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IAN FLEMING

CASSINO ROYALE

tradução de

THOMAZ SOUTO CORRÊA

EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S. A.

RIO DE JANEIRO

1965

Título do original inglês Casino Royale

Copyright 1954 by Glidrose Productions Ltd.

ÍNDICE

1- O Agente Secreto

2- Relatório Param

3- Numero 007

4- O Inimigo Ouve Tudo

5- A Moça Do Quartel-General

6- Dois Homens De Palheta

7- Vermelho E Preto

8- Luzes Cor-de-rosa E Champanha

9- O Jogo É Baccarat

10- A Mesa Forte

11- A Hora Da Verdade

12- A Bengala Mortífera

13- "Um Sussurro De Amor, Um Sussurro De Ódio"

14- La Vie En Rose?

15- Lebre Preta E Cão Cinzento

16- Um Arrepio Na Pele

17- "Meu Caro Rapaz"

18- Um Rosto De Pedra

19- A Tenda Branca

20- A Natureza Do Mal

21- Vésper

22- O Automóvel Apressado

23- Maré De Paixão

24- Fruit Défendu

25- "Venda Preta No Olho"

26- "Durma Bem, Minha Querida"

27- Um Coração Sangrando De Dor

1- O AGENTE SECRETO

Às três horas da manhã, o ambiente de um cassino é praticamente irrespiráveclass="underline" o suor e a fumaça misturam-se para resultar num cheiro quase nauseabundo. É nessa hora que o jogo alto começa a corroer a alma dos jogadores, com um misto de avareza, de medo e de tensão nervosa. E é nessa hora que esta sensação se torna insuportável, os sentidos do jogador acordam e se revoltam.

De repente James Bond sentiu que estava cansado. Ele sempre sabia quando seu corpo e sua mente estavam esgotados e sempre agia de acordo com isso. O simples fato de tomar consciência de que estava cansado fazia com que Ele evitasse o desinteresse e a insensibilidade sensual, duas sensações que podem provocar muitos erros.

Calmamente deu as costas para a mesa da roleta onde estava jogando c chegou ate a barra de metal dourado que cercava a mesa principal de jogo da sala privada.

Le Chiffre ainda estava jogando e, pelo jeito, ganhando. Diante dele, havia uma pilha desarrumada de várias fichas de cem mil francos. Seu pesado braço esquerdo projetava uma sombra sobre uma discreta pilha de fichas amarelas, cada uma das quais valia meio milhão de francos.

Durante algum tempo, Bond observou o perfil estranho e impressionante de Le Chiffre. Depois, encolheu os ombros como se quisesse desanuviar os pensamentos e afastou-se.

A grade que protege o caixa chega até a altura do queixo das pessoas que o vêem de fora, e o caixa — que geralmente não passa de um modesto funcionário de banco — fica sentado num banquinho, mergulhado entre pilhas de fichas e de notas. As fichas ficam distribuídas em prateleiras, atrás do caixa, à altura da cintura de quem olha de fora. O caixa tem um cacetete e um revólver para protegê-lo. Debruçar sobre a grade, roubar algumas notas, saltar de volta e sair do cassino, atravessando todas as passagens e portas, é impossível. Sem contar que os caixas normalmente trabalham aos pares.

Bond refletia sobre este problema enquanto recebia o maço de notas de cem mil e em seguida os maços de notas de dez mil francos. Com outra parte do cérebro, teve uma visão da reunião rotineira que a diretoria do Cassino teria na manhã seguinte.

"Monsieur Le Chiffre ganhou dois milhões. Fez o jogo de sempre. Miss Fairchild ganhou um milhão numa hora e saiu. Em uma hora, ela quebrou três vezes a banca de monsieur Le Chiffre e saiu. Ela jogou friamente. O visconde de Valorem ganhou um milhão na roleta. Ele estava jogando o máximo nas primeiras e nas últimas dúzias. Teve sorte. E o inglês, mister Bond, aumentou seu lucro para exatamente três milhões nos ú\-timos dois dias. Ele estava na mesa cinco, jogando um sistema progressivo no vermelho. Duclos, o encarregado do jogo, tem todos os detalhes. Aparentemente, mister Bond é perseverante e paga sempre em máximos. E tem muita sorte. Seus nervos parecem bons. À noite, o chemin-de-fer ganhou x, o baccarat ganhou y, e a roleta ganhou z. O boule, que estava outra vez mal freqüentado, mesmo assim pagou as despesas".

