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Pelei Marlowe fizera uma pausa, preparando um cigarro. A seguir, continuara:

— Sunny agarrou firme o barbante e começou a girar o cãozinho acima da cabeça, na ponta da corda. Girou-o cerca de doze vezes, dando risadas, como se aquilo fosse a maior piada do mundo. Então, quando o cãozinho desesperado ganhou impulso, ele deu uma rodada final e largou o barbante. O bichinho deve ter voado uns quinze metros. E quando caiu no chão duro, arrebentou-se como um tomate maduro.

— Mas que filho da mãe!

Depois de um momento, Peter Marlowe dissera:

— Sunny foi até onde estava o cãozinho. Olhou para ele, depois desatou a chorar. Um dos nossos pegou uma pá e enterrou os restos, e o tempo todo Sunny se rasgava de dor. Quando a sepultura estava lisa, ele enxugou as lágrimas, deu ao homem um maço de cigarros, xingou-o durante cinco minutos, deu-lhe uma coronhada na virilha, depois fez uma reverência para a sepultura, outra para o homem ferido, e se afastou, todo sorridente, com os outros cães e filhotes.

O Rei sacudira a cabeça, devagar.

— Quem sabe ele era só louco. Sifilítico.

— Não, Sunny não era. Os japoneses parecem agir como crianças, mas têm corpos de homens, e força de homens. Apenas encaram as coisas como as crianças. A perspectiva deles é oblíqua... para nós... e distorcida.

— Ouvi contar que as coisas foram brabas em Java, depois da rendição — dissera o lei, para que o outro continuasse falando. Levara quase uma hora para fazer com que Peter Marlowe começasse a falar, e queria que este se sentisse à vontade.

— De certo modo. Claro que em Cingapura havia mais de cem mil homens, portanto os japoneses tinham que ser cautelosos. A cadeia de comando ainda existia, e muitas unidades achavam-se intactas. Os japoneses estavam pressionando muito para tomar a Austrália, e não ligavam muito, contanto que os prisioneiros de guerra se comportassem e se organizassem em campos. Foi a mesma coisa em Sumatra e Java, durante algum tempo. A idéia deles era seguir em frente e tomar a Austrália, depois todos seríamos mandados para lá como escravos.

— Está maluco — dissera o Rei.

— Não estou, não. Foi um oficial japonês que me contou, depois que fui capturado. Mas quando a marcha deles foi detida na Nova Guiné, começaram a limpar suas linhas. Em Java não havia muitos de nós, portanto podiam dar-se ao luxo de ser brutos. Disseram que não tínhamos honra... os oficiais... porque nos deixáramos ser capturados. Assim, não nos consideravam prisioneiros de guerra. Cortaram nosso cabelo e nos proibiram de usar as insígnias de oficial. Acabaram por deixar que “voltássemos a ser” oficiais outra vez, embora não nos permitissem deixar crescer o cabelo de novo. — Peter Marlowe sorrira. — Como foi que chegou aqui?

— A mancada de costume. Eu fazia parte de uma equipe de construção de uma pista de pouso. Nas Filipinas. Tínhamos que sair de lá a toque de caixa. O primeiro navio que pudemos pegar dirigia-se para cá, e embarcamos nele. Imaginávamos que Cingapura seria tão segura quanto o Forte Knox. Quando chegamos aqui, os nipônicos já estavam quase passando por Johore. Houve um pânico de última hora, e todos os rapazes tomaram o último comboio a sair daqui. Menos eu, achei arriscado, e fiquei. O comboio foi torpedeado no mar. Usei a cabeça... e estou vivo. Na maioria das vezes, só os otários são mortos.

— Não creio que eu tivesse tido a sabedoria de ficar... se tivesse a oportunidade — comentara Peter Marlowe.

— A gente tem é que cuidar do número um, Peter. Mais ninguém cuida. Peter Marlowe pensara muito nessa frase — cuidar primeiro de si. Pedaços de conversa varavam a noite. Ocasionalmente, uma explosão de raiva. Sussurros. As nuvens constantes de mosquitos. De longe vinha o som lamentoso de um apito de navio, seguido de outro em resposta. As palmeiras farfalhavam, delineadas contra o céu escuro. Uma folha seca caíra do alto de uma palmeira e desabara no chão da selva.

