Desesperadamente, correu para onde antes estivera o saguão. Estirada Iá embaixo, bem Iá embaixo, quase totalmente envolvida pela escuridão, estava a massa retorcida de entulho, blocos de concreto, vigas, sapatos, brinquedos, panelas e frigi-deiras, sofás, cadeiras, camas, rádios, televisores, roupas, pedaços de corpos, livros, três carros que estavam estacionados do lado de fora, e mais gritos. Então, à luz das linhas de força que explodiam, viu os escombros esmigalhados do que fora o elevador encosta abaixo, pernas e braços sobressaindo da sua carcaça.
— Linc! — berrava ela em altos brados, repetidamente, sem saber que estava chorando, as lágrimas lhe escorrendo pelo rosto. Mas não havia resposta. Desesperadamente, foi escalando o entulho perigoso, quase caindo e tateando até passar para o outro lado. À sua volta, homens e mulheres berravam. Então ela ouviu um débil gemido de terror próximo, e parte do entulho se mexeu. Ela agora estava de joelhos, as meias rasgadas, o vestido rasgado, os joelhos feridos; ela afastou alguns tijolos e encontrou uma pequena cavidade, onde estava uma criancinha chinesa de três ou quatro anos, alucinada de terror, tossindo, quase sufocando, presa sob uma pilha vasta de escombros no meio da poeira do entulho.
— Ah, Deus, pobrezinha!
Casey olhou à sua volta, desesperada, mas não havia ninguém que pudesse ajudá-la. Parte do entulho mudou de posição, gemendo e gritando. Um pedaço de concreto, deixando visível a armação de ferro, quase se soltou. Sem ligar para a própria segurança, Casey tentou retirar os escombros, os dedos sangrando. Novamente os escombros mudaram de posição acima dela, enquanto mais alguns pedaços rolavam encosta abaixo. Alucinadamente, ela abriu um espaço com as mãos e agarrou o braço da criança, ajudando-a a safar-se, depois tomou-a nos braços e correu para a segurança, enquanto aquela parte dos escombros desabava. Ela ficou em pé, sozinha, a criança trêmula e incólume nos seus braços, agarrada a ela com força...
Quando a avalancha fez tombar o prédio de apartamentos e arrancou fora a maior parte da estrada e do parapeito, Dunross e os outros que estavam no seu limiar foram arremessados pela encosta íngreme, aos trambolhões, com os arbustos e a vegetação rasteira amortecendo em parte a sua queda. O tai-pan se levantou na semi-escuridão, tateou-se, atordoado, atônito por ver que podia ficar de pé e não estava ferido. De perto dele vinham gemidos baixos de agonia. A encosta era íngreme e estava toda enlameada e ensopada, enquanto ele tentava chegar até Dianne Chen, que estava semiconsciente, gemendo, uma das pernas retorcidas brutalmente sob o corpo. Parte da sua tíbia projetava-se através da pele, mas, pelo que ele podia ver, não havia artérias cortadas nem sangramento sério. Com o maior cuidado, endireitou a mulher e sua perna, mas ela soltou um uivo de dor e desmaiou. Sentiu alguém por perto, e ergueu os olhos. Riko estava parada ali, o vestido rasgado, sem sapatos, descabelada, um filete de sangue escorrendo pelo nariz.
— Meu Deus, você está bem?
— Eu... estou — disse, trêmula. — É... foi um terremoto?
Naquele momento, houve outra explosão ruidosa de fios elétricos entrando em curto-circuito, e a área foi momentaneamente iluminada por bolas de fogo.
— Oh, meu Deus — exclamou ele, com voz abafada. —
É como Londres durante a Blitz. — Foi então que notou Phillip Chen, largado como um monte inerte em volta de um arbusto, de ponta-cabeça encosta abaixo. — Fique aqui com Dianne — ordenou, e foi descendo a encosta com dificuldade. Apavorado, virou Phillip de barriga para cima. Seu representante nativo ainda respirava. Dunross tremeu de alívio. Ajeitou-o da melhor maneira que pôde, e olhou à sua volta, na penumbra. Outros também estavam se levantando, entre eles Christian Toxe, que sacudia a cabeça, tentando desanuviá-la.
