— Obrigado, Ernie. Volto em breve.
— Tudo bem. — Clinker piscou o olho, ainda acreditando na história de Suslev, que lhe dissera que ia se encontrar com uma mulher casada no Sinclair Towers. — Quem é ela, hem? — perguntou, coisa que nunca fizera antes.
— Em boca fechada não entra mosca — sussurrou Suslev, com um amplo sorriso. — Mas o marido dela é um figurão, um porco capitalista, e legislador!
Clinker riu de orelha a orelha.
— Que estouro! Meta-lhe uma por mim, certo? Suslev desceu pelo alçapão e encontrou a lanterna elétrica.
A água pingava do telhado de concreto rachado do túnel, as fendas maiores do que antes. Pequenas avalanchas de detritos tornavam o piso precário e escorregadio. O nervosismo dele aumentou. Não gostava do abafamento, nem da necessidade de ir se encontrar com Crosse, querendo estar bem longe, seguro no seu navio, com um álibi perfeito quando Dunross fosse drogado e seqüestrado. Mas Crosse fora intransigente.
— Puta merda, Grigóri, você tem que estar Iá! Tenho que vê-lo pessoalmente, e está claro que não vou ao Ivánov. É perfeitamente seguro, garanto-lhe.
"Garantir?", pensou Suslev raivosamente, de novo. "Como se pode garantir qualquer coisa?" Apanhou a automática de cano curto com silenciador, examinou-a e soltou a trava de segurança. Depois continuou, caminhando com cuidado, e subiu a escada que levava ao armário falso. Tendo chegado às escadas, parou e prestou atenção, prendendo a respiração, toda a sua concentração buscando o perigo. Sem achar nenhum, começou a respirar mais suavemente, subiu as escadas em silêncio e entrou no apartamento. A luz que vinha do prédio alto logo abaixo e também da cidade entrava pelas janelas e iluminava tudo o bastante para que ele enxergasse. Examinou cuidadosamente o apartamento. Quando acabou, foi até a geladeira e abriu uma garrafa de cerveja. Ficou olhando pela janela, distraidamente. De onde estava não conseguia ver o seu navio, mas sabia onde ele estava, e aquele pensamento lhe deu uma sensação gostosa. "Ficarei contente por partir", pensou. "E triste. Quero voltar... Hong Kong é boa demais... mas será que posso?
"E quanto ao Sinders? Devo confiar nele?"
O coração de Suslev lhe doía dentro do peito. Sem dúvida alguma, seu futuro pendia na balança. Seria fácil para o seu próprio pessoal do KGB provar que ele denunciara Metkin. O Centro poderia obter essa informação de Roger Crosse com um simples telefonema, . . se já não houvessem chegado eles mesmos a essa conclusão.
"Que o Sinders apodreça no inferno! Sei que vai me entregar... eu o faria, se fosse ele. Será que o Roger sabe do acordo secreto que Sinders me propôs? Não. Sinders manteria isso em segredo, até mesmo para o Roger. Não faz mal. Uma vez que eu tiver passado qualquer coisa para o outro lado, estarei para sempre nas mãos dele."
Os minutos passaram devagar. Ouviu-se o ruído de um elevador. Imediatamente, ele se colocou em posição defensiva. Seu dedo tocou o gatilho; uma chave girou na fechadura. A porta se abriu e fechou rapidamente.
— Alô, Grigóri — disse Crosse, suavemente. — Gostaria que não me apontasse essa maldita coisa.
Suslev travou a arma.
— O que há de tão importante? E quanto àquele bosta do Sinders? O que foi que...
— Acalme-se e escute. — Crosse apanhou um rolo de microfilme, seus olhos azuis muito claros incomumente excitados. — Tome um presente. É caro, mas todas as verdadeiras pastas de Alan estão neste filme.
— O quê? — Suslev fitava-o. — Mas como? Escutou enquanto Crosse lhe contava sobre a caixa-forte, terminando com:
— ...e depois que Dunross saiu, fotografei as pastas e recoloquei-as no lugar.
— O filme já foi revelado?
— Claro que sim. Fiz uma cópia, que li e destruí prontamente. É mais seguro do que dá-la a você e arriscar que seja detido e revistado... Sinders está em pé de guerra. Que diabo aconteceu entre você e ele?
— Primeiro fale-me das pastas, Roger.
— Lamento, mas são iguais às outras, palavra por palavra. Nenhuma diferença.
