Hooks olhou na direção de um grito encorajador. Todos correram para os soldados, entusiasmados. Por baixo de uma confusão de pisos arrancados que os homens haviam afastado, havia uma passagem tosca que parecia descer, retorcendo-se até se perder de vista. Viram um dos homens miúdos saltar para dentro do buraco, depois sumir. Os outros observavam com gritos encorajadores. O caminho era fácil durante cerca de um metro e oitenta, muito difícil durante os três metros seguintes, todo sinuoso, depois ficava bloqueado.
— Alô, aí embaixo, sah, está vendo a minha luz?
— Estou!
A voz de Bartlett estava mais alta. Quase não havia necessidade de gritar.
— Vou mexer um pouco com a luz, sah. Por favor, se ela chegar perto, por favor, me avise, direita ou esquerda, para baixo ou para cima, sah.
— Certo. — Bartlett podia ver uma fraçãozinha da luz acima e à direita através de uma massa de vigas, traves, verga-lhões e aposentos destroçados. Diretamente acima dele havia uma massa impenetrável de soalhos e traves. Uma vez ele perdeu o facho de luz, mas logo o achou de novo. — Um pouco à direita — chamou, a voz já meio rouca. Obedientemente, a luz se moveu. — Desça! Pare aí! Agora, suba uma fração. — Pareceu levar uma eternidade, mas a luz se centralizou nele.
— Pronto!
O soldado manteve o facho firme, fez um apoio para a lanterna com o entulho, depois afastou a mão.
— Tudo certo, sah?
— Tudo! Acertou na mosca!
— Vou buscar mais ajuda.
— Está bem.
O soldado recuou. Dali a dez minutos havia trazido Hooks consigo. O oficial, chefe dos bombeiros, calculou a trilha do facho e examinou meticulosamente o curso de obstáculos adiante.
— Puta merda, vai levar um mês de trabalho — murmurou. Depois, contendo o seu terror, apanhou o compasso e mediu o ângulo cuidadosamente.
— Não se preocupe, meu chapa — falou Iá para baixo.
— Vamos tirá-lo daí fácil, fácil. Pode se aproximar mais da luz?
— Não, acho que não.
— Então fique onde está e descanse. Está ferido?
— Não, não, mas sinto cheiro de gás.
— Não se preocupe, meu rapaz, não estamos longe. — Hooks saiu com dificuldade da passagem. Novamente na superfície, mediu a linha no compasso e depois caminhou sobre a superfície inclinada. — Está abaixo daqui, tai-pan, sr. Gornt, num raio de um metro e meio, a seis metros de profundidade.
— Estavam a dois terços do caminho encosta abaixo, mais para perto da Sinclair Road do que da Kotewall. Não havia caminho de entrada visível pelos lados, a lama e a terra do desabamento mais densas à direita do que à esquerda. — A única coisa que podemos fazer é cavar — disse, em tom decidido. — Não podemos trazer um guincho até aqui, portanto, tem que ser no muque. Vamos tentar primeiro aqui.
Hooks indicou uma área que parecia promissora, a três metros de distância, perto do buraco que os soldados tinham descoberto.
— Por que aqui?
— É mais seguro, tai-pan, para o caso de fazermos a coisa toda ceder. Vamos Iá, companheiros, ao trabalho. Mas cuidado!
E assim começaram a cavar e retirar tudo o que era removível. Era um trabalho muito duro. Todas as superfícies estavam úmidas e traiçoeiras, os escombros com equilíbrio precário. Vigas, traves, soalhos, tábuas, concreto, gesso, panelas, rádios, televisões, cômodas, roupas, tudo numa montoeira absurdamente desordenada. O trabalho parou quando descobriram outro corpo.
— Mandem um médico para cá! — gritou Hooks.
— Ela está viva?
— Pode ser.
A mulher era velha, a bata que fora branca e as calças pretas estavam rasgadas e enlameadas, o cabelo comprido preso numa trança andrajosa. Era Ah Poo.
— A gan sun de alguém — comentou Dunross.
Gornt fitava incrédulo o local onde ela fora encontrada, um buraquinho dentro de um amontoado irregular, feio, quase sólido, de concreto reforçado e destroçado.
— Porra, como as pessoas sobrevivem?
O rosto de Hooks se abriu num sorriso, os dentes quebrados e marrons, manchados de fumo.
— Joss, sr. Gornt. Sempre há esperança enquanto a pessoa puder respirar. Joss. — A seguir, berrou Iá para baixo:
— Mande uma maca para cá, Charlie, E bem depressa!
