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— Nunca estive no Texas — disse o Rei. — Já viajei muito, mas não no Texas.

— É a terra de Deus.

— Quer uma xícara?

— Se quero. — Tex se aproximou, com sua caneca. O Rei se serviu de uma segunda xícara. A seguir, deu meia xícara para Tex.

— Max?

Este também ganhou meia xícara. Bebeu depressa o café.

— Ajeito isso para você de manhã — falou, levando o bule cheio de borra.

— Certo. Boa-noite, rapazes.

O Rei enfiou-se de novo sob o mosquiteiro e certificou-se de que estivesse bem esticado sob o colchão. A seguir, deitou-se gostosamente entre os lençóis. Viu Max, do outro lado da cabana, juntar um pouco d’água à borra do café, para deixar marinar, ao lado do seu catre. O Rei sabia que Max aproveitaria a borra para o seu desjejum. Pessoalmente, o Rei não gostava de usar o pó duas vezes. O café ficava amargo demais. Mas os rapazes achavam ótimo. Se Max queria reaproveitar o pó, tudo bem, pensou, de bom humor. O Rei não aprovava o desperdício.

Fechou os olhos e passou a pensar no diamante. Finalmente sabia quem o possuía, como obtê-lo, e agora que a sorte lhe trouxera Peter Marlowe, sabia como podia ser feita a complicadíssima transação.

Uma vez que se fica conhecendo um homem, disse o Rei para si mesmo, satisfeito, que se conhece o seu calcanhar-de-aquiles, sabe-se como lidar com ele, como fazer com que se encaixe nos seus planos. É, o seu palpite dera certo, quando deparara com Peter Marlowe pela primeira vez, acocorado como um nativo no pó, tagarelando em malaio. A gente tem que arriscar seus palpites, neste mundo.

Agora, pensando na conversa que tivera com Peter Marlowe depois da chamada da hora do crepúsculo, o Rei sentiu o calor da expectativa espalhar-se no corpo.

— Nada acontece nesse buraco do inferno — dissera o Rei, inocentemente, enquanto se sentavam ao abrigo da choça, sob o céu sem Lua.

— Isso mesmo — concordara Peter Marlowe. — É repugnante. Um dia é igual a todos os outros, dá para deixar um cara maluco.

O Rei fizera que sim com a cabeça, esmagando um mosquito.

— Conheço um sujeito que tem toda a emoção que quer, e ainda sobra.

— É? O que ele faz?

— Cruza a cerca de arame. À noite.

— Meu Deus. Mas isso é comprar barulho. Ele deve ser pirado!

Mas o Rei notara o lampejo de excitação nos olhos de Peter Marlowe. Esperou em silêncio, sem nada dizer.

— Por que ele age assim?

— Na maioria das vezes, de curtição.

— Quer dizer, emoção?

O Rei tornara a acenar com a cabeça. E Peter Marlowe assobiara baixinho.

— Não creio que eu tivesse tanta coragem.

— Às vezes, o sujeito vai à aldeia malaia.

Peter Marlowe olhara pela cerca de arame, imaginando a aldeia que todos sabiam existir no litoral, a cinco quilômetros de distância. Certa vez, tinha subido à cela mais alta da cadeia, e escalara a parede até a minúscula janela de grades. Tinha olhado por ela e vira o panorama da selva e da aldeia, juntinho ao litoral. Naquele dia, havia navios no mar. Navios pesqueiros e navios de guerra inimigos... grandes e pequenos... como se fossem ilhas no espelho do mar. Continuara olhando, fascinado com a proximidade do mar, pendurado às grades, até que as mãos e os braços ficaram cansados. Depois de descansar um pouco, iria subir e olhar de novo. Mas não o fez. Nunca mais. Doía demais. Sempre vivera perto do mar. Longe dele, sentia-se perdido. Agora, estava perto dele outra vez. Mas estava fora do seu alcance.

— É muito perigoso confiar numa aldeia inteira — dissera Peter Marlowe.

— Não, se você os conhece.

— Isso é verdade. Esse homem vai mesmo à aldeia?

— Foi o que me disse.

— Acho que nem o Suliman se arriscaria a tanto.

— Quem?

— Suliman. O malaio com quem eu estava conversando, hoje à tarde.

— Parece que já faz um mês — dissera o Rei.

— É mesmo, parece.

— Que diabo um sujeito como o Suliman está fazendo nesse buraco? Por que simplesmente não se mandou, quando a guerra acabou?

