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Ouviu um ligeiro ruído no corrimão atrás dele e virou a cabeça. Aquela bateria de péssimos dentes sob o bigode preto se abria distraidamente para Ele.

"Le jeu est fait", disse o croupier, e as duas cartas vieram deslizando em sua direção sobre o feltro verde — um feltro verde que já não era tão macio, mas grosso, peludo, quase sufocante, sua cor tão lívida quanto a grama de um túmulo recém-fechado.

A luz dos grandes abajures com arremates de cetim, que pareciam sempre tão aconchegantes, estava agora da mesma cor que suas mãos, quando Ele olhou para as cartas. Então Ele voltou a olhá-las.

Piores não poderiam ser — o rei de copas, um ás, o de espadas, que olhava para Ele como uma viúva negra.

"Uma carta". Ele ainda conseguia manter a voz sem o menor sinal de emoção.

Le Chiffre examinou as próprias cartas. Tinha uma rainha e um cinco preto. Olhou para Bond e tirou outra carta com seu dedo largo. A mesa estava em absoluto silêncio. Olhou-a, jogou-a fora. O croupier levantou-a delicadamente com a espátula e Fez com que ela deslizasse até Bond. Era uma boa carta, o cinco de copas, mas para Bond era como uma impressão digital difícil marcada em sangue seco. Tinha agora um seis e Le Chiffre um cinco; mas o banqueiro, tendo um cinco e tendo dado um cinco ao outro, deveria e sem dúvida tiraria outra carta, para tentar melhorar seu jogo com um ás, um dois, um três ou um quatro. Se tirasse qualquer outra carta, seria derrotado.

As probabilidades estavam do lado de Bond, mas agora era Le Chiffre que olhava diretamente para os olhos de Bond e quase não olhou a carta, quando a virou para cima sobre a mesa.

Era, desnecessariamente, a melhor, um quatro, dando um nove à banca. Ganhara, quase sem esforço.

Bond estava derrotado e sem um tostão.

12- A BENGALA MORTÍFERA

BOND PERMANECEU sentado, em silêncio, gelado com a derrota. Abriu a cigarreira escura e tirou um cigarro. Acendeu-o apertando a mandíbula do isqueiro Ronson e colocou-o de volta na mesa. Aspirou profundamente a fumaça e a expeliu entre os dentes, emitindo um leve silvo. E agora? Voltar para o hotel, para a cama, evitando os olhares de comiseração de Mathis, Leiter e Vésper. Telefonar a Londres, tomar amanhã o avião de volta, o táxi até Regent's Park, subir as escadas, atravessar os corredores até a expressão fria de M, sua simpatia forçada, seu "melhor sorte da próxima vez"; e, naturalmente, não havia, não podia haver melhor chance do que esta.

Olhou em volta da mesa e para os espectadores. Poucos estavam olhando para Ele. Quase todos esperavam que o croupier contasse o dinheiro e empilhasse as fichas num monte certinho diante do banqueiro, para ver depois se alguém teria coração de desafiar esta enorme banca de 32 milhões de francos, este maravilhoso golpe de sorte do banqueiro.

Leiter tinha desaparecido, não querendo enfrentar seu olhar depois do insucesso, supôs Bond. Mas o estranho é que Vésper continuava imperturbável, e até sorriu para Ele encorajadoramente. Bem, refletiu Bond, ela não sabia nada sobre este jogo. Provavelmente não tinha a menor noção da amargura de sua derrota.

Um empregado aproximou-se de Bond. Parou a seu lado. Curvou-se para Ele. Depositou um envelope grosso ao lado de Bond, em cima da mesa. Grosso como um dicionário. Disse algo sobre a Caixa. Afastou-se.

O coração de Bond deu um salto. Pegou o pesado envelope anônimo e, debaixo da mesa, abriu-o com a unha do polegar. Notou que a cola ainda estava molhada.

Sem acreditar, e ao mesmo tempo sabendo que era verdade, sentiu o grosso pacote de notas. Enfiou-o no bolso, conservando na mão o pedaço de papel que envolvia as notas. Examinou-o debaixo da mesa. Havia uma linha escrita a tinta: "Plano Marshall, ajuda econômica. Trinta e dois milhões de francos. Com os cumprimentos dos EUA" .

