"O que está havendo com o Rog?", perguntou-se, pensativo. "Algo está errado."
80
20h10m
Roger Crosse saltou do elevador no quinto andar, o rosto tenso, e entrou pela porta aberta no apartamento das Propriedades Asiáticas. O salão estava lotado e barulhento. Ficou parado à porta, os olhos percorrendo os convivas, à procura de Plumm ou Dunross. Notou prontamente que havia pouca felicidade ali, um ar de depressão na maioria dos convidados, o que aumentou sua inquietação. Havia poucas mulheres presentes... as poucas que ali estavam agrupavam-se constrangidas no canto oposto da sala. Por toda parte a conversa se concentrava acaloradamente no problema da débâcle da Bolsa e da corrida aos bancos.
— Ora, qual é, pela madrugada! Fica muito bonito para o Victoria anunciar uma compra de controle multimilionária do Ho-Pak, mas cadê o dinheiro para nos manter a todos à tona?
— Foi uma fusão, não uma compra de controle, Dunstan — começou Richard Kwang —, o Ho-Pak não...
Barre ficou subitamente colérico.
— Puta que o pariu, Richard! Somos todos amigos aqui, e todos sabemos que a coisa é mais do que uma simples operação de salvamento, pelo amor de Deus! Somos Iá crianças? O que quero deixar claro — disse Barre, aumentando o tom de voz para abafar as de Richard Kwang e Johnjohn —, o que quero deixar claro, meu velho, é que, com ou sem fusão, nós, os empresários de Hong Kong, não podemos nos manter à tona se todos os malditos bancos de vocês, por pura burrice, ficarem sem grana. Certo?
— Não é culpa nossa, pelo amor de Deus! — falou Johnjohn, irritado. — É apenas uma perda temporária de confiança.
— Uma droga de uma má administração, se querem saber a minha opinião — replicou Barre com azedume, ante a concordância total. Então notou Crosse tentando passar. — Oh, oh, alô, Roger! — disse, com um sorriso amarelo.
Roger Crosse notou a cautela imediata, que era normal sempre que ele pegava alguém com a guarda aberta.
— O Ian está aqui?
— Não, ainda não chegou — falou Johnjohn, e Crosse soltou a respiração, molhado de alívio.
— Tem certeza?
— Tenho, sim. Tão logo ele chegue, vou embora — disse Dunstan, com azedume. — Malditos bancos! Se não fosse por...
Johnjohn interrompeu.
— E quanto aos malditos Lobisomens, Roger?
A descoberta dos dois corpos fora o assunto principal da Rádio Hong Kong e de todos os jornais chineses... já que não havia jornais ingleses vespertinos aos domingos.
— Não sei mais do que vocês — falou Crosse. — Ainda estamos tentando identificar as vítimas. — Seus olhos se concentraram em Richard Kwang, que ficou intimidado. — Não sabe de nenhum filho ou sobrinho que tenha desaparecido ou sido seqüestrado, sabe, Richard?
— Não, infelizmente, não sei, Roger.
— Se me dá licença, tenho que ir falar com o nosso anfitrião. — Crosse foi abrindo caminho entre as pessoas. — Alô, Christian — disse, passando pelo editor alto e magro do Guardian. Viu a desolação que o outro homem tentava desesperadamente esconder. — Sinto muito por sua mulher.
— Joss — falou Christian Toxe, tentando aparentar calma, e barrou o seu caminho. — Joss, Roger. Ela, bem, ela... a vida tem que continuar, não é? — O sorriso forçado dele era quase grotesco. — O Guardian tem que fazer o seu trabalho, não é mesmo?
— É.
— Posso dar uma palavrinha com você depois?
— Claro, mas confidencialmente, como sempre?
— Naturalmente.
Continuou o seu caminho, passando por Pugmire e Sir Luís, conversando entretidíssimos sobre a compra de controle da General Stores pela Struan, e notou Casey no centro de um grupo no varandão que dava para o porto, De Ville entre eles, Gornt também no grupo, com ar benévolo, o que Crosse estranhou.
— Alô, Jason — cumprimentou, aproximando-se de Plumm, que conversava com Joseph Stern e Phillip Chen. — Obrigado pelo convite.
— Oh, alô, Roger, que bom ter vindo!
— Boa noite — cumprimentou os outros. — Jason, cadê o seu convidado de honra?
