JAMES CLAVELL
Tradução de ISABEL PAQUET DE ARARIPE
5a EDIÇÃO
Título original norte-americano KING RAT
1962 by James Clavell
CHANGI
Notas
Segundo o Washington Post:
“Um livro magnífico, cintilante, vibrante, de conhecedor.”
Segundo o Times de Nova York:
“Um romance dramático, que prende totalmente a atenção, feroz e brutal nas suas revelações. James Clavell é um contador de histórias envolvente, um observador brilhante, um homem que entende muita coisa, e perdoa muita coisa.”
Segundo o New York Herald Tribune:
“Um romance poderoso... fascinante... penetrante... provocante.”
A época é a Segunda Guerra Mundial e o livro focaliza a vida num campo de concentração japonês, brutal lugar onde não se ouvem os ruídos da guerra e onde se encontram mais de dez mil prisioneiros.
Dentre essa massa fervilhante de gente, um homem — um cabo americano — busca dominar tanto os seus infelizes companheiros quanto os captores. Como armas ele tem coragem física e a compreensão profunda da fraqueza e dos limites da resistência humana, além de sua disposição total para explorar cada oportunidade que se apresente de aumentar o poder de que já dispõe e de corromper ou destruir quem se interponha em seu caminho.
James Clavell, que com poucos livros conquistou extraordinária popularidade em todo o mundo, neste seu romance verdadeiramente apresenta a condição humana sem retoques, deixa a nu as paixões mais cruas e as necessidades mais elementares de sobrevivência do ser humano, mostrando que até mesmo as, diferenças de raízes entre Oriente e Ocidente podem desaparecer frente à força conquistadora de um homem que busca estabelecer seu império pessoal.
Os personagens criados genialmente pelo autor não serão esquecidos tão cedo; eles são capazes das maiores baixezas ou possuem as mais altas virtudes, alguns se sacrificando para poder manter contato pelo rádio com o exterior, enfrentando a proibição dos japoneses, enquanto outros sordidamente roubavam comida dos colegas e passavam informações às autoridades do campo.
Tanto quanto o extraordinário Tai-Pan, também de James Clavell, já publicado pela Record, Changi é um livro que quando se começa a ler não dá mais pra largar, em verdade uma história das mais fascinantes escritas nos últimos tempos.
OBRAS DO AUTOR
A ARTE DA GUERRA
CASA NOBRE (2 Volumes)
CHANGI
TAI-PAN
Para Aqueles que Estiveram Lá
E Não São,
Para Aqueles que Estiveram Lá e São.
Para Ele. Mas, Principalmente,
para Ela.
Houve uma guerra. As prisões de Changi e Utram Road, em Cingapura, existem... ou existiram. Obviamente, o resto desta história é ficção, e não existe, nem se pretende que exista, qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas.
Changi ficava encravada como uma pérola na ponta oriental da Ilha de Cingapura, iridescente sob a cúpula dos céus tropicais. Ficava numa pequena elevação, cercada por um cinturão verde, e mais adiante o verde dava lugar ao mar azul-esverdeado, e o mar à infinidade do horizonte.
Vista de perto, Changi perdia sua beleza e se tornava o que realmente era... uma prisão obscena e aterradora. Blocos de celas cercados por pátios escaldantes, circundados por muros altos.
Dentro dos muros, dentro dos blocos de celas, andar sobre andar, havia celas com capacidade para 2. 000 prisioneiros. Agora, nas celas e nos corredores e em cada buraco e canto disponível, ali viviam cerca de 8. 000 homens. Na sua maioria ingleses e australianos — alguns neozelandeses e canadenses — os remanescentes das forças armadas da campanha no Extremo Oriente.
Esses homens também eram criminosos. O crime deles era imenso. Eles haviam perdido uma guerra. E haviam sobrevivido.
As portas das celas estavam abertas e as portas dos blocos de celas estavam abertas e o portão monstruoso que cortava os muros estava aberto e os homens podiam entrar e sair, quase livremente. Mas ainda assim havia uma sensação de confinamento, um cheiro de claustrofobia.
