John Chen ficou olhando para ela, com cara de bobo.
— O Sr. Bartlett não vem?
— Não. Vai passar a noite no avião, se obtiver permissão. Senão, virá depois, de táxi. De qualquer modo, almoçará conosco amanhã, conforme o combinado. O almoço ainda está de pé, não é mesmo?
— Claro, mas... — John Chen tentava pôr sua cabeça para funcionar. — Então, vai querer cancelar a reunião das dez horas?
— Ah, não. Comparecerei, como foi combinado. Linc não é esperado nessa reunião, que trata só de finanças... não de política. Estou certa de que compreende. Linc está muito cansado, Sr. Chen. Chegou da Europa ontem. — Olhou para Armstrong. — O comandante perguntou à torre se Linc podia pernoitar no avião, superintendente. Eles foram verificar com a Imigração; de lá responderam que depois entrariam em contato conosco, mas imagino que nosso pedido acabará chegando às suas mãos. Gostaríamos muito que o aprovasse. Linc está há muito tempo com os horários descontrolados, por causa das viagens a jato.
Armstrong se pegou dizendo:
— Acertarei isso com ele.
— Ah, obrigada, muito obrigada. — Voltou-se novamente para John Chen. — Desculpe toda essa trabalheira, Sr. Chen. Vamos?
Começou a se dirigir para o portão 16, com o carregador atrás, mas John Chen indicou o seu Rolls.
— Não, por aqui, srta. Tchu... Casey. — Ela arregalou os olhos.
— E a alfândega?
— Hoje, não — disse Armstrong, gostando dela. — Um presente do governo de Sua Majestade.
— Sinto-me como se fosse membro da realeza, em visita.
— Tudo faz parte do serviço.
Ela entrou no carro. Cheiro gostoso de couro. E de luxo. Então, notou o carregador cruzando o portão que levava ao terminal do aeroporto.
— Mas, e quanto às minhas malas?
— Não precisa se preocupar com elas — falou John Chen, com irritação. — Estarão na sua suíte antes que chegue lá.
Armstrong ficou segurando a porta por mais um momento.
— John veio com dois carros. Um para a senhorita e o Sr. Bartlett... outro para a bagagem.
— Dois carros?
— Claro. Não se esqueça de que está em Hong Kong.
Armstrong ficou observando o carro se afastar. "Linc Bartlett é um homem de sorte", pensou, e ficou imaginando, distraidamente, por que o SEI, Serviço Especial de Informações, estava interessado nela.
— Vá receber o avião e examine o passaporte dela pessoalmente — o diretor do sei lhe dissera, pela manhã. — E o do Sr. Lincoln Bartlett também.
— Posso saber por quê, senhor?
— Não, Robert, não pode. Já não faz mais parte desta seção... está num empreguinho confortável em Kowloon. Uma bela sinecura, pois não?
— Sim, senhor.
— E Robert, faça o favor de não esculhambar a nossa operação de hoje à noite... pode haver muitos figurões envolvidos. Temos um trabalhão para manter vocês atualizados com o que os "homens maus" estão fazendo.
— Sim, senhor.
Armstrong suspirou enquanto subia as escadas que levavam ao avião, seguido pelo sargento Lee. Dew neh loh moh para todos os oficiais superiores, especialmente o diretor do SEI.
Um dos funcionários da alfândega esperava no topo da escada, junto com Svensen.
— Boa noite, senhor — cumprimentou ele. — Tudo em ordem a bordo. Há um 38 com uma caixa de cem cartuchos fechada como parte do estoque do avião. Uma pistola Verey Light. E mais três rifles de caça e um calibre 12 com munição, pertencentes ao Sr. Bartlett. Estão todos arrolados no manifesto de carga, e já os inspecionei. Há um armário de armas trancado na cabine principal. O comandante tem a chave.
— Ótimo.
— Ainda vai precisar de mim, senhor?
— Não, obrigado. — Armstrong pegou o manifesto de carga do avião e começou a verificá-lo. Muito vinho, cigarro, fumo, cerveja e bebidas mais fortes. Dez caixas de Dom Pérignon 59, quinze de Puligny Montrachet 53, nove de Château Haut Brion 53. — Não têm Lafite Rothschild 1916, Sr. Svensen? — perguntou, com um sorrisinho.
