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— Enfermeiro! — chamou, vendo um enfermeiro na varanda.

— Sim, senhor? — respondeu Steven, vivamente, vindo em sua direção, um balde de diarréia na mão esquerda.

— Chame r> destacamento dos enterros para vir pegar este aqui. Ah, e pode dispor da cama do Sargento Masters, também.

— Simplesmente não dá para eu fazer tudo, Coronel — disse Steven, largando o balde no chão. — Tenho que levar três comadres para as Camas Dez, Vinte e Três e Quarenta e Sete. E o pobre Coronel Hutton está muito desconfortável. Tenho que mudar o curativo dele. — Steven olhou para a cama e balançou a cabeça. — Nada senão mortos...

— É esse o serviço, Steven. 0 mínimo que podemos fazer é enterrá-los. E quanto mais depressa, melhor.

— É, acho que sim. Pobres rapazes. — Steven suspirou e enxugou delicadamente o suor da testa com um lenço limpo. A seguir, recolocou o lenço no bolso do macacão branco de enfermeiro, apanhou o balde do chão, cambaleou um pouco sob seu peso, e saiu porta afora.

O Dr. Kennedy tinha nojo dele, do seu cabelo preto untuoso, suas axilas e pernas raspadas. Ao mesmo tempo, não podia culpá-lo. O homossexualismo era uma maneira de sobreviver. Os homens brigavam pelo Steven, partilhavam com ele suas rações, davam-lhes cigarros... tudo isso em troca do uso temporário do seu corpo. E afinal de contas, perguntou-se o médico, o que há de tão repugnante nisso? Quando se pensa no “sexo normal”, bem, clinicamente é tão repugnante quanto o homossexualismo.

Com a mão áspera cocou o saco distraidamente, pois hoje a coceira estava forte. Involuntariamente, tocou o membro. Estava insensível, frouxo.

Lembrou-se que há meses não tinha uma ereção. Bem, pensou, é por causa da dieta alimentar pobre. Não havia por que se preocupar. Logo que sair daqui e me alimentar direito, tudo ficará bem. Um homem de 43 anos ainda é um homem.

Steven voltou com o destacamento mortuário. O corpo foi posto numa maça e levado embora. Steven trocou a única coberta. Daí a um momento, entrou outra maça, e o novo paciente ocupou a cama.

Automaticamente, o Dr. Kennedy tomou o pulso do homem.

— A febre vai ceder amanhã — falou. — É só malária.

— Sim, Doutor. — Steven ergueu os olhos, afetadamente. — Devo dar-lhe um pouco de quinino?

— Claro que tem que lhe dar quinino!

— Desculpe, Coronel — disse Steven mordazmente, jogando a cabeça para trás. — Só estava perguntando. Somente os médicos podem autorizar o uso de drogas.

— Pois bem, dê-lhe o quinino, e pelo amor de Deus, Steven, pare de fingir que é um raio de uma mulher.

— Ora! — As pulseiras de argola de Steven chacoalharam quando ele, todo ofendido, voltou-se para cuidar do paciente. — É muito injusto implicar com uma pessoa que só está tentando fazer o melhor, Dr. Kennedy.

O médico estava para estourar com Steven quando, neste momento, o Dr. Prudhomme entrou na enfermaria.

— Boa-noite, Coronel.

— Oh, alô. — O Dr. Kennedy virou-se para ele, agradecido, dando-se conta de que teria sido uma cretinice estourar com Steven. — Tudo bem?

— Tudo. Posso falar-lhe um momento?

— Claro.

Prudhomme era um homem pequeno e sereno — de peito de pombo — com as mãos manchadas pelos anos lidando com substâncias químicas. Tinha uma voz profunda e gentil.

— Temos dois apêndices para amanhã. Um deles acaba de chegar na Emergência.

— Está bem. Vou dar uma olhada neles antes de sair.

— Quer operar? — Prudhomme lançou um olhar para o fundo da enfermaria, onde Steven segurava um vaso para um homem vomitar.

— Quero. Assim fico ocupado — replicou Kennedy. Espiou para o canto escuro. À meia-luz da lâmpada elétrica velada, as pernas longas e esguias de Steven se destacavam. Igualmente sobressaía a curva das suas nádegas na calça apertada e curta.

Sentido o olhar dos homens, Steven ergueu os olhos. Sorriu.

— Boa-noite, Dr. Prudhomme.

