Fazia muito tempo, o campo começara uma universidade. A Universidade de Changi. Turmas foram formadas. As Altas Patentes tinham dado ordem para tal.
— É bom para as tropas — disseram. — Vai dar-lhes alguma coisa para fazer. Fará com que se aperfeiçoem. Vai forçá-las a se ocuparem, e assim não se meterão em encrencas.
Havia cursos de idiomas, arte e engenharia... pois entre os 100.000 homens originais havia pelo menos um homem que conhecia qualquer matéria.
O conhecimento do mundo. Uma grande oportunidade. Ampliar os horizontes. Aprender uma profissão. Preparar-se para a utopia que iria existir logo que esta bosta de guerra acabasse e as coisas voltassem ao normal. E a universidade era ateniense. Não havia salas de aula. Apenas um professor que achava uma sombrinha e agrupava os alunos ao seu redor.
Mas os prisioneiros de Changi eram apenas homens comuns, então ficavam plantados em cima dos traseiros, e diziam: “Amanhã vou assistir a uma aula.” Ou então entravam para uma turma, e quando descobriam que o saber exige esforço, faltavam a uma aula, depois a outra, e então diziam: “Amanhã eu volto. Amanhã vou começar a me tornar o que quero ser no futuro. Não posso perder tempo. Amanha”, começo pra valer.”
Mas em Changi, como em qualquer outro lugar, havia somente o hoje.
— Quer mesmo assistir à minha aula? — repetiu Vexley, incrédulo.
— Tem certeza de que não vamos incomodar, senhor? — perguntou o Rei, cordialmente.
Vexley levantou-se com vivo interesse e abriu um espaço para eles, na sombra.
Estava radiante por ver sangue novo. E o Rei! Meu Deus, mas que barato! 0 Rei na aula dele! Quem sabe teria alguns cigarros...
— Encantado, meu rapaz, encantado. — Apertou calorosamente a mão estendida do Rei. — Líder de Esquadrilha Vexley.
— Prazer em conhecê-lo, senhor.
— Capitão-Aviador Marlowe — apresentou-se Peter Marlowe, também apertando a mão de Vexley, e sentando-se na sombra.
Vexley esperou nervosamente até que estivessem sentados e distraidamente apertou o polegar nas costas da mão, contando os segundos até que a depressão na pele se enchesse devagarinho. A pelagra tinha suas compensações, pensou. E ao pensar em pele e osso recordou-se das baleias, e seu único olho se iluminou.
— Bem, hoje eu ia falar sobre as baleias. Entendem de baleias? Ah! — exclamou, extaticamente, quando o Rei tirou do bolso um maço de Kooas, oferecendo-lhe um. O Rei ofereceu cigarros à classe toda.
Os quatro estudantes aceitaram os cigarros e mudaram de lugar para dar mais espaço ao Rei e a Peter Marlowe. Perguntavam-se o que o Rei estaria fazendo ali, mas não queriam realmente saber... ele lhes dera um cigarro de verdade, comprado pronto.
Vexley retomou sua conferência sobre as baleias. Adorava baleias. Era louco por elas.
— As baleias são, sem dúvida, a forma mais elevada a que a natureza aspirou — disse, muito satisfeito com a ressonância de sua voz. Notou a testa franzida do Rei. — Quer fazer alguma pergunta? — indagou, ansioso.
— Quero, sim. As baleias são muito interessantes, mas e quanto aos ratos?
— Como disse? — falou Vexley, polidamente.
— É muito interessante o que dizia sobre as baleias, senhor — continuou o Rei. — Mas eu queria saber é dos ratos.
— O que têm os ratos?
— Só queria saber se o senhor conhece alguma coisa a respeito dos ratos — falou o Rei. Tinha muito o que fazer, e não queria ficar perdendo tempo.
— O que ele quer dizer — falou Peter Marlowe, rapidamente — é que, se as baleias são quase humanas nos seus reflexos, o mesmo também não se aplica aos ratos?
Vexley sacudiu a cabeça e disse, com desgosto:
— Os roedores são totalmente diferentes. Agora, as baleias...
