— Melhor acabarmos logo com ele. Da próxima vez, podemos não ter tanta sorte — disse o Rei, ofegante. Subitamente, teve uma inspiração. — Espere aí! — exclamou, quando todos começaram a fechar o cerco.
— O que foi?
— Tive uma idéia. — Voltou-se rapidamente para Tex. — Pegue uma coberta, depressa.
Tex arrancou a coberta da própria cama.
— Agora — disse o Rei. — Você e Max segurem a coberta e peguem o rato.
— Como?
— Quero o bicho vivo. Como é, vamos lá — ordenou o Rei.
— Com a minha coberta? Está maluco? É a única que tenho!
— Arranjo-lhe outra. Mas trate de pegar o filho da mãe.
Todos ficaram olhando boquiabertos para o Rei. Então, Tex deu de ombros. Ele e Max seguraram a coberta, como se fosse um biombo, e começaram a convergir sobre o canto. Os outros, de vassoura em punho, estavam de prontidão para que o rato não escapasse pelas beiradas. E então, Tex e Max deram um mergulho súbito para frente, e o animal ficou preso nas dobras da fazenda. Seus dentes e garras tentaram abrir caminho para a fuga, mas na confusão Max enrolou a coberta, que se tornou uma bola que se contorcia.-Os homens estavam excitados, e gritavam com a captura.
— Mantenham-no quieto — ordenou o Rei. — Max, segure-o. E cuidado para que não fuja. Tex, prepare o café, vamos todos tomar um pouco.
— Que idéia é essa? — quis saber Peter Marlowe.
— É boa demais para contar, sem mais nem menos. Vamos tomar café, primeiro.
Enquanto tomavam café, o Rei se pôs de pé.
— Muito bem, rapazes. Escutem. Temos um rato, certo?
— E daí? — Miller estava tão perplexo quanto os demais.
— Mas não temos comida, certo?
— Certo, mas...
— Ó, meu Deus! — exclamou Peter Marlowe, apalermado. — Não está sugerindo que a gente o coma, está?
— Claro que não — disse o Rei. — A seguir, deu um sorriso angelical. —
Nós não vamos comer. Mas tem muita gente que gostaria de comprar um bocado de carne...
— Carne de rato? — Os olhos de Byron Jones III arregalaram-se, escandalosamente.
— Você está maluco, cara. Acha que alguém iria comprar carne de rato? Claro que não — disse Miller, impaciente.
— Claro que ninguém iria comprar a carne, se soubesse que era de rato. Mas digamos que não saibam, hem? — O Rei deixou as palavras fazerem efeito, depois continuou, afavelmente. — Digamos que a gente não conte para ninguém. A carne vai ter cara de outra carne qualquer. Diremos que é coelho...
— Não existem coelhos na Malásia, meu velho — disse Peter Marlowe.
— Bem, pensem num animal que exista, do mesmo tamanho.
— Creio — disse Peter Marlowe, depois de refletir por um momento -que poderíamos dizer que é esquilo... ou, já sei — falou, todo animado. -Veado. Diremos que é veado...
— Ora, qual é, um veado é muito maior — contestou Max, ainda segurando a coberta que se contorcia. — Atirei num deles uma vez nas Montanhas Alleghenys...
— Não me estou referindo a este tipo de veado. Falo no Rusa tikus. São minúsculos, têm uns vinte centímetros de altura e pesam cerca de um quilo. Mais ou menos do tamanho de um rato. Os nativos o consideram uma fina iguaria. — Ele riu. — A tradução de Rusa tikus é “veado-camundongo”.
O Rei esfregou as mãos, radiante.
— Ótimo, amigão! — Correu os olhos pelo aposento. — Vamos vender coxas de Rusa tikus. E não estaremos mentindo!
Todos acharam graça.
— Agora que já achamos graça, vamos matar logo o maldito rato e vender as malditas pernas — falou Max. — O sacana vai escapulir a qualquer minuto. E pois sim que vou-me deixar morder!
— Temos um rato — disse o Rei, sem ligar para ele. — Agora, só o que temos que fazer é descobrir se é macho ou fêmea. Depois, temos que arrumar outro do sexo oposto. Juntamos os dois. E pronto, estamos no ramo.
— No ramo? — indagou Tex.
— Claro. — O Rei olhou ao seu redor, todo feliz. — Homens, estamos no ramo da reprodução. Vamos ter uma criação de ratos. Com a grana que ganharmos, compraremos galinhas... e a plebe pode comer o tikus. Contanto que ninguém abra o bico, é uma sopa.