Bond engoliu em seco. Olhou para Vésper. Felix Leiter estava novamente a seu lado. Riu de leve, e Bond sorriu de volta, levantando a mão num pequeno gesto de bênção. Decidiu então concentrar-se, para limpar da cabeça todos os sinais de derrota completa que o haviam esmagado alguns minutos antes. Fora uma trégua, mas só uma trégua. Não aconteceria mais nenhum milagre. Desta vez Ele tinha de vencer — se Le Chiffre já não tivesse ganho os cinqüenta milhões que precisava — se Le Chiffre fosse continuar!

O croupier completara sua obrigação de calcular o "barato", trocar as notas de Bond em fichas, e fazer uma pilha de aposta gigante no meio da mesa.

Ali estavam 32 mil libras. Talvez, pensou Bond, Le Chiffre só precisasse de mais um golpe, mesmo um pequeno golpe de alguns milhões de francos, para alcançar o que precisava. Teria completado então os cinqüenta milhões de francos e deixaria a mesa. No dia seguinte, cobriria seus déficits e asseguraria sua posição.

Mas Le Chiffre não dava sinais de que pretendia partir e Bond adivinhou, com alívio, que de alguma maneira superestimara os recursos de Le Chiffre.

Assim, a única esperança, pensou Bond, era esmagá-lo agora. Não dividir a banca com o resto da mesa, nem tomar uma pequena parte nela, mas ir de uma vez. Isto realmente abalaria Le Chiffre. Ele detestaria ver mais de dez milhões da aposta cobertos, e não esperaria de maneira alguma que alguém topasse sozinho a parada dos 32 milhões inteiros. Ele podia não saber que Bond estava completamente quebrado, mas poderia imaginar que Ele tinha no momento só uma pequena reserva. Le Chiffre não poderia saber o que continha o envelope. Se soubesse retiraria a banca e tudo começaria de novo, na cansativa jornada que se inicia com a aposta de abertura valendo 500 francos.

A análise estava correta.

Le Chiffre precisava de mais oito milhões.

Finalmente, Ele Fez um gesto com a cabeça.

"Un banco de trente-deux millions".

Soou a voz do croupier. O silêncio impôs-se por si mesmo em volta da mesa.

"Un banco de trente-deux millions".

Num tom de voz ainda mais alto e orgulhoso, o chef de partie continuou a repetir o chamado, esperando tirar dinheiro alto das mesas de chemin de fer vizinhas.

Ademais, isto era ótima publicidade. Uma aposta desse tamanho só tinha sido alcançada uma vez na história do baccarat — em Deauville, no ano de 1950. O Cassino rival de Royale, La Forêt, em Le Touquet, nem chegara perto disso.

Foi então que Bond inclinou-se ligeiramente para a frente.

"Suivi", disse baixinho.

Houve um ruído de excitação em volta da mesa. A novidade correu rapidamente pelo Cassino inteiro. 32 milhões! Para a maioria das pessoas ali presentes, era mais dinheiro do que eles já haviam ganho em toda a vida. Eram todas as suas economias, todas as economias de suas famílias. Era, literalmente, uma pequena fortuna.

Um dos diretores do Cassino consultou o chef de partie. O chef de partie virou-se para Bond, desculpando-se.

"Excusez-moi, Monsieur. La mise?"

Era uma indicação de que Bond deveria mostrar realmente que tinha dinheiro para cobrir a aposta. Naturalmente todos sabiam que Ele era um homem muito rico, mas afinal de contas, 32 milhões! E já acontecera de gente desesperada apostar sem um tostão no bolso e ir parar alegremente na prisão, caso perdesse.

"Mes excuses, Monsieur Bond", acrescentou o chef de partie, desculpando-se mais uma vez.

No momento em que jogou o maço de notas sobre a mesa e o croupier começou a contar as notas de dez mil francos, as notas mais altas em circulação na França, Bond percebeu um rápido olhar entre Le Chiffre e o pistoleiro que estava exatamente atrás de Bond.