— Alô, Steven — respondeu Prudhomme, suavemente.

O Dr. Kennedy percebeu, entristecido, que Prudhomme ainda olhava para Steven. Prudhomme virou-se para Kennedy, notando seu choque e mal-estar.

— Ah, a propósito, terminei a autópsia daquele homem que foi achado na fossa. Morte por sufocação — disse, baixinho.

— Se um homem é achado de ponta cabeça, enfiado numa fossa, é mais do que provável que a morte se deva à sufocação.

— É verdade, Doutor — disse Prudhomme, sem se abalar. — Escrevi no atestado de óbito: “Suicídio enquanto estava com a mente perturbada.”

— Já identificaram o corpo?

— Já. Hoje à tarde. Era um australiano, chamado Gurble. O Dr. Kennedy esfregou o rosto.

— Não é a maneira que eu escolheria para cometer suicídio. Pavorosa. Prudhomme concordou com a cabeça, e seus olhos voltaram a fitar Steven.

— Sem dúvida. É claro, ele pode ter sido colocado lá.

— Havia marcas no corpo?

— Nenhuma.

O Dr. Kennedy tentou parar de notar o modo como Prudhomme olhava para Steven.

— Bem, seja assassinato ou suicídio, é uma maneira horrível. Horrível! Imagino que nunca vamos saber o que foi ao certo.

— Houve um rápido inquérito, hoje à tarde, logo que se soube quem era. Aparentemente, faz alguns dias, o tal homem foi pegado roubando rações de uma choça.

— Oh, sei.

— Bem, seja lá o que tenha sido, ele mereceu, não acha?

— Imagino que sim. — O Dr. Kennedy estava com vontade de continuar a conversa, pois se sentia solitário, mas percebeu que Prudhomme se achava interessado somente no Steven. — Bem — falou — acho melhor ir ver os doentes. Quer vir junto?

— Não, obrigado, tenho que preparar os pacientes para a operação. Enquanto o Dr Kennedy saía da enfermaria, viu, com o canto do olho,

Steven passar perto de Prudhomme, e este fazer-lhe uma carícia furtiva. Ouviu a risada de Steven, e viu que ele retribuía a carícia, aberta e intimamente.

A obscenidade deles deixou-o pasmo, e sabia que deveria voltar para a enfermaria, mandar que se separassem e levá-los à corte marcial. Mas estava cansado demais, portanto foi andando para o outro extremo da varanda.

O ar estava parado, a noite escura e desfolhada, a Lua, como um arco gigante, pendurada nas vigas do céu. Os homens ainda cruzavam a trilha, mas todos calados. Tudo esperava pelo alvorecer.

Kennedy olhou para as estrelas, tentando ler nelas uma resposta à sua pergunta constante. Quando, ó, Deus, este pesadelo terá fim?

Mas não havia resposta.

Peter Marlowe estava na latrina dos oficiais, apreciando a beleza do alvorecer e a beleza de uma evacuação agradável. A primeira era freqüente, a segunda rara.

Ele sempre escolhia a última fila, quando vinha às latrinas, em parte porque ainda detestava evacuar em público, em parte porque lhe desagradava ter alguém às suas costas, e em parte porque era divertido ver os outros.

As fossas tinham sete metros e meio de profundidade, 60 centímetros de diâmetro, e ficavam a l,80m de distância uma das outras. Vinte fileiras descendo a inclinação, 30 privadas por fileira. Cada uma delas era coberta com madeira, com uma tampa solta.

No centro da área ficava um único trono feito de madeira. Uma privada convencional. Era prerrogativa dos coronéis. Todos os demais tinham que se agachar, à moda nativa, com os pés de cada lado do buraco. Não havia telas de espécie alguma, toda a área ficava às vistas do céu e do campo.

Sentado em esplendor solitário no trono estava o Coronel Samson. Exceto pelo sovado chapéu de cule, estava nu. Sempre usava o chapéu, era mania dele. A não ser quando estava raspando a cabeça, ou massageando-a ou esfregando óleo de coco e outras esquisitices nela, para ver se recobrava o cabelo. Tivera uma moléstia desconhecida, e certo dia perdera todos os pêlos da cabeça, inclusive cílios e sobrancelhas. 0 resto dele era peludo como um macaco.

Outros homens estavam espalhados pela área, cada um o mais longe possível do vizinho. Cada um com um cantil. Cada um abanando para afastar as nuvens de moscas.