Houve um silêncio atônito. A seguir, Tex perguntou, debilmente:
— Mas onde vamos guardar os ratos, enquanto se estiverem reproduzindo?
— Na trincheira. Aonde mais?
— Mas, e se houver um ataque aéreo? Vamos precisar usar a trincheira.
— Vamos isolar uma extremidade. Só o bastante para guardar os ratos. — Os olhos do Rei brilhavam. — Pensem só nisso: 50 desses filhos da mãe grandões por semana para vender. Ora, temos uma mina de ouro. Conhece aquele velho ditado, reproduzem-se como ratos...
— Com que freqüência se reproduzem? — indagou Miller, coçando o rosto, distraidamente.
— Não sei. Alguém sabe? — O Rei esperou, mas todos sacudiram a cabeça. — Porra, onde vamos descobrir os hábitos deles?
— Eu sei — manifestou-se Peter Marlowe. — Na aula do Vexley.
— Hã?
— Na aula do Vexley. Ele ensina Botânica, Zoologia, esse tipo de coisa. Poderíamos perguntar-lhe.
Entreolharam-se, pensativos. De repente, começaram a dar vivas. Max quase derrubou a coberta que se debatia, em meio aos gritos de “Cuidado com o ouro, seu filho da mãe desajeitado”; “Não deixe cair, pelo amor de Deus”; “Cuidado, Max!”.
— Tudo bem, o sacana está firme aqui. — Max abafou as vaias, e depois dirigiu-se a Peter Marlowe. — Para um oficial, você é gente fina. Então, vamos à escola.
— Vocês, não — disse o Rei, vivamente. — Têm serviço a fazer.
— Qual?
— Arranjar outro rato. De sexo diferente deste aqui, seja lá qual for. Peter e eu vamos buscar a informação. Como é, mandem brasa!
Tex e Byron Jones III prepararam a trincheira. Era uma vala de l,80m de profundidade, l,20m de largura e nove metros de comprimento, que ficava exatamente sob a choça.
— Legal! — exclamou Tex, todo excitado. — Tem lugar para mil daqueles sacanas!
Levaram alguns minutos para bolar um portão eficaz. Tex foi roubar tela de galinheiro, enquanto Byron Jones III foi roubar madeira. Jones abriu um sorriso ao se lembrar de uns bons pedaços de madeira pertencentes a um bando de ingleses meio descuidados para vigiá-los. Quando Tex voltou, eleja estava com a armação pronta. Os pregos saíram do telhado da choça, o martelo também fora “tomado emprestado” de um mecânico descuidado na oficina, há meses, juntamente com chaves de parafusos, chaves inglesas, e outras coisas úteis.
Quando o portão estava ajeitadinho, em posição, Tex foi buscar o Rei.
— Bom — disse o Rei, inspecionando-o. — Muito bom.
— Macacos me mordam se sei como vocês conseguem! — exclamou Peter Marlowe. — Fazem tudo muito rápido.
— Se você tem que fazer uma coisa, faz logo. É o estilo americano. — O Rei mandou Tex ir buscar Max.
Max rastejou para debaixo da choça, para juntar-se a eles. Largou o rato com cuidado no seu setor. O rato girou feito louco, buscando desesperada-mente fugir. Quando viu que não conseguia, enfiou-se num canto, de onde ficou silvando para eles, violentamente.
— Parece bem saudável — disse o Rei, sorrindo.
— Ei, temos que dar-lhe um nome — falou Tex.
— É fácil. Adão.
— É, mas se for menina?
— Então é Eva. — O Rei saiu de sob a choça. — Vamos indo, Peter, acabar logo com isso.
A aula do Líder de Esquadrilha Vexley já começara, quando finalmente o encontraram.
— Sim? — perguntou Vexley, espantado ao ver o Rei e um jovem oficial de pé ao lado da choça, ao Sol, olhando para ele.
— Estávamos pensando — começou Peter Marlowe, constrangido — estávamos pensando se podíamos, bem, assistir à aula. Naturalmente, se não estivermos interrompendo — acrescentou, rapidamente.
— Assistir à aula? — Vexley estava confuso. Era um homem triste, com um olho só, um rosto de pergaminho marcado e deformado pelas chamas do seu bombardeiro final. Sua turma tinha apenas quatro alunos, e eram todos idiotas que não tinham interesse na matéria. Sabia que continuava com as aulas apenas para se iludir: era mais fácil fingir que eram um sucesso do que parar. No começo, estivera muito entusiasmado, mas agora, sabia que era puro fingimento. E se parasse com as aulas, não teria objetivo na vida.