pouco se me dá. — Seus sacanas, vocês são os donos do mundo — disse, em voz alta — mas não por muito tempo, por Deus, agora não. Vamos à forra, pessoas como eu. Não fizemos a guerra para sermos pisoteados. Vamos à forra!
— Muito boa sorte!
Grey tentou controlar a respiração. Abriu os punhos cerrados com esforço, e tirou o suor dos olhos.
— Mas você, não vale a pena lutar com você. Está morto!
— A realidade é que ambos estamos bem vivos.
Grey se virou e caminhou para a porta. No degrau superior, parou e se voltou.
— Na verdade, devo agradecer-lhe, e ao Rei, por uma coisa — falou, rancorosamente. — Foi o ódio que sentia pelos dois que me manteve vivo. — A seguir, afastou-se sem olhar para trás.
Peter Marlowe ficou olhando para o campo, depois voltou a olhar para a choça, e para os pertences espalhados do Rei. Apanhou o prato em que se serviam os ovos, e notou que já estava coberto de pó. Distraidamente, levantou a mesa do chão e botou o prato em cima, imerso em seus pensamentos. Pensamentos que incluíam Grey, o Rei, Samson, Sean, Max, e Tex, e onde estava a mulher de Mac, e N’ai seria apenas um sonho, e o General, os estranhos, sua casa e Changi.
Meu Deus, meu Deus, perguntou-se. Será errado adaptar-se? Errado sobreviver? O que eu teria feito se fosse Grey? O que Grey teria feito se fosse eu? O que é o bem e o que é o mal?
E Peter Marlowe sabia,, atormentado, que o único homem que talvez pudesse esclarecê-lo morrera nas águas geladas da rota de Murmansk.
Fitou as coisas do passado... a mesa onde apoiara o braço, a cama onde se recuperara, o banco que ele e o Rei partilharam, as cadeiras em que, sentados, deram risadas... já velhas e com mofo.
No canto, havia um maço de dólares japoneses. Pegou-os e fitou-os, depois deixou-os cair, de um em um. Quando as notas iam pousando, as moscas caíam sobre elas, depois alçavam vôo, depois voltavam a se grudar nelas, aos montes.
Peter Marlowe ficou parado, no vã”o da porta.
— Adeus — disse, decididamente, para tudo aquilo que pertencera ao amigo. — Adeus e obrigado.
Saiu da choça, caminhou ao longo do muro da cadeia até que chegou à fila de caminhões que esperavam pacientemente junto ao portão de Changi.
Forsyth achava-se ao lado do último caminhão, indescritivelmente feliz por ter acabado sua missão. Estava exausto e trazia nos olhos a marca de Changi. Mandou que o comboio se movimentasse. O primeiro caminhão se pôs em marcha, o segundo e o terceiro, e todos os caminhões deixaram Changi, e só uma vez Peter Marlowe olhou para trás.
Quando estava bem longe.
Quando Changi parecia uma pérola numa ostra cor de esmeralda, branco-azulada sob a cúpula dos céus tropicais... quando Changi ficava numa pequena elevação, cercada por um cinturão verde, e mais adiante o verde dava lugar ao mar azul-esverdeado, e o mar à infinidade do horizonte.
E então, por sua vez, não olhou mais para trás.
Naquela noite, Changi ficou deserta. De homens. Mas os insetos permaneceram.
E os ratos.
Ainda estavam lá. Debaixo da choça. E muitos haviam morrido, pois foram esquecidos por seus captores. Os mais fortes, porém, ainda viviam.
Adão tentava estraçalhar a tela para chegar à comida do lado de fora da gaiola, lutando contra a tela como lutara desde que o puseram na gaiola. E sua paciência foi recompensada. O lado da gaiola se rasgou, e ele caiu sobre a comida, devorando-a. Depois, descansou, e com forças renovadas, lançou-se sobre outra gaiola, e com o correr do tempo devorou a carne que havia lá dentro.
Eva reuniu-se a ele, e se satisfizeram mutuamente, e depois foram pilhar juntos. Mais tarde, todo um lado de uma das trincheiras desabou, e muitas gaiolas foram abertas e os vivos se alimentaram dos mortos, e os vivos-fracos viraram alimento para os vivos-fortes, até que os sobreviventes estivessem igualmente fortes. E então, lutaram entre si, e pilharam.
E Adão dominava, pois era o Rei. Até o dia em que a vontade de ser Rei abandonou-o. Então morreu, pasto para um mais forte. E o mais forte era sempre o Rei, não apenas pela força, mas Rei pela astúcia, sorte e força juntas. Entre os ratos.
FIM