— Puta que o pariu! — murmurava, sem parar. — Deve haver umas duzentas pessoas morando ali. — Depois de erguerem-se com dificuldade, escorregou na lama e soltou mais um palavrão. — Tenho... tenho que achar um telefone. Dê-me uma mão, tá? — Toxe praguejou quando escorregou outra vez. — É o meu tornozelo, acho que torci um pouco o desgraçado.
Dunross ajudou-o a se pôr de pé, e depois, com Riko a apoiá-lo do outro lado, subiram desajeitadamente até o que restava da rua. Ainda havia gente paralisada, outros subindo pelo primeiro deslizamento para ver se podiam ajudar, alguns dos inquilinos desesperados e gemendo. Uma mãe estava sendo contida, o marido já correndo, caindo, escalando as ruínas, os três filhos deles e a amah ali embaixo, em algum lugar.
No momento em que chegaram ao chão plano, Toxe saiu mancando pela Kotewall Road, e Dunross correu para o carro, para buscar a lanterna elétrica e a maleta de socorros de emergência.
Não enxergou Lim em lugar algum. Então lembrou-se de que o seu chofer estava junto com eles quando foram atingidos pela avalancha. Enquanto pegava as chaves para destrancar a mala do carro, forçava a memória. "Quem estava conosco? Toxe, Riko, Jacques (não, Jacques já tinha ido embora), Phillip e Dianne Chen, Barre... não, deixamos Barre na festa. Santo Deus! A festa! Tinha me esquecido da festa! Quem ainda estava Iá? Richard Kwang e a mulher, Plumm, Johnjohn (não, ele saiu mais cedo), Roger Crosse (não, espere um minuto, ele também não saiu?)".
Dunross abriu a mala do carro e achou duas lanternas elétricas, a maleta de pronto-socorro e um pedaço de corda. Voltou correndo para junto de Riko, sentindo agora dor nas costas.
— Quer voltar e cuidar de Dianne e Phillip até eu poder conseguir alguma ajuda? — Sua voz estava deliberadamente firme. — Tome. — Entregou-lhe uma lanterna elétrica, algumas ataduras e um vidro de aspirina. — Pode ir. Dianne quebrou a perna. Quanto ao Phillip, não sei. Faça o que puder e fique com eles até que chegue uma ambulância ou eu volte. Certo?
— Sim, sim, está certo. — Os olhos dela mostraram um lampejo de medo enquanto olhavam para cima. — Será que... há perigo de novo desabamento?
— Não. Você estará perfeitamente segura. Vá depressa! A força de vontade dele afastou o medo dela, que começou a descer a encosta com a lanterna elétrica, andando com muito cuidado. Foi só então que ele notou que ela estava descalça. Depois lembrou-se de que Dianne também estava descalça, e Phillip. Esticou-se para aliviar a dor nas costas. Suas roupas estavam rasgadas, mas nem ligou para isso, e correu para a barricada. À distância, ouviu as sirenes da polícia. Seu alívio foi quase nauseante, enquanto começava a correr.
Foi então que notou Orlanda no começo da fila de carros. Olhava fixamente para o local onde estivera o Rose Court, a boca se movendo, pequenos espasmos fazendo tremer o rosto e o corpo, e ele se lembrou da noite do incêndio, quando ela estivera igualmente petrificada, e prestes a abater-se. Rapidamente, dirigiu-se para ela e sacudiu-a com força, esperando poder tirá-la do colapso causado pelo pânico que havia testemunhado tantas vezes durante a guerra.
— Orlanda!
Ela despertou do seu semitranse.
— Oh... oh... o que... o que...
Muitíssimo aliviado, notou que agora os olhos -dela estavam normais, agonia normal, e as lágrimas escorriam normais.
— Você está bem. Não há com que se preocupar. Controle-se agora, Orlanda, você está bem! — falou, a voz bondosa mas muito firme, e deixou-a encostada ao capo de um carro, afastando-se.
Os olhos dela entraram em foco.
— Ah, meu Deus! Linc! — Depois gritou atrás dele, em meio às lágrimas: — Linc... o Linc está Iá!