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Larkin e Peter Marlowe empurraram, xingaram e abriram um espaço para deitar Mac.

— O que vamos fazer? — perguntou Peter Marlowe a Larkin.

— Vou tentar arranjar um médico. A mão de Mac agarrou Larkin.

— Coronel. — Abriu imperceptivelmente os olhos e sussurrou bem rápido. — Estou bem. Tive de dar um jeito de tirar a gente de lá. Pelo amor de Deus, finjam que estão cuidando de mim e não se preocupem se me virem “ter” um ataque.

E assim, eles seguraram Mac enquanto ele choramingava, em delírio, e se debatia e vomitava a água que o forçavam a beber. Ele continuou assim até o navio zarpar. Agora, até mesmo o convés estava coalhado de homens.

Não havia espaço suficiente para todos os homens a bordo se sentarem ao mesmo tempo. Mas como havia filas para tudo — filas para água, para o arroz, para as privadas — cada homem podia sentar-se durante algum tempo.

Naquela noite, uma tormenta fustigou o navio durante seis horas. Os que estavam nos porões tentavam fugir do vômito, e os que estavam no convés tentavam fugir do temporal.

O dia seguinte foi calmo, sob um céu azul. Um homem caiu ao mar. Os que estavam no convés — homens e guardas — ficaram olhando durante muito tempo, enquanto ele se afogava na esteira do navio. Depois disso, ninguém mais caiu no mar.

No segundo dia, os cadáveres de três homens foram lançados ao mar. Alguns guardas japoneses dispararam seus fuzis para tornar a cerimônia mais militar. O serviço foi breve... era preciso entrar nas filas.

A viagem durou quatro dias e cinco noites. Para Mac, Larkin e Peter Marlowe, transcorreu sem novidades...

Peter Marlowe ficou deitado no colchão ensopado, ansiando pelo sono. Mas seu pensamento corria incontrolável, repisando terrores do passado e temores do futuro. E lembranças que seria melhor esquecer. Pelo menos agora, que estava só. Lembranças dela.

A alvorada já despontava quando finalmente adormeceu. Mas até mesmo então, seu sono foi cruel.

7

Os dias se sucediam, numa monotonia de dias.

E então, certa noite, o Rei foi ao hospital do campo procurar Masters. Encontrou-o na varanda de uma das choças, deitado numa cama fedorenta, semiconsciente, olhos fitos na parede de folhas.

— Alô, Masters — disse o Rei, depois de certificar-se de que ninguém estava ouvindo. — Como se sente?

Masters levantou os olhos, sem o reconhecer.

— Sente?

— Claro.

Passou-se um minuto, depois Masters resmungou:

— Não sei. — Um fio de saliva escorria do seu queixo.

O Rei apanhou sua caixa de fumo e encheu a caixa vazia pousada sobre a mesa, ao lado da cama.

— Masters — disse o Rei. — Obrigado por ter-me avisado.

— Avisado?

— Do que você leu no pedaço de jornal. Só queria agradecer, e dar-lhe um pouco de fumo.

Masters esforçou-se por recordar.

— Ah! Não é direito um colega espionar um colega. É sujeira, sacanagem! — E depois morreu.

O Dr. Kennedy se aproximou e puxou a coberta grosseira cuidadosamente sobre o rosto de Masters.

— Amigo seu? — perguntou ao Rei, com os olhos cansados e gélidos, sob um colchão de espessas sobrancelhas.

— De certo modo, Coronel.

— Ele tem sorte — disse o médico. — Acabaram-se as dores.

— É uma maneira de encarar a coisa, senhor — disse o Rei, polidamente. Pegou o fumo e devolveu-o à própria caixa. Masters não precisaria dele, agora.

— Do que ele morreu?

— De falta de ânimo. — O médico abafou um bocejo. Tinha os dentes manchados e sujos, os cabelos escorridos e sujos, as mãos rosadas e imaculadas.

— Quer dizer vontade de viver?

— É uma maneira de encarar a coisa. — O médico olhou de cara feia para o Rei. — Não há perigo de você morrer disso, não é?

— Que diabo, não. Senhor.

— O que o torna tão invencível? — perguntou o Dr. Kennedy, odiando aquele corpanzil que vendia saúde e força.

