— Café com conhaque.
Gornt aceitou e bebeu, agradecido.
— Casey ainda está no carro?
— Está. A que profundidade ele está?
— Não sabemos. Fundo. Talvez seja melhor não contar a ela nada sobre ele, por enquanto.
Dunross hesitou.
— Melhor não tocar no assunto — repetiu o outro homem. — A coisa parece preta.
— Está bem. — Dunross estava exausto de tanta morte e sofrimento. — Está bem.
A chuva tornava a noite mais imunda e o atoleiro ainda mais perigoso. À frente, para além da área do desabamento, a Kotewall Road seguia reto por quase setenta metros, subindo de modo íngreme, depois se enroscava na encosta da montanha, e sumia de vista. Os moradores já vinham jorrando dos prédios evacuados.
— Não há o que errar quanto ao Tiptop e ao dinheiro? — indagou Gornt, andando com cuidado, iluminando o caminho com a lanterna elétrica.
— De jeito algum. A corrida aos bancos acabou.
— Ótimo. Qual foi a permuta?
Dunross não lhe respondeu, apenas deu de ombros.
— Abriremos a 30.
— Isso é o que veremos — Gornt acrescentou sarcasti-camente. — Mesmo a 30 estou seguro.
— É?
— Perderei uns dois milhões de dólares americanos. Foi isso o que o Bartlett me adiantou.
Dunross sentiu uma alegria interior. "Isso ensinará o Bartlett a não tentar me passar a perna", pensou.
— Eu já estava sabendo disso. Foi uma boa idéia... mas a 30 você perderá uns quatro milhões, Quillan, os dois dele e dois do seu bolso. Mas aceitarei a Ail Ásia Airways.
— Jamais. — Gornt parou e olhou-o de frente. — Jamais. Minha companhia aérea ainda não está à venda.
— Você é quem sabe. A oferta é válida até a abertura da Bolsa.
— Que se danem os seus negócios!
Continuaram a subir pesadamente para o topo da encosta, aproximando-se agora da área do saguão. Passaram por uma maca que voltava. A mulher ferida não era conhecida de nenhum dos dois. "Se Dunross estivesse numa dessas maças", pensou Gornt, sombriamente, "isso resolveria os meus problemas direitinho..."
87
01h20m
O sargento gurkha dirigiu o facho de sua lanterna para baixo. Ao seu redor estavam outros soldados, o jovem tenente e bombeiros trazendo, apressados, um dos seus oficiais.
— Onde está ele? — perguntou o oficial Harry Hooks, do Corpo de Bombeiros.
— Ali embaixo, em algum lugar. O nome dele é Bartlett, Linc Bartlett.
Hooks viu a luz se infiltrar por uns poucos metros, depois parar, bloqueada pelo labirinto. Deitou-se no chão. Perto do chão o cheiro de gás era mais forte.
— Ei, aí embaixo, sr. Bartlett! Está me ouvindo? — berrou para dentro dos escombros.
Todos escutaram atentamente.
— Estou — veio a resposta longínqua.
— Está ferido?
— Não!
— Dá para enxergar a nossa luz?
— Não!
Hooks soltou um palavrão, depois berrou:
— Fique onde está, por enquanto!
— Está certo, mas o gás está muito forte! Ele se levantou. O oficial falou:
— Um sr. Gornt esteve aqui, e foi buscar mais ajuda.
— Ótimo. Espalhem-se todos, vejam se conseguem descobrir uma passagem até ele, ou onde possamos chegar mais perto.
Fizeram o que ele mandou. Dali a um momento, um dos gurkhas soltou um berro.
— Aqui!
Era um espaçozinho entre pedaços de concreto quebrado, pedaços de madeira, travessas quebradas e vergalhões de aço, talvez o suficiente para um homem entrar se arrastando. Hooks hesitou, depois tirou o seu equipamento pesado.
— Não — disse o oficial. — É melhor nós tentarmos. — Olhou para os seus homens. — Certo?
Prontamente, eles abriram um sorriso e se dirigiram todos para o buraco.
— Não — ordenou o oficial. — Sangri, você é o menor.
— Obrigado, sah — disse o homenzinho com um amplo sorriso, os dentes brancos no rosto escuro. Todos ficaram vendo enquanto ele se enfiava pela terra adentro, de ponta-cabeça, como uma enguia.
