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— Tem alguém aí? — Começou a se levantar, depois imobilizou-se, escutando. Mais uma vez ele se deitou e gritou para dentro dos escombros: — Está me ouvindo? — e prestou muita atenção.

— Siiiiim!... — Veio a resposta débil, muito débil. Excitado, o soldado se pôs de pé.

— Sargento! Sargento!

A uns cinqüenta metros de distância, na beira das ruínas, Gornt estava junto com o jovem tenente que dirigia as operações de salvamento naquele setor. Escutavam o noticiário num pequeno transistor.

"...deslizamentos por toda a colônia. E agora, outro boletim direto da Kotewall Road." Houve um curto silêncio, depois entrou no ar a voz bem conhecida, e o rapaz sorriu consigo mesmo. "Boa noite. Aqui fala Vênus Poon, ao vivo, sobre o maior desastre a atingir a colônia." Havia um tremor maravilhoso na voz dela, e lembrando-se da maneira corajosa e impressionante com que ela descrevera o incêndio de Aberdeen, em que também estivera envolvida, a excitação dele aumentou. "O

Rose Court, na Kotewall Road, não existe mais. A grande torre de luz de doze andares, que toda a Hong Kong podia enxergar como um marco, sumiu numa pira impressionante de escombros. Meu lar não existe mais. Hoje, o dedo do Todo-Poderoso abateu a torre e todos os que ali residiam, entre eles a minha devotada gan sun, que me criou desde que nasci..."

— Senhor — chamou o sargento, do meio do desabamento —, tem um aqui!

Imediatamente o oficial e Gornt correram em sua direção.

— É homem ou mulher?

— Homem, sah! Acho que ele falou que se chamava Bar-ter, ou coisa parecida...

Lá no alto da barricada da Kotewall Road, Vênus Poon estava se divertindo. Era o centro de todas as atenções sob luzes das equipes móveis de rádio e tv. Continuou a ler o roteiro que fora enfiado em suas mãos, modificando-o aqui e ali, baixando um pouco a voz, erguendo-a, deixando as lágrimas correrem (mas não o bastante para estragar a maquilagem), descrevendo o holocausto de tal modo que todos os seus ouvintes sentiam que estavam com ela na encosta, sentiam arrepios de horror, e agradeciam sua sorte, que a morte os tivesse ignorado, dessa vez, e que eles e os seus estivessem vivos.

— A chuva ainda está caindo — sussurrava ela ao microfone. — Onde o Rose Court arrancou parte dos andares superiores do Sinclair Towers, já foram contados sete mortos, quatro crianças, três chinesas, uma inglesa, mais ainda soterrados...

Agora as lágrimas escorriam dos seus olhos. Ela parou, e os que a observavam também prenderam a respiração.

No começo ela quase arrancara os cabelos à idéia de ter perdido o apartamento, todas as suas roupas, as jóias e seu novo vison. Mas, depois, lembrou-se de que todas as suas jóias boas estavam no joalheiro, sendo reformadas — presente do seu velho admirador, o Banqueiro Kwang —, e que o seu vison estava no alfaiate, sendo consertado. E quanto às roupas, qual, Quatro Dedos teria prazer em substituí-las!

"Quatro Dedos! Ai, ai, espero que aquele bode velho tenha se salvado como o Ching Sorridente", rezara fervorosamente. "Eeee, que milagre! Se um, por que não o outro? E sem dúvida nenhum prédio desabando será capaz de matar Ah Poo. Ela vai sobreviver! Claro que vai! E o Banqueiro Kwang a salvo! Não chorei de alegria quando soube que ele se salvara? Oh, que dia de sorte! E agora o Choy Lucrativo, um rapaz tão elegante, bonitão, interessante. Agora, se tivesse dinheiro, dinheiro de verdade, seria o homem para mim. Chega daqueles sacos de peido com os seus yangs moles para o yin adorável, o mais adorável..."

O produtor não podia esperar mais. Saltou em direção ao microfone e disse com urgência:

— Continuaremos o boletim tão logo a srta. Vênus... Imediatamente ela acordou do seu torpor.

— Não, não — disse ela bravamente —, o espetáculo deve continuar! — Enxugou as lágrimas dramaticamente e continuou lendo e improvisando: — Descendo a encosta, membros dos nossos gloriosos gurkhas e guarda irlandesa, arriscando heroicamente suas vidas, estão desenterrando Irmãos e Irmãs...

