"É muito simples", disse Ele, "e você entenderá num instante se já jogou alguma vez vinte-e-um, onde o objetivo é conseguir cartas da banca para completar a soma vinte e um, ou obter uma soma que se aproxime mais de vinte e um do que a banca. No baccarat, você recebe duas cartas e o banqueiro também; e, se alguém não ganhar de cara, cada um de nós ou ambos podemos pedir uma carta ou mais. O objetivo do jogo e ter duas ou três cartas que, juntas, somem nove pontos, ou que cheguem o mais perto de nove possível. Figuras e dez não valem nada; os ases valem um; todas as outras cartas valem seu número. Só o último número de cada soma é que conta. Assim: nove mais sete igual a seis, e não a dezesseis".
"O vencedor é aquele cuja soma chega mais perto de nove. Quando empata, joga-se de novo".
Vésper ouvia atentamente, mas notava também o olhar de abstrata paixão da expressão de Bond.
"Agora", prosseguiu Bond, "quando o banqueiro passa as minhas duas cartas, se elas somarem oito ou nove, esta jogada se chama "natural"; então eu as mostro e ganho, a menos que Ele tenha um "natural" igual ou então melhor. Se, ao receber as cartas, eu não tiver um "natural", não peço carta nenhuma se tiver um sete ou um seis; talvez peça uma carta se tiver um cinco; mas não terei a menor dúvida em pedir uma carta se minha soma for menos de cinco. Cinco é a virada do jogo. De acordo com as probabilidades, as chances de melhorar ou piorar a mão, se você tiver um cinco, são exatamente iguais".
"Só quando eu pedir uma carta ou colocar as minhas na mesa, o que significa que fico com as que tenho, é que o banqueiro pode olhar as dele. Se Ele tiver um "natural", mostra as cartas e ganha. Se não tiver, encara o mesmo problema que eu. Mas tudo que eu fizer ajuda-o a saber se deve ou não pedir outra carta. Se fiquei com as que tenho, Ele deve concluir que eu tenho um cinco, um seis ou um sete; se pedi outra carta, Ele saberá que tenho menos de seis e que terei melhorado ou não minha mão com a carta que Ele me deu. E essa carta, Ele me entrega virada para cima. Pelo seu valor e pelo conhecimento das probabilidades Ele saberá se tem de pedir outra carta ou ficar com as que já tem".
"Desta maneira, Ele tem uma ligeira vantagem sobre mim. Tem um pequeno auxílio em sua decisão de pedir ou ficar. Mas há sempre um problema neste jogo: devemos ficar com um cinco ou pedir outra carta, e o que fará o nosso oponente nas mesmas condições, ou seja, com um cinco na mão? Alguns jogadores sempre pedem. Eu sigo a minha intuição".
"Mas no fim" — Bond apagou o cigarro e pediu a conta — "são os oito e nove "naturais" que contam e eu preciso obtê-los em muito maior quantidade do que Ele".
10- A MESA FORTE
ENQUANTO contava a estória do jogo e antecipava a luta próxima, o rosto de Bond se iluminava novamente. A perspectiva de finalmente chegar às vias de fato com Le Chiffre o estimulava e fazia com que seu pulso batesse mais rápido. Parecia ter esquecido completamente a barreira de gelo que se formara entre os dois e Vésper, aliviada, adotou o mesmo estado de espírito.
Bond pagou a conta e deu uma gorjeta ao garçom. Vésper levantou-se e saiu à frente até as escadas do hotel.
O grande Bentley estava à porta e Bond dirigiu o carro até o local mais perto possível da entrada do Cassino, onde parou. Enquanto atravessavam a ante-sala toda enfeitada quase não falou. Ela olhou para Ele e notou que suas narinas estavam levemente dilatadas. Em tudo o mais, Ele parecia perfeitamente à vontade, notando alegremente os cumprimentos dos funcionários do Cassino. À porta da sala privada, ninguém pediu pelos cartões de sócios dos dois. O jogo alto de Bond já fizera dele um cliente favorecido, e qualquer pessoa que o acompanhasse participava desta glória.