Do lado de fora do portão havia uma estrada revestida de macadame e alcatrão que margeava os muros. A cerca de 100 metros para o oeste a estrada era atravessada por um emaranhado de portões de arame farpado, e do lado de fora desses portões ficava uma casa da guarda ocupada pela escória armada das hordas conquistadoras. Passada a barreira, a estrada seguia alegremente seu caminho, até perder-se na cidade esparramada de Cingapura. Mas, para os homens, a estrada ao oeste terminava a uns 100 metros do portão principal.
Para o leste, a estrada acompanhava o muro, depois virava para o sul e voltava a acompanhar o muro. De cada lado da estrada ficavam grupos de longos godowns, como eram chamados os barracos toscos. Eram todos iguais... 20 metros de comprimento, com paredes feitas de folhas de coqueiro trançadas, presas grosseiramente aos postes, e telhados feitos também de folhas de coqueiro, camada sobre camada mofada. Cada ano acrescentava-se, ou devia acrescentar-se, uma nova camada. Pois o Sol, a chuva e os insetos torturavam e destruíam o telhado. Havia aberturas simples para as janelas e portas. Os barracos tinham uns toldos compridos de folhas, para protegê-los do Sol e da chuva, e eram feitos sobre pilotis de concreto para escapar das inundações, das cobras, sapos, lesmas e caracóis, dos escorpiões, centopéias, besouros, percevejos... todo o tipo de coisa rastejante.
Esses barracos eram habitados por oficiais.
No sul e no leste da estrada havia quatro fileiras de bangalôs de concreto, 20 em cada fileira, fundos com fundos. Os oficiais superiores — majores, tenentes-coronéis e coronéis — moravam neles.
A estrada virava para o oeste, novamente margeando o muro, e deparava com outro grupo de barracos de folhas de palmeira. Aqui estavam alojados os homens que já não cabiam na prisão.
E num dos barracos, menor do que a maioria, vivia o contingente americano de 25 soldados.
Onde a estrada virava de novo para o norte, encostada ao muro, ficava parte da horta. O restante — que fornecia o grosso da comida do campo -ficava mais para o norte, do outro lado da estrada, em frente ao portão da prisão. A estrada prosseguia através das hortas menores por cerca de 200 metros, e terminava diante da casa da guarda.
Limitando toda a área, talvez uns 800 por 800 metros, havia uma cerca de arame farpado. Fácil de cortar. Fácil de atravessar. Mal era guardada. Não havia holofotes. Não havia postos de metralhadoras. Mas, uma vez do lado de fora, o que fazer? O lar ficava do outro lado das águas, além do horizonte, além de um mar sem limites ou uma selva hostil. Do lado de fora ficava a desgraça, para os que iam e para os que permaneciam.
A essa altura, em 1945, os japoneses haviam aprendido a deixar o controle do campo nas mãos dos prisioneiros. Os japoneses davam ordens, e os oficiais eram responsáveis por seu cumprimento. Se o campo não incomodava, não era incomodado. Pedir comida era incomodar. Pedir remédios era incomodar. Pedir qualquer coisa era incomodar. O fato de eles estarem vivos era incomodar.
Para os homens, Changi era mais do que uma prisão. Changi era o gênese, o lugar de começar de novo.
LIVRO UM1
— Vou pegar aquele filho da mãe nojento nem que tenha de morrer tentando. O Tenente Grey ficou satisfeito por ter finalmente dito em voz alta aquilo que o corroía por dentro. O veneno na voz de Grey fez o Sargento Masters acordar dos seus devaneios. Ele estivera sonhando com uma garrafa de cerveja australiana supergelada e um bife a cavalo e a sua casa em Sydney e a mulher e os seios e o cheiro dela. Nem se deu ao trabalho de acompanhar o olhar do Tenente pela janela aberta. Sabia a quem ele se referia, entre os homens seminus que andavam pela trilha de terra batida que ladeava a cerca de arame farpado. Mas ficou surpreso com a explosão de Grey. Normalmente, o Chefe da Polícia Militar de Changi era calado e inabordável como qualquer inglês.