Peter Marlowe quebrara o silêncio.

— Esse amigo seu. Vai mesmo à aldeia?

O Rei olhara dentro dos olhos de Peter Marlowe.

— Quer ir? — perguntara, baixinho. — Da próxima vez que eu for? Um leve sorriso retorcera os lábios de Peter Marlowe.

— Quero...

Um mosquito zumbiu no ouvido do Rei num crescendo irritante. Ele se levantou bruscamente, pegou a lanterna elétrica e vasculhou o interior do mosquiteiro. Finalmente, o inseto pousou na cortina, e o Rei esmagou-o habilmente. A seguir, verificou cuidadosamente que não houvesse furos na tela, e deitou-se outra vez.

Dentro de um momento, apagou. O sono vinha rápida e tranqüilamente para o Rei.

Peter Marlowe ainda estava acordado, no seu beliche, coçando as mordidas dos percevejos. O que o Rei lhe dissera havia despertado muitas lembranças...

Lembrou-se do navio que o trouxera, e a Mac e Larkin, de Java, um ano antes.

Os japoneses haviam ordenado ao Comandante de Bandung, um dos campos em Java, que arranjasse 1.000 homens para um destacamento de trabalho. Os homens seriam enviados para outro campo próximo durante duas semanas, com boa comida (rações duplas) e cigarros. A seguir, seriam transferidos para outro local. Boas condições de trabalho.

Muitos homens se haviam oferecido para ir, por causa das duas semanas. Alguns foram obrigados. Mac se oferecera como voluntário, e indicara Larkin e Peter Marlowe também.

— Nunca se sabe, rapazes — explicara, quando eles o xingaram. — Se pudermos ir para uma ilhazinha, bem, Peter e eu conhecemos o idioma. E afinal, o lugar não pode ser pior do que este.

E assim, decidiram trocar o mal que conheciam pelo mal que estava por vir.

O navio era um minúsculo vapor de carga. No começo da prancha de embarque havia muitos guardas e dois japoneses de branco, com máscaras brancas. Às costas traziam grandes recipientes, e nas mãos borrifadores ligados aos recipientes. Todos os prisioneiros e seus pertences foram esterilizados com os borrifadores, para que não levassem micróbios javaneses para o navio limpo.

No pequeno porão de carga da popa havia ratos, piolhos e fezes, e havia um espaço de seis metros por seis metros no centro do porão. Em toda a volta do porão, presas ao casco, do convés ao teto, havia cinco camadas de prateleiras fundas. A altura entre as prateleiras era de cerca de 90 centímetros, e sua profundidade era de três metros.

Um Sargento japonês mostrou aos homens como sentar nas prateleiras, de pernas cruzadas. Cinco homens em fileira, depois cinco homens em fileira ao lado destes, depois cinco homens em fileira ao lado destes. Até que todas as prateleiras estivessem lotadas.

Quando os protestos de pânico tiveram início, o Sargento disse que os soldados japoneses eram transportados dessa maneira, e o que servia para o glorioso Exército japonês servia também para a escória branca. Um revólver forçou os cinco primeiros homens, ofegantes, para dentro da escuridão claustrofóbica, e a pressão dos homens que desciam para o porão forçou os outros a fugirem da massa que empurrava, para dentro das prateleiras. Estes, por sua vez, foram forçados por outros. Joelho com joelho, costas com costas, lado a lado. Os homens que sobraram — quase 100 — ficaram aparvalhados na pequena área de seis por seis, agradecendo aos céus não estarem metidos nas prateleiras. As escotilhas ainda estavam abertas, e o Sol castigava o porão.

O Sargento levou uma segunda fileira, que incluía Mac, Larkin e Peter Marlowe, para o porão da proa, e também este começou a ser lotado.

Quando Mac chegou ao porão abafado, deu um gemido e desmaiou. Peter Marlowe e Larkin o seguraram, e em meio à balbúrdia abriram caminho à força, voltando pela prancha até o convés. Um guarda tentou empurrá-los de volta. Peter Marlowe gritou, suplicou e mostrou o rosto trêmulo de Mac. O guarda deu de ombros e deixou-os passar, fazendo sinal na direção da proa.