Pouco depois de terem atravessado a entrada do salão principal, Felix Leiter afastou-se de uma das mesas de roleta e cumprimentou Bond como se fosse um velho amigo. Depois de ter sido apresentado a Vésper Lynd e trocado algumas observações com Bond, Leiter disse: "Bem, já que hoje você vai jogar baccarat, permite que eu mostre à srta. Lynd como se quebra a banca na roleta? Tenho três números de sorte que devem aparecer de um momento para outro e espero que a srta. Lynd também tenha um número de sorte. Então, quando o seu jogo começar a esquentar, talvez possamos assisti-lo".
Bond olhou interrogativamente para Vésper.
"Gostaria muito de ir com Ele", disse ela. "Você me dá um dos seus números de sorte para eu fazer uma jogada?"
"Não tenho números de sorte", disse Bond sem sorrir. "Eu só aposto com probabilidades iguais, ou tão perto delas quanto eu consiga chegar. Bem, agora tenho de deixá-los". Desculpou-se. "Você estará em boa companhia com meu amigo Felix Leiter". Deu um rápido sorriso que envolveu a ambos e dirigiu-se com passos lentos em direção à caixa.
"Ele é um jogador muito sério, srta. Lynd", disse Leiter, "e acho que tem de ser assim. Agora venha comigo e veja o número dezessete obedecer às minhas percepções extra-sensoriais. Descobrirá assim que receber muito dinheiro a troco de nada é uma sensação bastante indolor".
Quando se viu sozinho novamente, Bond sentiu-se mais aliviado: poderia concentrar-se agora inteiramente na tarefa que tinha em mãos. Parou diante da caixa e retirou os 24 milhões de francos contra o recibo que lhe fora entregue ao depositar o dinheiro à tarde. Dividiu as notas em maços iguais, colocou metade no bolso direito do paletó, e outra metade 'no bolso esquerdo. Vagarosamente, caminhou entre as mesas repletas até chegar ao fim do salão, onde a larga mesa de baccarat o esperava atrás da barra de metal dourado.
A mesa estava ficando cheia de gente, e as cartas estavam espalhadas, viradas para baixo, sendo lentamente misturadas pelo que se chama "o embaralhamento do croupier" — supostamente o embaralhamento mais eficiente e menos suscetível de roubo.
O chef de partie levantou a corrente coberta de veludo que dava acesso à mesa.
"Reservei o Número 6, como o senhor queria Monsieur Bond".
Três lugares ainda estavam vazios. Bond dirigiu-se ao lugar a Ele destinado, onde um empregado já puxara a cadeira.
Sentou-se e com a cabeça cumprimentou os jogadores à sua direita e à sua esquerda. Tirou do bolso a cigarreira achatada de metal escuro e o isqueiro preto, colocando-os sobre o feltro verde ao lado de seu cotovelo direito. O empregado limpou um cinzeiro de vidro grosso com um pano e colocou-o ao lado de Bond, que acendeu um cigarro e recostou-se na cadeira. Diante dele o lugar destinado ao banqueiro ainda estava vazio. Olhou em volta da mesa. Conhecia de vista a maioria dos jogadores, mas poucos pelo nome. No Número 7, à sua direita, estava Monsieur Sixte, um belga rico que tinha interesses em metais no Congo. No Número 9, estava Lorde Danvers, um homem muito distinto, mas com uma aparência doentia cujo dinheiro, ao que se presumia, provinha de sua esposa norte-americana, uma senhora de meia idade, com uma boca feroz, parecida com a de uma barracuda, que estava sentada no Número 3. Bond imaginou que eles fariam um jogo nervoso e que estariam entre os primeiros a cair fora. No Número 1, à direita da banca, estava um jogador grego muito conhecido e que possuía — como, na opinião de Bond, todo mundo no Mediterrâneo Oriental — uma lucrativa linha de navios. Esse jogaria bem e friamente, e ficaria até o fim.
Bond pediu um pedaço de papel ao empregado e escreveu nele, sob um nítido ponto de interrogação, os demais números, 2, 4, 5, 8, 10, e pediu que o entregasse ao chef de partie.
Logo o papel foi devolvido com todos os nomes escritos.
O número 2, ainda vazio, seria de Carmel Delane, a estrela do cinema norte-americano que tinha a mesada de três maridos para queimar e, pensou Bond, a esperança de conseguir mais uma do eventual companheiro que arranjasse em Royale. De temperamento sangüíneo, jogaria corajosa e alegremente e poderia entrar numa onda de sorte.