estágios intermediários. — Mas a proteção do interesse do Reino Médio, assim como o da colônia, tem prioridade. Tenho certeza, lamentávelmente, de que ele teria que recusar até que a emergência terminasse.
Fez-se um silêncio hostil.
— O que sugere, então?
Novamente Dunross desviou-se da armadilha, saltando para o nível seguinte.
— Ah, a propósito, seu ajudante-de-ordens me pediu que mencionasse que Sua Excelência vai dar uma festa para alguns dos nossos mais importantes cidadãos chineses no hipódromo, no sábado que vem, e gostaria de saber se por acaso o senhor estará na colônia, para que ele lhe pudesse enviar um convite.
Manteve-se apegado à sua esperança. Apresentando a coisa daquela maneira, dava a Tiptop a opção de aceitar ou recusar sem se desprestigiar... e ao mesmo tempo protegia o prestígio do governador, que evitaria enviar um convite tão importante politicamente, e que poderia ser recusado. Dunross sorriu consigo mesmo, já que o governador nada sabia, por enquanto, dessa festa importante que ia dar.
Novo silêncio, enquanto Tiptop refletia nas implicações políticas.
— Por favor, agradeça-lhe a consideração. Creio que estarei aqui. Posso confirmar na terça-feira?
— Darei seu recado com prazer. — Dunross pensou em mencionar Brian Kwok, mas resolveu deixar aquilo no limbo. — Estará no banco às nove horas, sr. Tip?