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O Rei não respondeu, pois não havia resposta. Simplesmente esperou, e agora que estava enrascado, não sentia medo, amaldiçoava apenas sua estupidez. Um homem que falha por sua própria estupidez não tem direito de ser chamado de homem. E não tem direito de ser o Rei, pois o mais forte é sempre o Rei, não apenas pela força, mas Rei pela astúcia, força e sorte juntas.

— De onde veio isto, Cabo? — A pergunta de Grey era uma carícia.

O estômago de Peter Marlowe ficou revirado, e sua cabeça funcionou desesperadamente, e então ele disse:

— É meu. — Sabia que aquilo soava como a mentira que era, por isso acrescentou depressa: — Estávamos jogando pôquer. Eu o perdi. Pouco antes do almoço.

Grey, o Rei e todos os homens olharam para ele, apalermados.

— Você o quê? — indagou Grey.

— Perdi-o — repetiu Peter Marlowe. — Estávamos jogando pôquer. Eu tinha uma seqüência. Conte para ele — acrescentou abruptamente para o Rei, jogando-lhe a bola para testá-lo.

A mente do Rei ainda estava em estado de choque, mas seus reflexos eram bons. Abriu a boca e disse:

— Estávamos jogando stud pôquer. Eu tinha um full hand, e...

— Quais eram as cartas?

— Azes e dois — interrompeu Peter Marlowe, sem hesitar. — Que diabo é esse stud, perguntava a si mesmo.

O Rei se crispou, a despeito do seu controle magnífico. Estivera prestes a dizer reis e damas, e sabia que Grey percebera o seu estremecimento.

— Está mentindo, Marlowe!

— Ora, Grey, meu velho, mas isso é coisa que se diga! — Peter Marlowe estava tentando ganhar tempo. Mas que porra é esse studl — Foi patético — continuou, sentindo o horror-prazer do grande perigo. — Pensei que o havia derrotado. Eu tinha uma seqüência. Foi por isso que apostei o isqueiro. -Conte para ele — falou abruptamente para o Rei.

— Como se joga stud pôquer, Marlowe?

Um trovão rompeu o silêncio, ribombando no horizonte, e o Rei abriu a boca, mas Grey o deteve.

— Perguntei ao Marlowe — falou, ameaçadoramente.

Peter Marlowe sentiu-se impotente. Olhou para o Rei, e embora seus olhos nada revelassem, o Rei entendeu.

— Vamos — falou Peter Marlowe rapidamente — vamos mostrar-lhe.

O Rei imediatamente se virou para pegar as cartas, dizendo sem hesitação:

— Foi a minha carta do buraco... Grey virou-se furioso para ele.

— Falei que queria que o Marlowe me dissesse. Mais uma palavra sua e mando prendê-lo por interferir com a justiça.

O Rei ficou calado. Rezava para que a pista tivesse sido suficiente.

“Carta do buraco”, a expressão foi registrada na memória distante de Peter Marlowe. E recordou-se. E agora que sabia como era o jogo, começou a brincar com Grey.

— Bem — falou com ar preocupado — é como qualquer outro jogo de Pôquer, Grey.

Explique como ele é jogado! — Grey achava que pegara os dois na mentira.

Peter Marlowe olhou para ele, olhar gelado. Os ovos estavam esfriando.

— O que está tentando provar, Grey? Qualquer idiota sabe que são quatro cartas viradas para cima e uma para baixo... uma no buraco.

Um suspiro percorreu o aposento. Grey sabia que agora não havia mais nada que pudesse fazer. Seria sua palavra contra a de Marlowe, e ele sabia, mesmo aqui em Changi, qual prevaleceria.

— Isso mesmo — falou sombriamente, olhando do Rei para Peter Marlowe. — Qualquer idiota sabe. — Devolveu o isqueiro para o Rei. — Não se esqueça de botar na lista.

— Sim, senhor. — Agora que tudo acabara, o Rei deixou transparecer um pouco do alívio que sentia.

Grey olhou para Peter Marlowe uma última vez, e o olhar era a um só tempo promessa e ameaça.

— As tradições de sua escola se orgulhariam muito de você, hoje — disse, com desprezo, e foi saindo da choça, com Masters seguindo-o.

Peter Marlowe ficou vendo Grey se afastar, e quando este chegava à porta, falou um pouco mais alto do que era necessário para o Rei, ainda de olho em Grey:

— Quer emprestar-me seu isqueiro... meu cigarro apagou.