— Ele ficou preso em Java. Suliman era seringueiro na plantação de Mac. Mac é um dos caras da minha unidade. Bem, o batalhão de Mac, o Regimento Malaio, saiu de Cingapura e foi mandado para Java. Quando a guerra acabou, Suliman teve que ficar junto com o batalhão.

— Que diabo, ele podia ter-se desgarrado. Há milhões deles em Java...

— Os javaneses o teriam reconhecido imediatamente, e é provável que o denunciassem.

— Mas e quanto ao papo da co-prosperidade, sabe como é, a Ásia para os asiáticos?

— Infelizmente, não vale grande coisa. Não adiantou também para os javaneses. Não, se não obedecessem.

— O que quer dizer?

— Em 1942, no outono de quarenta e dois, eu estava num campo nos limites de Bandung — explicara Peter Marlowe. — Fica nas colinas de Java, no centro da ilha. Nessa época havia muitos amboneses, menadoneses e diversos javaneses conosco... homens que estiveram no Exército holandês. Bem, o campo era dureza para os javaneses, pois muitos eram de Bandung e suas mulheres e filhos moravam do lado de fora da cerca. Durante muito tempo, eles costumavam escapulir e passar a noite fora, depois voltar para o campo antes do alvorecer. O campo não era muito vigiado, portanto era fácil. Mas muito perigoso para os europeus, porque os javaneses os denunciavam aos japoneses, e eles estavam fritos. Certo dia, os japoneses proclamaram que quem quer que fosse descoberto do lado de fora seria fuzilado. Naturalmente, os javaneses pensaram que aquilo se referia a todos, menos a eles... já lhes fora dito que daí a duas semanas todos seriam livres para partir, em todo o caso. Certa manhã, sete deles foram presos. Puseram-nos em forma, no dia seguinte. O campo inteiro. Os javaneses foram encostados num muro e fuzilados. Sem mais nem menos, diante de todos nós. Os sete corpos foram enterrados... com honras militares... onde caíram. A seguir, os japoneses fizeram um jardinzinho em volta das tumbas. Plantaram flores e isolaram toda a área com uma cerca de cordas brancas, e colocaram um cartaz em malaio, japonês e inglês: Estes homens morreram por seu país.

— Está-me gozando!

— Não estou, não. Mas o engraçado é que os japoneses puseram uma guarda de honra nas tumbas. Depois, cada guarda japonês, cada oficial japonês que passava pelo “santuário” tinha que bater continência. Sem exceção. E nessa época, os prisioneiros tinham que se levantar e fazer reverência sempre que avistavam um soldado japonês, caso contrário, levavam uma coronhada de fuzil na cabeça.

— Não faz sentido. O jardim e as continências.

— Faz para eles. É a mente oriental. Para eles, faz perfeito sentido.

— Mas não faz mesmo. De jeito nenhum!

— É por isso que não gosto deles — dissera Peter Marlowe, pensativo. — Tenho medo deles, porque não tenho parâmetro para julgá-los. Não reagem como deveriam. Nunca.

— Ah, não sei. Conhecem o valor do dinheiro, e pode-se confiar neles, na maioria das vezes.

— Está falando comercialmente? — Peter Marlowe dera uma risada. — Bem, quanto a isso, não sei. Mas quanto às pessoas em si... Houve outro fato que presenciei. Num outro campo em Java... lá estavam sempre mudando a gente de lugar, não é como em Cingapura... também em Bandung. Havia um guarda japonês, um dos melhores. Não implicava com a gente, como a maioria. Bem, este homem, a quem chamávamos de Sunny, pois vivia sempre sorrindo, adorava cachorros. E Sunny sempre tinha uma meia dúzia deles a seu lado, quando percorria o campo. O seu favorito era um cão-pastor... uma cadela. Um dia, a cadela teve uma ninhada dos cachorrinhos mais engraçadinhos do mundo, e Sunny parecia o japonês mais feliz do mundo, treinando os cachorrinhos, rindo e brincando com eles. Quando começaram a andar, fez tre-las de barbante para eles, e andava por todo o campo puxando os bichinhos. Certo dia, estava puxando os filhotes, quando um deles resolveu sentar-se. Sabe como são os cachorrinhos, ficam cansados e se sentam. Sunny arrastou-o um pouquinho, depois deu um repelão. O bichinho ganiu, mas empacou.