— Diferentes, como? — insistiu o Rei.
— Trato dos roedores no seminário da primavera — disse Vexley, com irritação. — Criaturas nojentas. Não há o que se apreciar nelas. Nada mesmo. Agora, quanto à baleia-azul — voltou Vexley apressadamente ao assunto. — Ah, é a rainha de todas as baleias. Mede mais de trinta metros e pode pesar até cento e cinqüenta toneladas. A maior criatura viva... que já viveu... na Terra. O animal mais poderoso que existe. E seus hábitos de acasalamento — acrescentou Vexley rapidamente, pois sabia que uma discussão da vida sexual sempre mantinha alerta a turma. — O seu acasalamento é maravilhoso. O macho começa a corte soprando nuvens gloriosas de borrifos. Atinge a água com a cauda, perto da fêmea, que espera com luxúria paciente na superfície do oceano. A seguir ele mergulha e emerge bem alto, acima da água, imenso, enorme, vasto, e depois desaba com barulho estrondoso da cauda, fazendo espuma no mar, golpeando a superfície da água. — Então, baixou a voz, sensualmente. — Depois, vem para junto da fêmea e começa a fazer-lhe cócegas com as nadadeiras...
A despeito de sua ansiedade sobre os ratos, até mesmo o Rei começou a prestar atenção.
— E então, ele interrompe a sedução e mergulha de novo, deixando a fêmea ansiosa na superfície, deixando-a quem sabe para sempre. — Vexley fez uma pausa dramática. — Mas, não. Ele não a deixa. Desaparece por cerca de uma hora, nas profundezas do oceano, reunindo as forças, e depois emerge mais uma vez, bem acima da água, e desaba como um trovão numa monstruosa nuvem de borrifos d’água. Vai girando até chegar junto da companheira, agarrando-a com ambas as nadadeiras, e a possui até a exaustão.
Vexley também estava exausto, com a magnificência do espetáculo dos gigantes se acasalando. Ah, poder ter a sorte de testemunhá-lo, de estar presente, um ser humano insignificante...
— O acasalamento acontece mais ou menos em julho, em águas cálidas. O bebê pesa cinco toneladas ao nascer, e mede uns nove metros de comprimento. — Sua risada era treinada. — Imaginem só. — Houve uns sorrisos polidos, e depois Vexley soltou a bomba final, que costumava arrancar uma risada gostosa: — E se imaginarem o tamanho do bebê, já pensaram no tamanho dos “documentos” da baleia-macho?
Novamente, viram-se sorrisos corteses... os alunos regulares já tinham ouvido a piada muitas vezes.
Vexley continuou, descrevendo como o bebê é amamentado durante sete meses pela mãe, que fornece o leite ao filhote através de duas tetas monstruosas que ficam na parte inferior da barriga.
— Como podem imaginar, indubitavelmente — disse, extaticamente — uma amamentação submarina prolongada tem os seus problemas.
— Os ratos amamentam os filhotes? — aproveitou o Rei para perguntar.
— Sim — respondeu o líder de esquadrilha, desalentadamente. — Bem, e quanto à baleia parda...
O Rei deu um suspiro e pôs-se a ouvir Vexley dissertar sobre todas as espécies de baleias imagináveis, das pardas às cinzas, passando pelas assassinas, pigméias e outras. A esta altura, toda a turma já tinha ido embora, exceto Peter Marlowe e o Rei. Quando Vexley acabou, o Rei disse, simplesmente:
— Quero saber tudo sobre ratos.
— Ratos? — gemeu Vexley.
— Tome um cigarro — disse o Rei, gentilmente.
10
— Muito bem, caras, ajeitem-se — mandou o Rei. Esperou até haver silêncio na choça, e o vigia da porta estar em posição. — Temos problemas.
— Grey? — perguntou Max.
— Não. É sobre nossa criação. — O Rei virou-se para Peter Marlowe, que estava sentado na beira de uma cama. — Conte para eles, Peter.
— Bem — começou Peter Marlowe — parece que os ratos...