— É. — Travkin morrera durante a noite. Dunross visitara-o no Hospital Matilda várias vezes, mas o seu treinador não recobrara a consciência desde o acidente de sábado. — Já descobrimos algum parente dele?
— Não. Não tinha nenhuma namorada especial, ou... ou alguém. O jovem Jacques tomou todas as providências para o enterro.
— Ótimo. É, é o mínimo que podemos fazer por ele.
— Vai montar no sábado?
— Não sei. — Dunross hesitou. — Lembre-me de falar com os organizadores para darmos ao quinto páreo o nome de Travkin... um meio de agradecer-lhe.
— Sim, ah, seria maravilhoso! Gostava tanto dele, é, seria maravilhoso.
Dunross olhou para o relógio.
— O meu compromisso seguinte já está Iá embaixo?
— Já.
— Ótimo — disse o tai-pan, a fisionomia se fechando. Desceu para o andar inferior, para o seu escritório.
— Boa tarde, sr. Choy, em que posso servi-lo? Já lhe mandara pêsames por Wu Quatro Dedos. Quando a porta se fechou, Paul Choy enxugou as mãos sem notar.
— Vim tratar do primeiro passo, senhor. Lamento termos tido que adiar de ontem para hoje, mas... as impressões na cera... encaixaram-se numa das suas duas meias moedas restantes?
— Primeiro, quero saber quem está com a outra metade, agora que Quatro Dedos é um ancestral.
— A família Wu, senhor.
— Quem na família Wu? — perguntou Dunross com aspereza, deliberadamente grosseiro. — A moeda foi dada a um indivíduo que a passaria adiante a um indivíduo. Quem?
— Eu, senhor.
Paul Choy devolveu o olhar do tai-pan, sem medo, muito embora seu coração estivesse batendo mais depressa do que nunca... até mesmo mais do que quando ele estava no junco, havia uma eternidade... o sangue jovem do Lobisomem nas mãos, o corpo semimorto e mutilado apoiado nele, e o pai gri-tando-lhe para jogar o homem ao mar.
— Terá que provar que o Quatro Dedos deu-a a você.
— Desculpe, tai-pan, não tenho que provar nada — replicou Paul Choy, Confiantemente. — Tenho apenas que apresentar a moeda e pedir o favor. Em segredo. Tudo em segredo, é o acordo. Se é a moeda verdadeira, a sua honra e o prestígio da Casa Nobre estão em jogo, e o fa...
— Sei o que está em jogo para mim. — Dunross fez a voz o mais áspera possível. — Você sabe?
— Senhor?
— Estamos na China. Muitas coisas curiosas acontecem na China. Acha que sou um idiota para ser logrado por uma lenda antiga?
O rapaz sacudiu a cabeça, a garganta apertada.
— Não, o senhor não é absolutamente nenhum idiota, tai-pan. Mas, se eu apresentar a moeda, o senhor concederá o favor.
— Qual é o favor?
— Primeiro acho que gostaria de saber se o senhor... se o senhor está convencido de que é uma das quatro. Eu estou convencido.
— Está mesmo?
— Estou, sim, senhor.
— Sabe que esta moeda foi roubada de Phillip Chen? Paul Choy fitou-o, depois recuperou-se rapidamente.
— Esta moeda é do Wu Quatro Dedos. Não sei nada de roubo algum. Ela veio do meu pai, é só o que sei. Era do meu pai.
— Devia devolvê-la a Phillip Chen.
— O senhor alguma vez a viu, esta moeda determinada, nas mãos dele?
Dunross já conversara com Phillip Chen sobre a moeda.
— Não há maneira de provar que ela é sua, Phillip? — perguntara-lhe.
— Nenhuma, tai-pan. Nenhuma — dissera o velho, torcendo as mãos.
Dunross mantinha os olhos fitos penetrantemente no jovem.
— Ela é de Phillip Chen. Paul Choy mexeu-se, irrequieto.
— Havia quatro moedas, tai-pan. A do sr. Chen deve ser uma das outras. Esta pertence... pertencia ao meu pai. Lembra-se do que ele disse em Aberdeen?