"Merci, monsieur Xavier". "Merci, monsieur le Président".

Ou algo parecido com isso, pensou Bond enquanto empurrava as portas de vaivém da saía privada e acenava com a cabeça para o homem em traje a rigor e de ar aborrecido, cujo trabalho é barrar as entradas ou saídas e apertar eventualmente o comutador elétrico no chão, para trancar automaticamente a porta a qualquer sinal de distúrbio.

E a diretoria do Cassino faria o balanço de seus lucros, depois todos iriam para casa ou para algum restaurante almoçar.

Quanto a roubar o caixa, coisa em que Bond não estava pessoalmente empenhado, mas somente interessado, pensou que seriam necessários uns dez homens, que eles certamente teriam de matar um ou dois empregados e que, de qualquer maneira, não se encontrariam na França nem em outro país qualquer dez homens que ficassem com a boca fechada depois de um trabalho destes.

Quando deu mil francos de gorjeta ao rapaz do vestiário e desceu as escadas do cassino, Bond decidiu que Le Chiffre em nenhuma circunstância tentaria roubar a caixa; e colocou esta hipótese fora de suas cogitações. Em lugar disso, explorou suas sensações físicas do momento. Sentiu o pedregulho seco incomodando-o através da sola fina de seus sapatos de noite, sentiu um gosto ruim, áspero na boca e um ligeiro suor debaixo dos braços; os olhos inchados, o nariz congestionado. Respirou profundamente o doce ar da noite e reconcentrou os sentidos. Queria saber se alguém havia revistado seu quarto desde que saíra para jantar.

Atravessou a larga avenida e os jardins até o Hotel Splendide. Sorriu para o homem da portaria, que lhe entregou a chave — n.° 45, primeiro andar — e apanhou o telegrama.

Era da Jamaica e dizia:

KINGSTONIA

BOND SPLENDIDE ROYALE-LES-EAUX BAIXO SENA

PRODUÇÃO CHARUTOS HAVANA TODAS FÁBRICAS CUBANAS 1915

DEZ MILHÕES

REPITO DEZ MILHÕES PT ESPERO QUE ISTO RESPONDA SUA

PERGUNTA LEMBRANÇAS

DASILVA

O que significava que havia, para Ele, dez milhões de francos a caminho. Era a resposta de um telegrama que Bond mandara naquela tarde para seu quartel-general em Londres, através de Paris, pedindo mais dinheiro. Paris falara com Londres, onde Clements, o chefe do Departamento de Bond, falara com M, que sorrira meio de lado e dissera ao "corretor" para arranjar o dinheiro com o Tesouro.

Bond já trabalhara uma vez na Jamaica e a identidade que estava usando no caso Royale era a de um cliente muito rico dos Caffery, a principal firma de exportação e importação da Jamaica. Por isto, todos os seus contatos eram feitos através da Jamaica, utilizando um homem taciturno, chefe do Departamento Fotográfico do Daily Gleaner, o famoso jornal do Caribe.

Este homem, chamado Fawcett, tornara-se contador de uma das mais importantes firmas de pesca de tartaruga das ilhas Cayman. Nascido nas ilhas, apresentou-se como voluntário no começo da guerra e terminou como funcionário da tesouraria de uma pequena organização naval do serviço secreto em Malta. No fim da guerra, preparava-se para voltar meio a contragosto para as ilhas Cayman, quando foi descoberto pela seção do Serviço Secreto encarregada do Caribe. Passou por um duríssimo curso intensivo de fotografia e de outras artes até que, com a discreta ajuda de um homem influente da Jamaica, conseguiu chegar ao Departamento Fotográfico do Gleaner.

Além de selecionar o material fotográfico apresentado pelas grandes agências — Keystone, Wide World, Universal, INP e Reuter — Ele recebia instruções peremptórias, por telefone, de um homem que nunca vira na vida, para executar determinadas operações que não requeriam nada demais, a não ser discrição absoluta, rapidez e exatidão. Por esses serviços ocasionais, recebia 20 libras por mês depositadas em sua conta do Banco Real do Canadá por um parente fictício na Inglaterra.