Ela veio depressa. Os carregadores a levaram embora na maca. O trabalho continuava. A cova ficava mais funda. Uma hora depois, cerca de um metro e vinte a um metro e meio mais para baixo, foram bloqueados por toneladas de vigas de aço.
— Vamos ter que nos desviar — disse Hooks. Pacientemente, recomeçaram. Dali a pouco, novo bloqueio. — Desviem para cá!
— Não podemos abrir caminho serrando?
— Ah, podemos, sim, tai-pan. Mas bastará uma fagulha e viraremos todos anjinhos. Vamos, rapazes. Aqui. Vamos tentar aqui.
Os homens se apressaram a obedecer...
88
04h10m
Bartlett agora podia ouvi-los nitidamente. De quando em vez, pó e sujeira desciam em cascata, trazendo atrás de si entulho ensopado, enquanto travessas, vigas e escombros acima eram removidos. Seus salvadores pareciam estar a uns dez metros de distância, pelo que ele podia calcular, ainda um metro e meio a um metro e oitenta acima dele, o fiozinho de luz tornando a espera mais suave. Sua própria fuga estava bloqueada por todos os lados. Um pouco antes, havia pensado em voltar para baixo daquele piso, depois mais para baixo ainda, para tentar encontrar novo caminho e buscar uma segurança melhor por Iá.
— É melhor esperar, sr. Bartlett! — Hooks berrara para ele. — A gente sabe onde o senhor está!
E, assim, ele ficara ali. Estava ensopado pela chuva, deitado sobre algumas tábuas, não desconfortável demais, e bem protegido por vigas pesadas. A maior parte da sua linha de visão estava bloqueada a pouquíssima distância. Acima dele, havia mais soalhos retorcidos. Havia apenas lugar bastante para se deitar ou, com cuidado, se sentar. O cheiro de gás era forte, mas por enquanto não sentia dor de cabeça, e achava que estava bastante seguro, o ar bom o suficiente para durar para sempre. Estava cansado, muito cansado. Mesmo assim, forçou-se a ficar acordado. Do ponto onde estava, sabia que os outros iam levar o resto da noite, talvez parte do dia, para abrir uma fenda para ele passar. Aquilo não o preocupava nem um pouco. Estavam ali. E ele fizera contato. Uma hora antes, escutara a voz de Dunross próxima.
— Linc? Linc, é o Ian!
— Que diabo está fazendo aqui? — retrucara, alegremente.
— Procurando por você. Não se preocupe, não estamos longe.
— Claro. Escute, Ian — começara ele, sua ansiedade quase sufocante. — Orlanda, Orlanda Ramos, conhece-a? Estava esperando...
— Sim, sim, eu a vi logo depois que a avalancha atingiu o prédio. Ela está bem. Está esperando Iá na Kotewall. Ela está bem. E você?
— Porra, tudo bem — dissera ele, quase tonto agora, sabendo que ela estava em segurança. E quando Dunross lhe contara sobre sua própria evasão milagrosa, e que Casey tinha visto toda a catástrofe acontecer, ficou estarrecido à idéia de como todos os outros tinham estado tão próximos da tragédia. — Meu Deus, mais alguns minutos e vocês todos teriam sido atingidos.
— Joss.
Tinham batido papo por algum tempo, depois Dunross saíra do caminho para que o resgate pudesse continuar.
Pensando agora em Orlanda, outro arrepio o percorreu, e novamente agradeceu a Deus por ela estar a salvo, e Casey também. "Orlanda jamais sobreviveria embaixo da terra. Casey, talvez, mas Orlanda, não. Jamais. Mas isso não a desprestigia em nada."
Ajeitou-se mais confortavelmente, as roupas ensopadas arrepiando-lhe a pele, ouvindo berros e ruídos dos salvadores que se aproximavam, reconfortantes. Para passar o tempo, continuou seus devaneios sobre as duas mulheres. "Nunca conheci um corpo como o da Orlanda, ou outra mulher agual a ela. É quase como se a conhecesse há anos, não uns poucos dias. Isso é uma verdade. Ela é excitante, desconhecida, fêmea, maravilhosamente perigosa. Casey não representa perigo. Daria uma excelente mulher, uma grande sócia, mas não é tão feminina quanto Orlanda. Claro que Orlanda gosta de roupas bonitas, presentes caros, e se o que o pessoal daqui fala for verdade, vai gastar dinheiro como se fosse água. Mas não é para isso que serve a maior parte do dinheiro? Minha ex-mulher está amparada, as crianças também. Não tenho o direito de me divertir e ser capaz de protegê-la dos Biltzmanns do mundo?