Mas Grey não alterou o passo, nem olhou para trás. Um bom homem, pensou Peter Marlowe sombriamente, bons nervos... um bom homem para ter do nosso lado, numa batalha mortal. E um inimigo para se levar em conta.

O Rei ficou sentado debilmente, no elétrico silêncio, e Peter Marlowe tirou o isqueiro de sua mão flácida e acendeu o cigarro. O Rei buscou automaticamente seu maço de Kooas, enfiou um deles na boca e deixou-o pender, sem senti-lo. Peter Marlowe inclinou-se e acendeu o isqueiro para o Rei. O Rei levou longo tempo para focalizar os olhos na chama, e então viu que a mão de Peter Marlowe estava tão trêmula quanto a sua. Correu os olhos por toda a cabana, onde os homens estavam parados feito estátuas, fitando-o. Podia sentir o suor gelado nos ombros, a camisa grudenta.

Houve um barulho de latas do lado de fora. Dino levantou-se e foi verificar, ansioso.

— Hora do rancho — gritou, todo feliz. O encanto foi quebrado, e os homens deixaram a cabana com os utensílios de comer. E Peter Marlowe e o Rei ficaram completamente sós.

3

Os dois homens ficaram sentados por um momento, terminando de se controlar. Depois, Peter Marlowe falou, com voz trêmula:

— Puxa, mas essa tirou um fino!

— Foi — falou o Rei, após uma pausa sem pressa. Involuntariamente, estremeceu de novo, em seguida pegou a carteira, tirou de lá duas notas de 10 dólares e botou-as em cima da mesa. — Tome — falou — pelo que houve. Mas de agora em diante você está na folha de pagamento. Vinte por semana.

— Como?

— Vou dar-lhe vinte por semana. — O Rei pensou por um momento. — Acho que tem razão — falou, amavelmente, e sorriu. — Vale mais. Digamos trinta. — A seguir, notou a braçadeira e acrescentou: — Senhor.

— Ainda pode chamar-me de Peter — disse Peter Marlowe, com a voz irritada. — E vamos deixar claro... não quero seu dinheiro. — Levantou-se e começou a ir embora. — Obrigado pelo cigarro.

— Ei, espere aí — falou o Rei, atônito. — Mas que diabo deu em você? Peter Marlowe fitou o Rei, com a raiva brilhando nos olhos.

— Que diabo pensa que sou? Enfie seu dinheiro sabe bem onde!

— Alguma coisa errada com o meu dinheiro?

— Não. Só com os seus modos!

— E desde quando os modos têm algo a ver com dinheiro?

Peter Marlowe virou-se abruptamente para partir. O Rei se pôs de pé e ficou entre Peter Marlowe e a porta.

— Espere aí — falou, com voz .tensa. — Quero saber uma coisa. Por que livrou minha cara?

— É óbvio, não acha? Fui eu quem deu a mancada, não podia deixar você com a bomba na mão. O que pensa que sou?

— Não sei. Estou tentando descobrir.

— O erro foi meu, desculpe.

— Não tem do que se desculpar — disse o Rei, vivamente. — O erro foi meu. Banquei o burro. Não teve nada a ver com você. . .

— Não faz diferença. — O rosto de Peter Marlowe era de granito, como seus olhos. — Mas deve pensar que sou um merda completo, se espera que deixe que o crucifiquem. E um merda ainda maior se pensa que quero dinheiro de você... quando fui descuidado. Isso não agüento de pessoa alguma!

— Sente-se um minutinho. Por favor.

— Porquê?

— Porra, porque quero falar com você.

Max hesitou à porta, com as latas de comida do Rei.

— Com licença — disse, cauteloso — aqui está sua bóia. Quer um pouco de chá?

— Não. E Tex fica com a minha sopa, hoje. Pegou a lata de arroz e colocou-a sobre a mesa.

— Está legal — disse Max, ainda hesitante, imaginando se o Rei queria ajuda para tirar o couro do filho da puta.

— Dê o fora, Max. E diga aos outros para nos deixar a sós, por um minuto.

— Claro. — Max saiu, afavelmente. Achava que o Rei agia muito sensatamente, não querendo testemunhas quando pretendia baixar o sarrafo num oficial. O Rei voltou a olhar para Peter Marlowe.