— Não estou entendendo. Senhor.

— Por que você está numa boa, e todo o resto não?

— Tenho sorte, só isso — disse o Rei, começando a se retirar. Mas o médico agarrou-lhe a camisa.

— Não pode ser só sorte. Não pode. Quem sabe você é o demônio, enviado para nos atormentar ainda mais! Você é um vampiro e um trapaceiro e um ladrão...

— Escute aqui. Jamais roubei ou trapaceei na vida, e não vou agüentar isso de ninguém.

— Então, quer-me contar como consegue? Como? É só o que quero saber. Não entende? Você é a resposta para todos nós. Você é bom ou é mau, e quero saber o que é.

— Está maluco — disse o Rei, afastando o braço bruscamente.

— Pode ajudar-nos...

— Ajude a si mesmo. Preocupo-me comigo mesmo. Preocupe-se consigo.

— O Rei notou como o jaleco branco do Dr. Kennedy pendia do seu peito emagrecido. — Tome — falou, dando-lhe o resto de um maço de Kooas. — Tome um cigarro. É bom para os nervos. Senhor. — Girou nos calcanhares e saiu apressado, estremecendo. Detestava hospitais. Detestava o fedor e a doença e a impotência dos médicos.

O Rei desprezava a fraqueza. Esse médico, pensou, está pronto para abotoar o paletó, o filho da puta. Um cara maluco desses não vai durar muito. Como o coitado do Masters. Mas quem sabe o Masters não era coitado... era Masters e era fraco e portanto não prestava. O mundo era uma selva, e os fortes sobreviviam e os fracos tinham que morrer. Era você ou o seu vizinho. É isso aí. Não há outro jeito.

O Dr. Kennedy fitou os cigarros, abençoando sua boa sorte. Acendeu um. Todo seu corpo saboreou a nicotina. A seguir, entrou na enfermaria, foi até onde estava Johnny Carstairs, detentor da DSO (Ordem do Mérito Militar), Capitão do 1? Regimento Blindado, que já era quase cadáver.

— Tome — disse, passando-lhe o cigarro.

— E o senhor, Dr. Kennedy?

— Não fumo, nunca fumei.

— Que sorte. — Johnny tossiu ao dar uma baforada, e um pouco de sangue veio junto com o escarro. O esforço da tosse contraiu seus intestinos, e um líquido sanguinolento saiu de dentro dele, pois os músculos do seu ânus há muito haviam perdido o controle. — Doutor — disse Johnny. — Quer calçar as minhas botas, por favor? Tenho que me levantar.

O velho olhou ao seu redor. Era difícil enxergar, pois a luz noturna da enfermaria era baixa e cuidadosamente velada.

— Não estou vendo nenhuma por aqui — replicou, olhando com olhos míopes para Johnny, que se sentara na beira da cama.

— Ah. Bem, o que se vai fazer.

— Que tipo de botas eram?

Um fio fino de lágrimas escorreu dos olhos de Johnny.

— Eu cuidava muito bem daquelas botas. Marchei uma vida inteira com elas. Eram a única coisa que me restava.

— Quer outro cigarro?

— Ainda estou terminando, obrigado.

Johnny voltou a deitar-se, no seu próprio excremento.

— Que pena, as minhas botas — disse.

O Dr. Kennedy suspirou e tirou as próprias botas sem cadarços e botou-as nos pés de Johnny.

— Tenho outro par — mentiu, depois ficou de pé, descalço, com dor nas costas.

Johnny remexeu os dedos dos pés, sentindo o toque do couro áspero. Tentou olhar para as botas, mas o esforço era demasiado.

— Estou morrendo — disse.

— Sim — falou o médico. Houve uma época... será que houve mesmo?... em que teria forçado uma mentirinha piedosa. Mas agora não havia por quê.

— Que coisa sem sentido, não é, Doutor? Vinte e dois anos e nada. Do nada para o nada.

Uma corrente de ar trouxe a promessa do alvorecer para a enfermaria.

— Obrigado por ter emprestado suas botas — falou Johnny. — Foi uma coisa que sempre prometi a mim mesmo... um homem tem que estar de botas.

Morreu.

O Dr. Kennedy tirou as botas dos pés de Johnny e voltou a calçá-las.