Dunross fitou-o, calado, tentando abalá-lo, lidando com ele à moda ocidental. Paul Choy vacilou, mas manteve o olhar firme. "Interessante", pensou Dunross. "Você é um Sacaninha durão, e bom. Será que é um emissário de "Wu Dente de Ouro, ou um ladrão, e está aqui por sua conta?" Deixou o silêncio pesar, usando-o para minar o seu oponente enquanto reconsiderava sua posição. No minuto em que Paul Choy telefonara, na véspera, solicitando uma entrevista, soubera qual o motivo dela. Mas, como cuidar daquilo? "Quatro Dedos mal acabou de morrer e já tenho um novo inimigo", pensou, "forte, bem-treinado, com colhões às pampas. Mesmo assim, tem seus pontos fracos, como todo mundo. Como você. Gornt é um deles. Riko podia ser outro. Ah, Riko! O que há nela que o toca tanto?
"Esqueça isso! Como recobrar a meia moeda antes do favor?"
— Imagino que tenha a sua metade com você. Vamos agora ao avaliador — disse, levantando-se, testando Paul Choy.
— Não, senhor, desculpe, mas não. — Paul Choy sentiu que seu coração ia estourar, a tira de couro à volta do seu pescoço virando repentinamente um nó corredio, a meia moeda queimando sua carne. — Desculpe, mas não acho que seja uma boa idéia.
— Acho que é uma idéia muito boa — continuou Dunross bruscamente, pressionando-o. — Iremos buscá-la. Vamos!
— Não. Não, obrigado, tai-pan. — Paul Choy falou com uma polidez firme que impressionou Dunross. — Podemos fazê-lo na semana que vem, por favor? Digamos, na próxima sexta? Não há pressa.
— Não estarei em Hong Kong na sexta-feira.
— Sim, senhor. Estará no Japão. Poderia me dar uma hora durante a sua visita ao país? A hora que lhe for conveniente. Para ir visitar um avaliador?
Os olhos de Dunross se estreitaram.
— Parece saber muita coisa, sr. Choy.
— Aqui é fácil descobrir qualquer coisa, senhor. O Japão seria melhor para ambos. Menos chance de uma... uma mancada, e no Japão somos ambos iguais.
— Está sugerindo que aqui o senhor não será?
— Não, não, tai-pan. Mas, como disse, estamos na China, coisas estranhas acontecem na China. Quatro Dedos e seu grupo também são bem relacionados. A moeda é jogada de pessoa para pessoa, tem que ser tratada dessa maneira. É o que eu acho.
Paul Choy agora estava suando, agradecendo a Deus pelo fato de que parte do favor era manter tudo em segredo. Desde que trouxera de volta o corpo de Quatro Dedos, estivera manobrando para obter poder na família. Finalmente, conseguira exatamente o que desejara, a posição especialíssima (em termos da Máfia) de consigliere, assessor-chefe de Wu Dente de Ouro, o filho mais velho, agora o chefe titular dos Wu Marítimos. "É o que somos", pensou, o medo subindo à tona de novo. "Mafiosos chineses. Não há sangue em mim, também? Estava a bordo com o ópio. O que o Dente de Ouro sabe que eu não sei?"
— Pode confiar em mim, Dente de Ouro — dissera ao irmão, lutando pelo seu futuro.
— Infelizmente, tenho pouca escolha. Estou navegando em águas desconhecidas. Preciso de toda a ajuda que puder obter. Sua perícia será muito valiosa — dissera Dente de Ouro no seu inglês muito britânico, quando estavam nos estágios finais da negociação.
— Calculo que possamos trabalhar juntos.
— Sejamos francos, Irmão. Ambos estudamos em universidades, os outros não. Precisamos um do outro, e os Wu Marítimos precisam se modernizar. Não posso fazê-lo. Preciso de ajuda séria... meus anos dirigindo os Barcos do Prazer não me qualificam para o comando. Eu vivia pedindo, mas, bem, conhece o nosso pai. Santo Deus, não podia sequer mudar a taxa por hora de uma garota sem pedir a aprovação dele. Os quatro dedos dele estavam em todos os navios, em cada transação da frota.
— Claro, mas agora, se os capitães dele toparem as mudanças, daqui a um ano você terá a operação chinesa mais bem dirigida da Ásia.
— É exatamente o que desejo. Exatamente.
— E quanto ao ópio?
— Os Wu Marítimos sempre transportaram essa carga.
— E quanto às armas?
— Que armas?
— Ouvi boatos de que Quatro Dedos ia se meter em contrabando de armas.
— Não estou sabendo nada de armas.
— Vamos nos livrar do tráfico de ópio e heroína. Vamos ficar bem longe dos narcóticos. Não é verdade que ele ia se unir àqueles dois palhaços, Yuen Contrabandista e Lee Pó Branco?