— O quê?
— É. Dunross estava nos dizendo a verdade. As cópias que nos deu são exatas.
Suslev ficou chocado.
— Mas tínhamos certeza, você tinha certeza!
— Eis a sua prova — disse Crosse, dando de ombros e entregando-lhe o filme.
Suslev praguejou obscenamente.
Crosse observava-o e mantinha a fisionomia solene, ocultando o seu divertimento. "As pastas verdadeiras são valiosas demais para serem entregues — por enquanto", disse consigo mesmo. "Ora se são! Agora não é a hora. Na hora certa, Grigóri, meu velho, partes delas renderão um bom dinheiro. E todas essas informações terão que ser peneiradas e oferecidas com muito, muito cuidado. E quanto aos onze pedaços de código — seja Iá que diabo queiram dizer —, deverão valer uma fortuna, no seu devido tempo."
— Infelizmente, acho que desta vez demos num beco sem saída, Grigóri.
— Mas, e quanto ao Dunross? — Suslev estava sem cor. Olhou para o relógio. — Talvez já esteja no baú.
Viu Crosse dar de ombros, o rosto magro marcado na penumbra.
— Não há necessidade de interromper o plano — disse Crosse. — Pensei cuidadosamente em toda a operação. Concordo com Jason que será bom dar uma sacudidela em Hong Kong. O seqüestro de Dunross vai criar ondas de todo tipo. Com a corrida aos bancos e o colapso da Bolsa... é, isso nos ajudaria muito. Estou um tanto preocupado. Sinders está farejando muito de perto, e me fazendo todo tipo de perguntas perigosas. Além disso, há o caso Metkin, Voranski, os documentos do Alan, você... erros demais. É preciso tirar a pressão de cima da Sevrin. Dunross o fará admiravelmente.
— Tem certeza? — indagou Suslev, necessitando ser re-confortado.
— Sim. Ora, se tenho. Dunross vai ser excelente. Será o chamariz. Vou precisar de toda a ajuda que puder obter. Você vai entregar o Arthur, não vai?
Suslev sentiu os olhos dele penetrarem-no, e seu coração quase parou, mas não expressou o choque na fisionomia. Por pouco.
— Ainda bem que Sinders lhe falou do nosso encontro. Isso me poupa trabalho. Como vou sair da armadilha dele?
— Como você vai evitá-la?
— Não sei, Roger. Será que o Sinders vai cumprir sua ameaça?
— Ora, qual é, pelo amor de Deus! — exclamou Crosse bruscamente. — Você não o faria?
— O que devo fazer?
— É o seu pescoço, ou o do Arthur. Se for o do Arthur, então o pescoço seguinte poderá ser o meu. — Houve uma pausa longa e violenta, e Suslev sentiu os pêlos da nuca se arrepiarem. — Contanto que não seja o meu... e eu sabia antecipadamente o que está acontecendo... tanto se me dá.
Suslev voltou a olhar para ele.
— Quer beber alguma coisa?
— Sabe que não bebo.
— Quis dizer água... ou soda. — O grandalhão foi até a geladeira, pegou a garrafa de vodca e bebeu pelo gargalo. — Ainda bem que Sinders lhe contou.
— Puta que o pariu, Grigóri, cadê os seus miolos? Claro que ele não me contou... o idiota ainda acha que foi um acordo secreto e particular, só ele e você, claro que pensa assim! Santo Deus, este é o meu território! Fiz com que ele usasse uma sala em que eu tinha posto escutas. Por acaso sou algum imbecil? — Os olhos ficaram ainda mais duros, e Suslev sentiu um aperto insuportável no peito. — Portanto, é uma escolha simples, Grigóri, é você ou Arthur. Se você entregá-lo, estou em perigo, assim como todos os demais. Se você não atender ao Sinders, está acabado. Das duas escolhas, eu preferiria você morto... e eu, Arthur e a Sevrin a salvo.
— A melhor solução é eu atraiçoar o Arthur — disse Suslev. — Mas que ele fuja antes que o peguem. Poderia vir para bordo do Ivánov, hem?
— Sinders estará à sua frente, e o deterá em águas de Hong Kong.
— É possível. Não provável. Eu resistiria a uma abordagem no mar. — Suslev o observava, um gosto amargo na boca. — Ou é isso, ou Arthur comete suicídio... ou é eliminado.