— Não, senhor — respondeu Svensen, com um sorriso amplo.— 1916 foi um ano muito ruim. Mas temos meia caixa do 1923. Está na página seguinte.
Armstrong virou a página. Havia mais vinhos e charutos na lista.
— Ótimo — falou. — Naturalmente, tudo isso estará sob retenção alfandegária, enquanto estiverem em terra.
— Sim, senhor. Já tranquei tudo no armário... e seu homem o lacrou. Disse que não fazia mal deixar uma caixa com doze latas de cerveja na geladeira.
— Se quiser importar qualquer vinho, basta me avisar. Não há complicações, apenas uma modesta contribuição para a gaveta inferior de Sua Majestade.
— Como? — perguntou Svensen, perplexo.
— Hem? Ah, só uma piadinha inglesa. Refere-se à gaveta inferior da cômoda de uma senhora... onde guarda as coisas de que vai precisar no futuro. Desculpe. O seu passaporte, por favor. — O passaporte de Svensen era canadense. — Obrigado.
— Posso apresentá-lo ao Sr. Bartlett? Está à sua espera.
Svensen entrou no avião, à sua frente. O interior era elegante e simples. Saindo do pequeno corredor, entrava-se numa sala de estar com meia dúzia de poltronas de couro e um sofá. Uma porta central isolava o resto do avião, na direção da popa. Numa das poltronas uma aeromoça dormitava, com as maletas ao lado. À esquerda ficava a porta da cabine de vôo. Estava aberta.
O comandante e o co-piloto estavam nos seus lugares, ainda examinando a papelada.
— Com licença, comandante. Este é o superintendente Armstrong — disse Svensen, afastando-se.
— Boa noite, superintendente — falou o comandante. — Sou o comandante Jannelli e este é o meu co-piloto, Bill O'Rourke.
— Boa noite. Posso ver seus passaportes, por favor?
Os dois pilotos tinham vistos internacionais e carimbos de imigração aos montes. Nenhum país da Cortina de Ferro. Armstrong entregou-os ao sargento Lee, para carimbá-los.
— Obrigado, comandante. Esta é sua primeira visita a Hong Kong?
— Não, senhor. Estive aqui umas duas vezes, de licença, durante a Guerra da Coréia. E viajei com a Far Eastern, como primeiro-oficial, durante seis meses, na rota da volta ao mundo deles em 56, durante os tumultos.
— Que tumultos? — quis saber O'Rourke.
— Kowloon inteira explodiu. Uns duzentos mil chineses de repente endoidaram, saíram por aí destruindo, queimando. Os tiras, desculpe, a polícia tentou resolver a coisa com paciência, depois as turbas começaram a matar, então os tiras, bem, a polícia passou a mão nuns fuzis e matou uma meia dúzia de palhaços e tudo se acalmou rapidinho. Aqui, só a polícia tem armas de fogo, o que é uma ótima idéia. — E, dirigindo-se a Armstrong: — Acho que vocês fizeram um serviço e tanto.
— Obrigado, comandante Jannelli. Onde teve início este vôo?
— Em Los Angeles. O escritório principal de Linc, do Sr. Bartlett, fica lá.
— Sua rota foi Honolulu, Tóquio, Hong Kong?
— Sim, senhor.
— Quanto tempo ficaram parados em Tóquio?
Bill O'Rourke foi verificar imediatamente o registro.
— Duas horas e dezessete minutos. Apenas para reabastecimento, senhor.
— Um tempinho para esticar as pernas, não é? Jannelli falou:
— Fui o único a saltar. Sempre dou uma checada no trem de aterrissagem e faço uma inspeção externa, onde quer que pousemos.
— É um bom hábito — falou o policial, cortesmente. — Quanto tempo vão ficar aqui?
— Não sei, isso é com Linc. Com certeza até amanhã.
Não podemos partir antes das catorze horas. Nossas ordens são para estarmos prontos para ir a qualquer lugar, a qualquer hora.
— Tem um belo avião, comandante. Pode ficar aqui até as catorze horas. Se quiser uma prorrogação, fale com o controle de terra antes desse horário. Quando estiver pronto, passe pela alfândega por aquele portão. E por favor, que a tripulação passe toda junta.