A uns seis metros e tanto mais abaixo, Bartlett forçava a vista na escuridão. Estava num buraquinho baixo, o caminho bloqueado por um bloco de piso, o cheiro de gás forte. Então, seus olhos perceberam um lampejo de luz adiante, para um dos lados, e conseguiu dar uma olhadela no que o cercava. Não conseguia ouvir nada, exceto o pingar da água e os escombros que rangiam. Com grande cuidado, foi se arrastando e se espremendo na direção de onde tinha visto a luz. Uma pequena avalancha começou quando afastou algumas tábuas. Logo parou. Acima havia outro espaço pequeno. Foi rastejando para cima, ao longo desse espaço, e chegou a um beco sem saída. Outro caminho, outro beco sem saída. Acima, sentiu algumas tábuas soltas no piso desabado. Deitou-se de costas e procurou afastar as tábuas, tossindo e sufocando com a poeira. Abruptamente, sentiu uma luz sobre si. Não muita, bem pouca, mas quando os seus olhos se adaptaram, foi o suficiente para ele enxergar alguns metros. Sua euforia desapareceu ao se dar conta da extensão da tumba. Estava bloqueado em todas as direções.
— Alô, aí em cima! Muito de longe:
— Estamos ouvindooooo!
— Agora estou vendo a luz! Depois de um momento:
— Que luz?
— Que diabo, como vou saber, puta merda! — falou Bartlett. "Não entre em pânico, pense e espere", quase ouviu Spurgeon dizer. Controlando-se, esperou, depois a luz que o banhava moveu-se um pouco. — Essa aí! — berrou.
Instantaneamente, a luz parou.
— Já o localizamos, fique onde está.
Bartlett olhou ao seu redor, examinando a área com muito cuidado. Uma segunda vez, ainda com o mesmo resultado: não havia saída.
Nenhuma.
— Terão que cavar e me tirar daqui — murmurou, o medo aumentando.
Sangri, o jovem gurkha, estava uns três metros abaixo da superfície, mas muito à direita de onde estava Bartlett. Não podia ir mais além. Sua passagem estava bloqueada. Contorceu-se para voltar, usou como ponto de apoio uma laje de concreto irregular e moveu-a ligeiramente. Imediatamente, essa parte dos escombros começou a ceder. Ele ficou imóvel e deixou a laje em paz novamente. Mas não havia outro caminho. Portanto, cerrando os dentes e rezando para que tudo não fosse desabar em cima de si, e de quem estivesse embaixo, afastou a laje de concreto para o lado. Os escombros não cederam. Ofegando, iluminou com a lanterna elétrica a cavidade, depois enfiou nela a cabeça, olhando ao seu redor.
Outro beco sem saída. Impossível prosseguir. Relutantemente, recuou.
— Sargento — gritou, na língua do Nepal —, não dá mais para prosseguir.
— Tem certeza?
— Oh, sim, sah, absoluta!
— Volte!
Antes de ir embora, berrou para dentro da escuridão:
— Alô, aí embaixo!
— Estou escutando! — retrucou Bartlett.
— Não estamos longe! Vamos tirá-lo daí, sah! Não se preocupe!
— Certo!
Com grande dificuldade, Sangri começou a recuar, fazendo o caminho de volta arduamente. Uma pequena avalancha encheu-o de entulho. Sombriamente, continuou a subir.
Dunross e Gornt subiram por cima dos escombros para se unirem aos grupos de homens que formavam uma cadeia, retirando entulho e vigas onde era possível.
— Boa noite, tai-pan, sr. Gornt. Já o localizamos, mas não estamos perto. — Hooks apontou para o homem que segurava a luz com firmeza. — Está naquela direção.
— A que profundidade?
— Pelo som da voz, a uns seis metros.
— Meu Deus!
— É, só Deus mesmo. O pobre infeliz está numa pior. Olhe só para estas vigas! — Vigas mestras de aço, pesadas, bloqueavam o caminho para baixo. — Não ousamos usar os cortadores, há gás demais.
— Tem de haver outra passagem. Pelo lado? — indagou Dunross.
— Estamos procurando. O melhor que podemos fazer é arranjar mais homens e tirar do caminho o que pudermos.