— Meu Deus! — resmungou um inglês. — Que coragem! Ela merece uma medalha, não acha, meu velho? — Virou-se para o vÍ2Ínho e ficou encabulado ao ver que o homem era chinês. — Ah, desculpe-me.

Paul Choy mal o escutou, a atenção voltada para as maças que retornavam dos escombros, os carregadores escorregando e deslizando sob as lâmpadas de arco voltaico que haviam sido erigidas poucos minutos antes. Acabara de voltar da estação de socorro instalada na bifurcação da Kotewall Road, sob um toldo improvisado onde parentes desesperados, como ele próprio, tentavam identificar os mortos ou feridos, ou dar os nomes dos desaparecidos que, supunha-se, ainda estavam soterrados. A noite toda ele tinha ido e vindo, para o caso de Quatro Dedos ter sido encontrado noutro lugar e estar vindo de outra direção. Havia meia hora um dos bombeiros atravessara uma massa de escombros e chegara na área do quinto andar desabado. Fora então que haviam tirado Mai-ling e Richard Kwang de Iá, depois Jason Plumm, com metade da cabeça faltando, depois outros, mais mortos do que vivos.

Paul Choy contou as maças. Quatro. Três tinham cobertas sobre os corpos, dois muito pequenos. Estremeceu, pensando como a vida era fugaz, imaginando o que iria acontecer agora na Bolsa de Valores, amanhã. Será que eles a manteriam fechada, em sinal de respeito? "Santo Deus, se a mantiverem fechada a segunda inteira, sem dúvida a Struan chegará a 30 na abertura de terça... tem que chegar." Seu estômago roncou, e ele se sentiu tonto. Na sexta-feira, pouco antes de a Bolsa fechar, ele arriscara cinco vezes cada centavo que Quatro Dedos lhe emprestara relutantemente, em compras futuras. Cinco vezes dois milhões de HK. Comprara ações da Struan, do Blacs, do Victoria e do Ho-Pak, apostando que, de algum jeito, naquele fim de semana o tai-pan transformaria o desastre em vitória, que os boatos de que se pedira dinheiro à China eram verdadeiros, e que o Blacs e o Victoria tinham um plano em andamento. Desde o encontro com Gornt em Aberdeen, quando lhe apresentara sua teoria de um salvamento do Ho-Pak pelo Blacs ou pelo Victoria, e notara um lampejo por trás daqueles olhos astutos, estivera se perguntando se havia farejado alguma tramóia dos Figurões. "E, sem dúvida que são os Figurões! Mantêm Hong Kong segura pelos cabelos. Deus, como estão por dentro das transas!" E... ah, meu Deus, quando, nas corridas, Richard Kwang lhe pedira para comprar ações do Ho-Pak, e quase em seguida Havergill anunciara a compra de controle, ele fora ao banheiro para vomitar. Dez milhões em ações do Ho-Pak, Blacs, Victoria e Struan, comprados na baixa. E então, naquela noite, quando o noticiário das nove anunciara que a China estava adiantando meio bilhão em espécie, e que todas as corridas aos bancos tinham acabado, ele soube que estava multimilionário, multimultimilionário!

O rapaz não conseguiu controlar o estômago, correu para os arbustos ao lado da estrada e botou as tripas para fora, até pensar que ia morrer.

O circunstante inglês deu-lhe as costas e disse baixinho para um amigo:

— Esses chineses não têm mesmo muita garra, não é, meu velho?

Paul Choy limpou a boca, sentindo-se muito mal. O pensamento de sua provável fortuna, agora tão próxima, era demais para ele.

As maças iam passando. Atordoadamente, ele as acompanhou até a estação de socorro. Ao fundo, sob o toldo improvisado, o dr. Meng fazia operações de emergência. Paul Choy ficou vendo o dr. Tooley erguer os cobertores. Uma mulher européia, os olhos abertos e fixos. O dr. Tooley soltou um suspiro e os fechou. O seguinte era um garoto inglês de dez anos, morto também. Depois, uma criança chinesa. A última maca trazia um chinês, sangrando e com muita dor. Rapidamente o doutor deu-lhe uma injeção de morfina.

Paul Choy se afastou e vomitou de novo. Quando voltou, o dr. Tooley lhe disse, bondosamente:

— Não há nada que possa fazer aqui, sr. Choy. Tome, isso dará um jeito no seu estômago. — Deu-lhe duas aspirinas e um pouco de água. — Por que não espera num dos carros? Nós o avisaremos no instante em que soubermos algo do seu tio.