— Ian telefonou dizendo que se atrasara um pouco, mas que já vinha. Não demora estará aqui. — A tensão de Plumm era evidente. — O... champanha está pronto, e o meu pequeno discurso também. Está tudo pronto — falou, olhando para ele.
— Vamos, Roger, deixe-me pegar uma bebida para você. É Perrier, não é? Botei no gelo para você.
Crosse o acompanhou, igualmente satisfeito pela oportunidade de conversarem em particular. Mas, tão logo chegaram à porta da cozinha, fez-se um silêncio repentino. Dunross estava na entrada com Riko, Gavallan ao lado deles. Os três sorriam amplamente.
— Ouça, Jason, eu... — Crosse se interrompeu. Plumm já se virará para o bar, e, se Crosse não o estivesse observando muito atentamente, jamais teria visto a mão esquerda dele quebrar habilmente o frasco minúsculo sobre uma das taças cheias de champanha, depois colocar os fragmentos no bolso, pegar a bandeja com as quatro taças e se dirigir para a porta. Fascinado, observou Plumm aproximar-se de Dunross e oferecer-lhe o champanha.
Dunross deixou Riko pegar uma taça, depois Gavallan. Sem ser aparentemente induzido a isso, ele apanhou a taça que continha a droga. Plumm pegou a última delas, entregando a bandeja a um garçom embaraçado.
— Bem-vindo, Ian, e parabéns pelo golpe! — disse Plumm, com naturalidade, brindando sem estardalhaço. Os que estavam próximos acompanharam-lhe o gesto, polidamente, Naturalmente, Dunross não bebeu o próprio brinde.
— Agora, por que não brinda ao Richard Kwang, ao Johnjohn e à sua fusão? — sugeriu Plumm, a voz soando estranha.
— Por que não? — replicou Dunross com uma risada, e lançou um olhar para Johnjohn, do outro lado da sala. — Bruce!
— chamou, erguendo a taça, e o nível geral do barulho baixou um pouco. — Ao Victoria! — A voz dele tornou-se mais forte, chamando a atenção. Outros olharam para ele e pararam no meio do que diziam. — Talvez todos devam participar do brinde. Acabo de saber que o Banco da China concordou em emprestar ao Vic e aos outros bancos meio bilhão em espécie a tempo para a abertura das portas, na segunda-feira.
Fez-se um silêncio vasto e repentino. Os que estavam na varanda se adiantaram, Gornt à frente.
— O quê?
— Acabo de saber que o Banco da China emprestou a Hong Kong... vai emprestar ao Vic, para emprestar aos ou-
tros bancos... meio bilhão em espécie, e quanto mais for preciso. Todas as corridas aos bancos terminaram! — Dunross ergueu a taça. — Ao Victoria!
Quando o pandemônio começou e todos desandaram a fazer perguntas, Crosse começou a andar, e no exato momento em que Dunross ia tomar o primeiro gole, fingiu tropeçar e colidiu com ele, derrubando-lhe a taça da mão. Ela se estilhaçou ao tocar no chão de parquete.
— Puxa vida, desculpe-me! — falou, sem graça. Plumm fitou-o, abismado.
— Pela madrugada...
— Ah, Jason, mil desculpas — falou Crosse interrompendo-o, e acrescentando depressa, enquanto um garçom catava rapidamente os cacos: — Quem sabe podia pegar outra taça para o Ian.
— Sim, mas...
Atordoado, Plumm já ia obedecer quando Riko falou:
— Ah, tome, tai-pan, por favor, fique com a minha. Então Johnjohn gritou, por sobre a balbúrdia:
— Silêncio, silêncio, um momento! — e foi se aproximando de Dunross. — Ian — perguntou, no silêncio absoluto —, tem certeza quanto ao dinheiro?
— Claro que sim — replicou Dunross serenamente, sorvendo a bebida de Riko, gozando aquele momento. — Tiptop me ligou pessoalmente. Vai sair no noticiário das nove.
Houve um súbito viva ruidoso, mais perguntas e respostas, e Dunross viu que Gornt o fitava do outro lado do aposento. Seu sorriso tornou-se mais duro, e ele ergueu a sua taça, ignorando a barragem de perguntas.
— À sua saúde, Quillan! — exclamou, zombeteiramente. Rapidamente a conversa cessou de novo, a atenção de todos concentrada neles.